A maratonista RB92579
01-07-2014

Na largada, a variedade de cana RB92579 é considerada lenta, mas depois seu desempenho é fantástico, perfilha muito e apresenta produtividade e teor de açúcar 30% a mais que outras variedades

Luciana Paiva

A RB92579, atualmente a variedade de cana mais cultivada na região Nordeste e a terceira no Brasil, quase foi abortada com o fim do Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (Planalsucar), pelo Governo Collor em 1991. “Foram lacradas as portas do prédio, ninguém entrava, nada poderia ser retirado, seria o fim de nossas pesquisas”, relembra o pesquisador Antonio Rosário, na época coordenador do Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar do Planalsucar em Alagoas.
Mas Rosário conta que a equipe de profissionais do Planalsucar já sentia que isso ia acontecer, por isso, transferiu o material de estudo para três subestações de pesquisas montadas nas usinas Caeté, Santo Antonio e Coruripe. “Foi assim que o programa teve sustentação e o material genético não foi perdido. O setor privado acolheu técnicos, pesquisadores, manteve a estrutura física e deu condições para que o melhoramento genético crescesse, se desenvolvesse. Além dessas unidades, tivemos grande apoio da Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e Álcool de Alagoas, por meio de Luiz Chaves Ximenes Filho, Assessor da Diretoria”, relembra.
“Quando houve aquela desastrosa operação de desmanche do Planalsucar, abrigamos as pesquisas de variedades. Não podíamos correr o risco que se perdesse esse valioso material. O mais importante em todo o processo produtivo é a variedade”, afirma Cícero Bastos, o Cição, gerente corporativo de planejamento de desenvolvimento agrícola do Grupo Coruripe. O material da série 92 seguiu para a usina Coruripe, entre eles estava a 579. “Ela nasceu aqui”, comemora Cição.

VARIEDADE CARRO-CHEFE NA SANTO ANTONIO

Foi gerada na Coruripe, no sul de Alagoas, mas segundo Rosário, foi a Usina Santo Antonio, localizada no norte de Alagoas, a primeira a avançar com a variedade. O técnico agrícola e pesquisador José Venício Correia integrava o Planalsucar e foi acolhido pela Santo Antonio em sua subestação de pesquisa. Apaixonado pelo trabalho de melhoramento genético, Venício conta com paixão a história da RB92579. “Quando ela foi liberada na safra 2002/03, a Santo Antonio já tinha moído a produção de 245 hectares com essa variedade. O desempenho da 579 era tão bom que no primeiro ano, representava 1,5% dos canaviais da Santo Antonio, no segundo já era 10%, depois 23, 30, 35%. Hoje, dos 21 mil hectares com cana na usina, 10 mil são cultivados com a 579. Chegou a esse exagero rápido dessa variedade porque ela alavanca a produtividade. Para se ter uma ideia, na safra passada, a área colhida com 579 foi de 33% e ela contribuiu com 41% de cana moída. Como quem faz a usina existir é a cana, investiu-se na 579.”
Em decorrência da seca (o ano passado foi a segunda pior safra da história da Santo Antonio), Venício diz que média das demais variedades cultivadas na usina foi de 66 toneladas por hectare e a 579 fechou com 71 toneladas. Mas sua média nos bons anos supera as 97 toneladas. A segunda variedade mais cultivada na Santo Antonio é a SP791011, por ser precoce e a terceira é a RB951541, liberada há dois anos e que apresenta alto desempenho, tanto que já ocupa uma área de cinco mil hectares.
As terras da Santo Antonio são compostas por 55% de encostas, 25% de chãs e 20% de várzea, a 579 se encontra em todas elas, ou seja, em todos os ambientes e fornece cana do começo ao fim de safra. Há canaviais que já estão no 10º corte e a produtividade média nos últimos 10 anos é de 78 toneladas por hectare sem irrigação. “Na Santo Antonio é cana de sequeiro, só damos uma lâmina d´água quando planta-se a cana, depois é por conta dela e de São Pedro. Mas é uma variedade altamente responsiva à irrigação, na Coruripe alcança 200 toneladas por hectare, na Agrovale, na Bahia, chegou a 263 toneladas por hectare”, salienta Venício.

O DESEMPENHO DA 579

“Só a diferença de produção com a 579 pagou em um ano o investimento que a Coruripe fez com a barragem”, ressalta Antonio Rosário. A RB92579 responde por 40% dos canaviais da Coruripe Matriz, em Alagoas. Perguntado se não é um risco dar tanto espaço para uma única variedade, Cícero responde com uma pergunta: "Vou abrir mão de uma variedade que oferece até 40% a mais que as outras?".
Nas usinas Caeté de propriedade do Grupo Carlos Lyra, a 579 também é a variedade mais plantada, a média das 3 unidades é de 33%, na Caeté unidade Marituba, localizada em uma região mais árida, o plantio da 579 chega a 40%. “E uma variedade que responde muito bem nas áreas de sequeiro. Fornecedor de cana só quer ela. Sabemos que o ideal é ter no máximo 20% de uma variedade, mas precisamos produzir mais e reduzir custo, e o balanço da 579 é excelente, chega a produzir 40% superior as demais. Por mim, plantava 100% dela. Se der uma praga, o custo já está pago com o que já ganhei”, diz Fabrízzio Tenório, superintendente agrícola das três unidades do Grupo Carlos Lyra, em Alagoas.
Venício conta que as áreas com 579 que estão no 10º corte na Santo Antonio, desde o 7º corte a direção mandou tirar. “O diretor passa na estrada e vê uns clarões no canavial, aí manda renovar a área. Mas esses espaços vazios acontecem porque essa variedade não forma linha contínua, apresentando inicialmente falhas, que depois são preenchidas, pois a variedade ganha no volume da touceira. É lenta na largada, demora uns cinco meses para se igualar ao desenvolvimento das outras variedades, mas depois não para mais. Nesta safra, ás áreas de 10º corte produziram 85 toneladas por hectare, parece que ficam com raiva porque vamos arrancá-las e aí produzem mais. Resultado, mais uma vez não vamos renovar essas áreas”, diz Venício. A 579 tem grande poder de perfilhamento, suas touceiras formam mais de 20 perfilhos.
O pesquisador salienta que é uma variedade exigente em fertilizante porque tem uma população grande, enquanto a RB867515 (a mais plantada no Brasil) produz na faixa de 60 mil a 70 mil colmos por hectare, a 579 produz entre 110 mil a 120 mil colmos. A Santo Antonio realiza adubação convencional e foliar complementar. Na média de 10 anos, no comparativo por produção de toneladas de açúcar com as demais variedades, a 579 apresenta duas toneladas por hectare a mais, ou seja 25% superior. Também neste período, a média de produtividade é de 26% a mais. “Seu custo de produção sai por R$ 6,0 por hectare, mas seu retorno é de R$ 10,00 a R$ 12,00”, observa Venício.

CANA INTERNACIONAL

Porém, há quem diga que a RB92579 é uma cana adequada para o Nordeste e que não apresenta o mesmo desempenho na região Centro-Sul. Rosário discorda, lembra que já é a terceira mais plantada no Brasil, a segunda em Minas Gerais e a quarta em São Paulo. E está incluída em todos os bancos de germoplasma do Brasil (CTC, IAC, Canaviális), pois além de ser produtiva, rica em açúcar, ter baixo florescimento é uma excelente progenitora. “Não tem um estado da Nação que não tenha a 579 em grande quantidade. E já é uma cana internacional, é uma das mais plantadas no México e também já se encontra no Peru.”
Em Minas Gerais foi introduzida por meio da Coruripe que conta com cinco unidades produtoras no estado. Cícero diz que seu desempenho é excelente, tanto que o grupo está ampliando o plantio dessa variedade. Em Alagoas, na Santo Antonio o corte é 100% com cana queimada e manual, na Coruripe 95%. Já em Minas, e na maior parte da região Centro-Sul, a realidade é corte mecanizado e cana crua. E a 579 é uma variedade que acama, que tomba. Venício diz que isso é normal por se tratar de uma variedade com alto peso e altura, mas que ela acama apenas de um lado, não cruza a cana e isso facilita o corte com a máquina. Cícero aconselha reduzir a velocidade da colhedora e o corte sai normal.

Em relação às doenças, os pesquisadores salientam que na 579 não apareceu a Ferrugem marrom e nem a Escaldadura. Sobre o Amarelinho, eles enviaram amostras para laboratórios em Minas e São Paulo para fazer análise foliar e não deu nada. No Paraná aparece um pouco de carvão, mas é insignificante. “Essa cana foi Deus que botou o dedo e disse: ‘toma ela para vocês’”, brinca Venício.