BR, Ipiranga e Raízen criticam novo marco
12-07-2021

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Revisão do marco regulatório da revenda de combustíveis é mal recebida por líderes do mercado de distribuição e sindicatos de postos

A revisão do marco regulatório do mercado de combustíveis, em discussão na Agência Nacional de Petróleo (ANP), foi mal recebida pelas principais distribuidoras do país - BR, Ipiranga e Raízen - e pelos sindicatos ligados aos postos. A proposta apresentada pelo órgão regulador, porém, não encontrou consenso. Entre distribuidoras e revendedores, há quem tenha visto nas novas regras um risco de aumento da insegurança jurídica e das irregularidades. Quem apoia a medida vê a mudança, porém, como uma forma de diluir a concentração das líderes de mercado.

A ANP promoveu, ontem, audiência pública sobre a minuta de resolução com mudanças no atual marco. Dentre os principais pontos da proposta estão a regulação do serviço de “delivery” de combustíveis e a flexibilização da tutela regulatória de fidelidade à bandeira - regra pela qual um posto “bandeirado” só pode adquirir e vender combustível fornecido pelo distribuidor com o qual possui acordo para exibição da marca. A agência propõe um modelo híbrido que permita a instalação, nos postos, de até duas bombas não-exclusivas pelas quais o revendedor que exibe uma marca específica possa vender também produtos de outros fornecedores.

A superintendente-adjunta de distribuição e logística da ANP, Patrícia Baran, defendeu que o fim da exclusividade não é mandatório e que o que está em jogo, na discussão, é a necessidade de ingerência do regulador: “A ANP pode impor a exclusividade? Ou ela pode ser posta entre as partes, buscada e consolidada entre as partes por ser um contrato privado?”, questionou Patrícia.

O pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio, Edmar Almeida, vê com ressalvas a proposta. Ele se diz cético quanto ao impacto das novas regras sobre a queda dos preços. O economista defende que a agência deveria se concentrar, neste momento, na regulação do processo de abertura do refino e da infraestrutura de importação - este processo, sim, mais estrutural. “Além disso, temos uma indústria com muitos problemas de competição desleal. Temo que, ao introduzir esse tipo de flexibilização, a regulação acabe caminhando na direção contrária de uma competição mais leal”, afirmou ao Valor.

A flexibilização foi recebida sob fortes críticas do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP). A diretora de “dowstream” da entidade, Valéria Lima, também vê na iniciativa uma inversão na ordem de prioridades da ANP e classifica a revisão do marco proposta. “É uma discussão extemporânea”, afirma a executiva. Segundo ela, as regras atuais permitem ao posto não se submeter a um contrato de exclusividade com a distribuidora. Hoje, 47% do mercado é bandeira branca - postos que não têm contratos de uso de marca de um distribuidor.

Órgãos ligados à defesa do consumidor, como os Procons, manifestaram preocupação com a proposta da ANP. Para o presidente da Associação Brasileira de Procons, Felipe Vieira, bombas não-exclusivas podem confundir o cliente que eventualmente pare num posto de determinada marca e acabe abastecendo um produto de outro fornecedor, sem perceber. “O consumidor é reconhecidamente, por lei, a parte vulnerável e tem como direito básico a informação clara e precisa sobre o produto consumido”, afirmou, durante a audiência.

O gerente de relações institucionais da Raízen, Luciano Libório, defendeu a importância dos contratos de exclusividade: “Como distribuidora, quero a garantia de volume [de demanda] para fazer investimento em infraestrutura e capilaridade no abastecimento.”

Entre as distribuidoras menores, não há um consenso sobre a proposta. A Gran Petro saiu em defesa da flexibilização. O advogado Mauricio Ferraresi, representante da companhia, destacou que o modelo atual garante uma reserva de mercado às líderes do setor, por permitir que as distribuidoras vendam para a sua própria rede e também para toda a rede bandeira branca, mas não que os postos “bandeirados’ vendam produtos de outros fornecedores. “O consumidor está sendo enganado, quando entra no posto ‘bandeirado’ e acredita que está comprando um produto diferenciado. As bases de armazenamento de produtos pelo Brasil afora são compartilhadas [entre diferentes distribuidoras].”

A Associação Nacional dos Distribuidores de Combustíveis (Andic) fez coro ao defender que existe hoje um oligopólio no setor e que o número de distribuidoras caiu de 205 em 2014 para 137 em 2020. A Brasilcom, que representa em sua maior parte as distribuidoras regionais, por outro lado, assume uma posição contrária. “O problema básico do mercado está na tributação, na sonegação e no mercado irregular. Isso é o que deveria ser prioridade de todos os órgãos do governo”, afirmou o diretor institucional, Sergio Massillon.

O debate sobre a regulação do serviço “delivery” de combustíveis também dividiu opiniões. Leandro Canabrava, advogado da Fecombustíveis, que representa os postos, defende que a modalidade em si não é um problema, mas pode estimular irregularidades num mercado marcado por fraudes e sonegações. “Um negócio como esse, que deveria ser na franja [ou seja, ser marginal ao serviço dos postos], ganha uma atratividade que parece estar fortemente vinculada à evasão fiscal”, concluiu.

A ANP autorizou o Posto Vânia, no Rio de Janeiro, a fazer um projeto-piloto de serviços “delivery” de combustíveis, utilizando-se da tecnologia GoFit, fornecida pela Refit. Sob críticas quanto à segurança da prestação do serviço, o proprietário do Posto Vânia, Carlos Eduardo Cota, alegou que a iniciativa foi realizada com o aval das autoridades e que o serviço representa um avanço nesse sentido. “O abastecimento às marinas da Barra da Tijuca [no Rio], que era feito de forma insegura, com bombonas fora do padrão, agora é feito de maneira segura”, disse ao alegar que, em um ano, entre maio de 2020 e maio deste ano, o projeto-piloto, suspenso posteriormente pela Justiça, fez 5.471 atendimentos sem acidentes.

Fonte: Valor Econômico