Apagar com gasolina
06-10-2014

A política de combustíveis tem feito várias vítimas. A mais prejudicada é a indústria do etanol, com 70 usinas fechadas e um futuro opaco. A Petrobras tem perdas que pioraram muito no mês de setembro pela alta do dólar. A conta petróleo é a que mais pesa na balança comercial. Em cinco anos, as vendas de etanol caíram 35% e as de gasolina subiram 68%. Perde também a qualidade do ar.

A proposta de zerar a Cide eliminou uma fonte de financiamento do setor de infraestrutura de transportes, outro prejudicado pela política de subsidiar o consumo da gasolina. Mas nenhum setor sofreu impacto maior do que o do etanol.

De setembro de 2009, quando quase se igualou ao consumo de gasolina no país, até julho de 2014, último dado divulgado pela ANP, as vendas de etanol caíram 35%: de 315 mil barris/dia para 205 mil. No mesmo período, o consumo de gasolina disparou 68%, de 330 mil para 555 mil (vejam no gráfico). E ao contrário da lógica econômica, a Petrobras perde mais quanto mais vende. Como o Brasil não produz toda a gasolina que consome, parte tem que ser importada. A estatal paga mais caro do que pode cobrar das distribuidoras, cerca de R$ 0,20 por litro no cálculo da consultoria GO Associados.

O setor sucroalcooleiro viveu um período de euforia quando pareceu a solução perfeita por motivos ambientais e econômicos. O Brasil produziria o combustível para as próprias necessidades e para exportar. A crise de 2008 pegou o setor no meio de investimentos para os quais havia se endividado no exterior. Com a crise, o preço do petróleo desabou e as fontes de financiamento para a energia limpa secaram A redução do preço do barril de óleo barateou também os derivados de petróleo, e cresceu a atração pelo combustível fóssil.

Esse é o pano de fundo internacional. O pior golpe, no entanto, foi a decisão do governo de subsidiar a gasolina, desequilibrando artificialmente a competição entre etanol e combustível fóssil.

Segundo dados da Unica, entidade que representa o setor, desde setembro de 2008, início da crise internacional, mais de 70 usinas fecharam as portas. Somente nos últimos dois anos, houve o corte de 60 mil postos de trabalho.

O governo, ao mesmo tempo que estimulou a venda de carros, reduziu impostos sobre a gasolina e controlou seus preços Em 2009, a Ode recolhia R$ 0,28 por litro do combustível. Em 2012, o imposto foi zerado e permanece assim até hoje. A gasolina passou a não acompanhar os preços internacionais — a diferença ainda é de 12% — e o etanol perdeu a preferência entre os motoristas daqui. Desperdiçou-se a vantagem de o Brasil ter uma frota de carros flex e estrutura de distribuição de etanol.

— O etanol tem rendimento 30% menor que a gasolina. Então ele precisa ter um preço inferior para ser competitivo. Por isso, o congelamento tem sido determinante — explicou a presidente da Unica, também economista, Elizabeth Farina.

Além disso, explicou Elizabeth, com a crise, canaviais envelheceram, por falta de renovação e investimentos, e ficaram mais sensíveis às chuvas fortes e às secas.

O setor alcooleiro se divide entre a produção de açúcar e a de etanol. A queda dos preços das commodities afetou também o açúcar. A rentabilidade caiu.

Há apenas um alívio: a crise energética tem sido boa para as usinas que produzem energia com o bagaço da cana, cerca de 40% do parque industrial. Elas conseguem vender a eletricidade excedente para a rede e se beneficiar do alto preço da luz. Mas os estragos da atual política são muito superiores a eventuais ganhos.


Os pontos-chave

1 - Várias são as vítimas da política de combustíveis. A maior delas é a indústria do etanol, com futuro opaco.
2 - Subsídio à gasolina desequilibrou a competição entre etanol e o combustível fóssil.
3 - Venda de gasolina sobe e do combustível limpo cai. País está desperdiçando vantagem estratégica.

Mìriam Leitão e Alvaro Gribel