A usina das 700 mulheres
A terra tem um tom alaranjado e parece estar ardendo em brasa. O sol produz a sensação térmica de 40 graus, os borrachudos não dão trégua e o cenário é cortado por caminhões, retroescavadeiras, betoneiras, tratores e rolos compactadores. Efervescência é a melhor palavra para definir o canteiro de obras às margens do rio Madeira, em Porto Velho, a 100 quilômetros da Bolívia. As mulheres se espalham pela área de 2,7 mil hectares, onde está sendo erguida a Usina Hidrelétrica Santo Antônio, uma das maiores iniciativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As 700 operárias - 14% da mão de obra contratada - formam o primeiro grande contingente feminino a atuar em todas as frentes de trabalho de uma construção pesada, revezando-se nas 24 horas do dia. Antes delas, já havia mulheres no setor (138 mil no país), mas, em geral, não ultrapassavam 2% dos operários de um empreendimento. Além disso, trabalhavam no almoxarifado ou acabamento. Poucas realizavam as tarefas rudes e reconhecidamente masculinas.
Na Santo Antônio, elas estão presentes desde o primeiro momento, em setembro de 2008. Rapidamente se adaptaram às novas atividades - bem diferentes do que faziam como domésticas, vendedoras ambulantes, artesãs, manicures, donas de casa. Como foram parar ali? O grupo Norberto Odebrecht, majoritário no Consórcio Santo Antônio Civil, responsável pelo canteiro, precisava inverter uma praxe do mercado, que é utilizar 30% de mão de obra local e 70% de migrantes. "Porto Velho tem 5% do esgoto necessário, 12% de água tratada, criminalidade alta, deficiência na saúde e na educação. Trazer peões de fora só agravaria os problemas", diz Antônio Cardilli, gerente administrativo e financeiro da Odebrecht. Pesquisas preliminares mostraram que a capital não dispunha de pessoal treinado para as primeiras 4,8 mil vagas. A alternativa foi criar, com apoio dos governos estadual e municipal, um projeto (o Acreditar) que preparasse gente para a empreitada.
MULHERES BATEM À PORTA
As inscrições foram abertas em 2006, em igrejas e associações de bairro. Num estado sem oferta de trabalho e com salário inicial médio na quinta pior posição nacional, as mulheres perguntaram se podiam participar. Os recrutadores tiveram dúvidas. Mas Cardilli, com o olho no EiaRima (documento que mede o impacto ambiental e social de uma edificação, indispensável para que ela tenha licença para ser realizada), arriscou: "Mandem vir as mulheres. Não há exigência de sexo ou escolaridade, o limite é físico". Quase tudo ali exige força ou resistência para suportar o sol, sob poeira e barulho por nove horas diárias.
As rondonenses corresponderam. "Até aqui, está funcionando bem", afirma Cardilli, para quem a iniciativa não representa uma ação social. Trata-se de negócio, mesmo." Mulheres significam menos acidente de trabalho, menor desperdício de recursos e maior produtividade, segundo Eunice Moraes, gerente de projetos de gênero e trabalho da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, autora de um programa de formação que tem sido oferecido a governos interessados em construir com mão de obra feminina.
DINAMITEIRA
Zyvane Leite Lira, 34 anos, técnica em mineração, não se incomoda quando a chamam de "mulher-bomba".
Patrícia Zaidan
Fonte: Revista Claudia
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