Alavancando nossas vantagens
21-07-2014

Em artigo recente, na Folha de S. Paulo (3/7), o economista Marcelo Miterhof escreveu "como o Brasil, o Chile conseguiu montar cadeias produtivas de commodities eficientes. Este sucesso se torna mais perceptível porque sua população reduzida (um décimo da brasileira) faz com que o país esteja entre os de maiores dotação per capita de recursos naturais. Ainda assim, sua experiência parece mostrar os limites da primarização da estrutura produtiva. Se vale para lá, quanto mais para cá".

Esta é uma opinião bastante presente nas análises sobre o Brasil. Entretanto, será isso verdade?

Não creio. Existem pelo menos três razões para esta reflexão: pelo tamanho da economia e da agricultura brasileiras, pelas tendências recentes do avanço tecnológico e sua difusão e pelo que ensina a experiência dos países nórdicos (que não será discutida hoje).

Como sabemos, o tamanho do mercado comanda a divisão do trabalho, isto é, mercados grandes dão escala para sistemas produtivos também grandes e eficientes. Produzindo mais de 600 milhões de toneladas de cana, 25 bilhões de litros de etanol, 36 milhões de toneladas de açúcar, 195 milhões de toneladas de grãos, 45 milhões de sacas de café, 24 milhões de toneladas de carnes, 23 bilhões de litros de leite e 15 milhões de toneladas de celulose, o mercado permite (ao contrário do Chile) produção eficiente de caminhões, tratores, colheitadeiras, implementos, equipamentos para as diversas atividades rurais, fertilizantes (mineração e indústria), defensivos, processadores de alimentos e de fibras e produtores de equipamentos para bioenergia, movimentação de cargas, armazenamento, etc. Este conjunto de setores industriais ligados direta e indiretamente às cadeias do agronegócio representa algo como 25% na indústria paulista. Isto mesmo num cenário no qual a política de preços vem limitando severamente a produção de biocombustíveis e de bioenergia que poderia levar a uma demanda muito maior de equipamentos, insumos e serviços. Vai na mesma direção a precariedade da nossa logística, que retira renda e destrói valor na produção. Menores custos de movimentação permitiriam uma produção muito mais elevada. Isto vale para todos os setores, mas especialmente para o agronegócio.

Cabe menção ainda o fato de que a produção brasileira é geralmente amigável ao meio ambiente, graças a técnicas como plantio direto, integração lavoura/pecuária/florestas plantadas e outras.

Técnicas de economia e reciclagem de água e resíduos são relevantes e demandam serviços e equipamentos como, por exemplo, para a produção de metano e eletricidade na fazenda. Um caso interessante a mencionar é o do controle biológico de pragas, que fez com que a Bug Agentes Biológicos fosse considerada pela revista Fast Company como uma das 50 empresas mais inovadoras do mundo em 2012.

O avanço do agronegócio induz uma intensa atividade industrial.

O mesmo vale para as atividades de mineração e petróleo, que não analisaremos neste momento.

O segundo ponto que tem de ser analisado é o enorme avanço tecnológico que vem ocorrendo no segmento do agronegócio. Não falo aqui apenas do já ocorrido no passado, mas do fato de que a revolução tecnológica em curso está transformando rapidamente a própria cadeia de produção. A melhoria técnica tem na biotecnologia e na nanotecnologia uma de suas frentes e isso aparece na produção de sementes, plantas, novos seres vivos, materiais (nanocelulose, por exemplo) e produtos (alimentos nutracêuticos, cosmetologia e outros).

Ademais, muitas das novas tecnologias industriais estão presentes na agroindústria, como automação, robôs, controles de processo, etc. Isso é verdade tanto no campo, com sistemas automatizados de ordenha, como nas plantas industriais produtoras de todos os tipos de bens fornecidos aos produtores e a indústrias processadoras de produtos agrícolas. Um bom exemplo aqui é a planta da Aurora, em Chapecó (SC), ainda na área leiteira.

Consideremos, por exemplo, as consequências do processo de digitalização dos sistemas e equipamentos de produção: caminhamos rapidamente para o que se chama de agricultura de precisão, onde o sistema contínuo de informações geradas e lidas no campo se transforma num processo de otimização de diversas etapas do processo produtivo, como adubação, controle da produção leiteira, colheita etc. Essas leituras permitem também uma integração mais on line entre os produtores de insumos e os processadores. Toda uma indústria de equipamentos está sendo criada para atender essas novas possibilidades. Um outro caso ilustrativo a mencionar é o da Enalta, uma das 50 companhias mais inovadoras do mundo em 2013, especializada em integração de sistemas (a partir de sensores de leitura ótica em equipamentos) nas áreas de colheita de cana, de gestão de frota etc., com intensa utilização de sensores e sistemas acoplados a equipamentos no campo.

Finalmente, boa parte desses avanços resulta na criação de inúmeros empregos na área de serviços sofisticados nas áreas de consultoria, de fusão e assistência técnica, nos segmentos de produção, transporte, indústria e comercialização. Desta forma, a integração do campo, indústria e serviços é cada vez mais real e alavancadora do progresso. Alavancar nossas vantagens comparativas, naturais e criadas, especialmente a partir de novos conhecimentos de tecnologia, tem de se transformar em uma prioridade real.

José Roberto Mendonça de Barros