Adiamento e incertezas
24-06-2019

Foi adiado o esperado anúncio do novo Plano de Safra para 2019/20, que aconteceria na semana que terminou.

A ministra Tereza Cristina, prudentemente, decidiu não avançar o sinal porque não ficou definido o volume e o custo dos recursos a serem disponibilizados: isso depende da aprovação pelo Congresso Nacional, de projeto de lei (PLN 4) que autoriza um crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões para a safra.

Qual é o efeito disso quanto ao ânimo dos produtores rurais- Vai atrapalhar a decisão sobre o que e quanto plantar- Vai alterar os investimentos planejados- Há outros temas muito mais relevantes para essas e outras definições, num horizonte pouco inspirador.

Vamos aos custos: com o dólar em torno de R$ 4, os insumos importados estão mais caros. Não faltam -previsões- de um câmbio pior do que isso na hora da venda da safra, e como já vivemos esse desastroso -descasamento- em outras ocasiões no passado, fica uma grande incerteza no ar. Como dizemos na roça, -cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça--

Mas tem mais: os preços agrícolas das principais commodities não são animadores, dados os estoques globais elevados. Mesmo com as enchentes no -corn belt- americano que atrasaram o plantio de grãos lá, sinalizando redução das colheitas de milho e soja, os preços não reagiram na proporção esperada.

Talvez isso esteja ligado à inquietação quanto aos resultados da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que hipoteticamente beneficiaria o Brasil no curto prazo, com os asiáticos buscando maiores volumes aqui (e na Argentina). Mas, no longo prazo, o mundo dos emergentes pode perder muito mais, dado um crescente neoprotecionismo nos países mais ricos determinado pela referida guerra.

A explosão da peste suína na China e em outros países asiáticos trouxe uma crescente angústia quanto aos preços: se a China tiver mesmo de eliminar milhões de cabeças de suínos, certamente reduzirá suas gigantescas (e para nós majoritárias) importações de soja. Que fazer com a sobra da soja produzida- Exportá-la a outros países que aumentariam espetacularmente suas produções de frangos e suínos- Quanto seria o volume necessário- Ou vamos ampliar aqui mesmo essas criações para exportar carnes, o que seria maravilhoso por causa do valor agregado- Mas que aconteceria se e quando a China voltasse a ter porcos suficientes, inclusive com um novo modelo produtivo- Teríamos uma -ressaca- insuportável por aqui- Que faríamos com os milhares de pintinhos e leitõezinhos excedentes-

O que vai acontecer com o frete- Haverá outra greve de caminhoneiros na boca da colheita, disparando os custos-

Como vai ficar a questão da reforma da Previdência, essencial para o equilíbrio das contas públicas, mas insuficiente para a retomada de investimentos que gerariam empregos e maior consumo das famílias- Vai sair a reforma tributária tão importante quanto a outra- E os investimentos em infraestrutura- O cenário político doméstico permite otimismo quanto ao rápido andamento disso tudo, e mais as privatizações prometidas- Aliás, onde encontrar confiança quanto à economia global, com incertezas políticas de todo o lado-

São muitas as nuvens cinzentas no horizonte dos produtores brasileiros, que já se debatem com preços ruins para o café, a cana-de-açúcar e o leite.

O adiamento não é, portanto, um grande problema. E até pode ser a alavanca para discutir temas mais relevantes. Temos, isso sim, de montar um seguro rural efetivo, com recursos para o prêmio da ordem de alguns bilhões, que é o tamanho do nosso agro. Tais recursos podem sair da redução paulatina dos subsídios ao crédito de grandes produtores. Os juros terão de baixar com a inflação declinante, e os bancos precisam entender isso de uma vez por todas. A própria Febraban já produziu, diligentemente, uma cartilha orientando seus associados nesse sentido. O que falta para implementá-la-

Os papéis para comercialização (LCA, CRA, CDCA) criados em 2005 pelo Mapa tiveram suas gêneses na crença de que nosso modelo de crédito rural tinha os dias contados. E já se foram 14 anos bem contados.

A ministra Tereza Cristina está disposta a essa discussão, incluindo planos de safra plurianuais, que também zerariam adiamentos como o atual. Mãos a obra, todo mundo junto.

Roberto Rodrigues
ex-Ministro da Agricultura, Embaixador da FAO para o Cooperativismo e Diretor do Departamento de Agronegócios da FGV. Ex-Ministro da Agricultura, Embaixador da FAO para o Cooperativismo e Diretor do Departamento de Agronegócios da FGV