A morte desenhada do etanol hidratado
23-09-2016

Não é novidade que o açúcar é bola da vez no mercado sucroenergético. Por uma conjunção de fatores, a commodity vai ter dois anos seguidos de um déficit global que pode beirar 17 milhões de toneladas em setembro de 2017, recorde histórico. São vários os fatores causadores desse déficit e um deles, pouco citado, foi levantado pelo empresário e presidente da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), Celso Junqueira Franco: a crise de quase uma década da indústria brasileira a impediu de aumentar a oferta do açúcar para suprir o rombo entre a produção e a demanda.

Como o estagnado setor sucroenergético produz também etanol e não há a menor perspectiva de crescimento no número de usinas ao menos até o final desta década, diante da ausência de projetos, a crise de oferta do combustível renovável parece ser uma questão de tempo. Com o aumento do número de veículos e sem crescimento na capacidade produtiva, se nada for feito, em algum momento vai faltar etanol.

Diante da insegurança do investidor e sem qualquer política que defina o papel do álcool no longo prazo na matriz de combustível do Brasil, soluções emergenciais, como sempre, são levantadas para evitar um colapso no abastecimento. Um delas, adotada sempre que surgem crises pontuais de abastecimento, é priorizar o uso do etanol anidro no País em detrimento do hidratado.

O anidro é utilizado na mistura à gasolina e em vários Países no mundo. No Brasil, a mistura está em até 27%. Na Califórnia (EUA), por exemplo, chega a 85%, ou seja, na prática, a gasolina é misturada ao etanol no estado norte-americano. O hidratado tem um pouco mais de água e é uma "invenção brasileira", assim como os carros flex, que podem utilizar tanto 100% deste tipo de álcool, como serem abastecidos com gasolina com o anidro, ou mesmo uma mistura de ambos.

Como a produção e a demanda de hidratado é quase o dobro da do anidro e quase toda a frota brasileira ou é flex ou usa gasolina, a redução da demanda pelo etanol seria simples. O governo decretaria a "morte" do hidratado e o uso apenas do anidro na mistura. Os defensores da ideia, como o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, lembram também que o etanol anidro é um produto consumido mundialmente, que poderia ser importado para suprir uma crise pontual de demanda e exportado para controlar a oferta excedente.

Mas, apesar de uma saída para evitar a crise já desenhada, a adoção do etanol único, o anidro, seria muito mais do que matar um combustível automotivo brasileiro e só utilizado aqui. Se isso ocorrer, governo e cadeia sucroenergética brasileira resolveriam um problema, mas assumiriam a incapacidade e a incompetência por não conseguirem sequer discutir qual o papel do combustível renovável na matriz energética.

Gustavo Porto