Quando Eliana Canevarolo optou por cursar Química, seu pai lhe disse: “Filha, você vai trabalhar em usina? Isso é serviço de homem, não é para mulher.” Eliana respondeu-lhe: “Pai, eu quero ser uma profissional e vou me empenhar para isso, acredito que a mulher é tão capaz quanto o homem.” Eliana cumpriu a sua meta, atua há 30 anos no setor sucroenergético, trabalhou na área industrial de usinas, tornou-se consultora especializada na área e presidente do Grupo de Estudos em Gestão Industrial do Setor Sucroalcooleiro (Gegis).

Eliana participou do Encontro Cana substantivo feminino no painel “Mulheres na Área Industrial”, falou sobre sua experiência profissional e sobre a atuação das mulheres nas usinas. Segundo ela, a presença feminina na indústria tem crescido consideravelmente. “Existem muitas supervisoras mulheres e elas demonstram grande eficiência, a parte industrial tem mais mulheres que a área agrícola”, comentou. Eliana observou que as mulheres conseguem conciliar muito bem casamento e trabalho. Inclusive, a expansão do setor não tem sido obstáculo para as mulheres, muitas profissionais migraram para outras regiões canavieiras, e há até casos em que elas vão trabalhar na usina e é o marido quem toma conta da casa.

“Hoje as indústrias estão cada vez melhores, mais automatizadas, exigindo menor força física. As mulheres estão participando do desenvolvimento dos projetos. Temos muita vontade de aprender e não queremos disputar espaço com os homens. Queremos ter o mesmo padrão de trabalho, as mesmas condições”, disse Eliana.

Modelo importante no setor – “Vejo a mulher no setor canavieiro como um modelo importante e não como alguém que atende a um planejamento”, disse a professora e doutora Márcia Mutton da Fcav/Unesp – Departamento de Tecnologia, de Jaboticabal, SP, em sua participação no Encontro. Para ela, a mulher participa do planejamento, sugeri, critica, cria, desafia e tem ideias próprias; e tudo isso faz parte da natureza feminina por ser mais observadora e por saber cobrar de maneira enfática.

Márcia Mutton, que trabalha na área agrícola e industrial desde a sua formação, disse que a mulher já conquistou uma determinada posição e isso se deu pelo acréscimo e pela construção do seu conhecimento ativo. “Sabe-se que a mulher trabalha como um homem, mas de saia, brinco e salto, só que com uma qualidade de trabalho indiscutível, pois a mulher analisa de forma técnica e isso faz a diferença”, avaliou.

Márcia salientou que as facilidade e dificuldades enfrentadas pelas mulheres, certas vezes estão ligadas a limitação intima. “Muitas mulheres acham que não devem e não podem, e por temerem assumir uma posição de liderança ou uma conduta que domina o conhecimento e que podem ir a frente, elas se colocam em segundo plano. Então, vale a pena fazermos uma reflexão para saber se essa limitação não é nossa”, aconselhou.

No entanto, a professora disse que há aquelas mulheres que não temem e que, por isso, seguem enfrente, aí o pessoal comenta: “Nossa, essa mulher como chefe é pior que homem.” Na opinião de Márcia, essa posição de durona, acontece, na verdade, porque a mulher fala mais claramente, cobra competência e execução de uma determinada tarefa que foi antes planejada, discutida e solicitada.

Capacidade técnica e individual - Desafio intenso também foi para Andrea Sanches Fernandes, engenheira química, mesmo sendo filha de acionistas da Usina Cerradinho, empresa de Catanduva, SP, ingressou no setor, há 23 anos, no departamento de Controle de Qualidade. “Comecei de baixo, para conhecer todo o processo e mostrar minha capacidade”, contou Andréa, que aprendeu todas as etapas, passou pela área de produção, cresceu junto com a empresa, até assumir o cargo de diretora industrial. Atualmente, é diretora de operações da Cerradinho Bio, que mantém uma unidade produtora em Goiás.

Andrea lembrou que quando iniciou seu trabalho na usina, poucas mulheres trabalhavam no setor. Pois, não bastava a mulher querer e se dispor pelo trabalho, havia problemas de infraestrutura para receber a mão de obra feminina e até de conceito, por exemplo, para as mulheres atuarem no turno da noite, era uma dificuldade, não havia nem transporte adequado. Andréa salientou que a Cerradinho foi a pioneira na contratação de mulheres no turno da noite. O resultado foi ótimo. O trabalho feminino, minucioso e caprichoso, encantou os supervisores, o que abriu a contratação de mulheres para outros setores da usina.

Como diretora-industrial da Cerradinho, Andréa participou da construção de dois grandes greenfields (projeto iniciado do zero), um deles na cidade de Potirendaba, SP e o outro em Chapadão do Céu, em GO. Ao desenvolver projetos em regiões diferentes, Andrea aperfeiçoou ainda mais seus conhecimentos, pois as características de solo, variedades de cana, clima e relevo diferem bastante entre São Paulo e Goiás, o que influencia também na parte industrial. “Em Goiás, o terreno era tão plano, que tivemos dificuldade para realizar a drenagem do solo.

Precisamos trazer especialistas para desenvolver uma planta industrial adequada para o escoamento de águas pluviais. Em Goiás, o período de safra também é mais curto que o de São Paulo, lá as chuvas começam antes. E quem está montando greenfield precisa inserir esse maior volume de chuvas no projeto, saber que a execução levará mais tempo”, informou Andrea ao citar diferenciais entre as regiões.

Evolução no Processo Seletivo e na Automação - A gerente industrial da Usina Camaragibe, Alagoas, Renata Maranhão, atua há 25 anos no setor. Formada em agronomia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Renata contou que quando começou a trabalhar na usina foi uma quebra de paradigmas, afinal, usina não era lugar para mulher. Mas foi provando sua competência, conquistando o seu espaço e os colaboradores também. “A mulher tem aquele jeito firme de cobrar, mas ao mesmo tempo carinhoso, na hora de delegar ela tem um jeitinho especial, mostrando a importância de se cumprir corretamente a tarefa, seja para o trabalhador ou seja para a empresa”, disse

Na visão de Renata, o fato de ser engenheira agrônoma é uma vantagem, pois conhece todo o processo, desde a produção da matéria-prima no campo até o produto final. “Com esse conhecimento é possível promover uma melhor integração entre a área agrícola e industrial”, observou. Sobre a participação feminina no setor, disse que as mulheres têm muitas qualidades, são mais dedicadas, cuidadosas, detalhistas, tem ação preventiva, no sentido de evitar que algo mais grave aconteça com algum equipamento e possui nível de escolaridade mais alto. “A mulher conquistou seu espaço e está muito bem preparada para exercer seu papel na indústria pela própria característica de ser perfeccionista”, salientou.

A inovação nos processos de seleção e contratação de profissional com testes mais rígidos também foram mudanças significativas para a inserção da mulher na área industrial. Além disso, outro fator que favoreceu a entrada da mulher na indústria foi a automação. “Antigamente, um cozedor de açúcar com válvulas pesadas para se operar dependia de um trabalho masculino, mas com a evolução da automação a mulher pode, facilmente, operar, supervisionar caldeiras, destilarias, fabricação sem exigir esforço físico, apenas dedicação e conhecimento”, lembrou Renata.

Atitude e posicionamento – A engenheira química Maria Marta Gomes dos Santos começou a trabalhar no setor há 24 anos, no laboratório de uma usina. Dedicação, eficiência e o amor pelo que faz foram as bases de sustentação para o crescimento profissional de Marta, que há cinco anos ocupa a função de gerente industrial da Usina Cevasa, de Patrocínio Paulista, SP. A Cevasa, que tem previsão de moer nesta safra 2.2 milhões de toneladas, possui um time de 211 funcionários, sendo 30 mulheres. Marta disse que na indústria, o número de mulheres é crescente, mas só não é maior, pois na Cevasa ainda há dificuldades de casar as atividades de safra e entressafra.

Marta declarou ser apaixonada pelo setor e disse vivê-lo intensamente. “Estou sempre ligada na indústria, mesmo estando em casa. Até tento me desligar, mas não consigo. Meu marido trabalha em uma usina em outro Estado. Então a família se envolve muito com o setor”, disse. Conciliar família e o trabalho é um desafio confessou Marta. “Tenho que conciliar a criação de dois filhos, administrar minha casa e tudo isso sozinha, pois meu marido vem no final de semana. Mesmo assim é muito prazeroso. O setor é apaixonante”, salienta.

A gerente industrial da Cevasa admite que para ser bem-sucedida não depende do sexo e sim da maneira de se posicionar com as situações e com as atitudes. Disse que a profissional mulher é mais exigida, até mesmo em relação as posições que irá tomar, não tanto pelos subalternos, mas pelos pares e superiores, que ficam atentos ao seu posicionamento. Isso influência, inclusive, nas questões salariais.

Persistência e conhecimento - A experiência de vida e a inserção no setor para Miriam Lourenço não foi diferente das demais mulheres debatedoras do encontro Cana substantivo feminino. Miriam conta que durante o curso técnico de Açúcar e Álcool, seus colegas de classe, todos homens, a questionavam quais as razões que a elevaram a fazer o curso. Diziam que ela jamais entraria em uma usina, pois era trabalho de homem. Quando chegou a fase de estágio, Miriam concorreu com mais três colegas homens por uma vaga como técnica em açúcar e álcool e um laboratório de usina, isso, em 1986. No final, ela passou e seus colegas não. “Quando entrei na usina, só havia duas mulheres, a chefe do laboratório e a gerente de controle de qualidade. O laboratório é sempre a nossa porta de entrada, mas graças a nossa persistência e eficiência vamos galgando outros patamares”, observou.

Miriam cursos a faculdade de engenharia química, hoje não trabalha mais em usinas, mas ajuda a formar profissionais para o setor, é professora e coordenadora do curso de Tecnologia em Produção Sucroalcooleira na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). “No início do curso, o percentual feminino era 0%. Mas, com o passar do tempo foi começando a chegar mulheres, o índice foi crescendo e as últimas turmas chegaram a 50% de alunas”, lembrou Miriam.

Segundo ela, esta é uma profissão onde as mulheres precisam ultrapassar várias barreiras. Um deles é o estágio, por preconceito das empresas, os meninos conseguem a vaga mais fácil. “Mas temos alunas que fazem estágio em usinas da região e quase sempre acabam sendo contratadas, até mais que os alunos”, ressalta. A professora também contou que é maior a desistência por parte dos homens e que dificilmente as mulheres desistem do curso. “Não é questão de ser melhor ou pior, mas talvez de persistência, de mais vontade de querer se colocar no mercado de trabalho.”

Outro diferencial apontado por Miriam é que as alunas têm se mostrado mais atentas às particularidades do segmento que pretendem trabalhar, por exemplo, o setor sucroenergético é um grande empregador, por isso, elas se interessam, mais do que os alunos, pelas noticias desse setor, percebem a importância dessa atividade para a região, para o Brasil e para o mundo. O quanto à tecnologia, tanto na indústria como na agrícola, é fundamental para a evolução do setor que é referência mundial em etanol, cana e açúcar. Essa percepção em relação ao setor indica que cada vez mais a presença feminina ganhará espaço nas usinas.

Fonte: Luciana Paiva e Jaqueline Stamato