Brasil pede cota para açúcar na China para evitar briga na OMC
13-03-2019

O Brasil pediu para a China abrir uma cota de importação de 3 milhões de toneladas de açúcar, com tarifa menor, para evitar uma demorada disputa diante dos juízes da Organização Mundial do Comércio (OMC), conforme apurou o Valor.

A proposta brasileira, apresentada há algumas semanas, continua sem resposta. Se o silêncio de Pequim persistir, restará a Brasília pedir formalmente um "painel" (comitê de investigação) na OMC contra uma salvaguarda imposta pela China, sob o argumento de proteger o produtor local, que praticamente impede a entrada do açúcar brasileiro em seu mercado.

A possibilidade de uma disputa com os chineses parece maior, já que o governo de Jair Bolsonaro já demonstrou ter pouca paciência em casos como esse. Basta ver a disputa aberta contra a Índia na OMC, também envolvendo açúcar.

Para especialistas, disputas contra a Índia e, provavelmente, contra a China, sócios no Brics, grupo dos grandes países emergentes, poderão ter uma dimensão parecida com os contenciosos abertos – e ganhos – pelo Brasil contra os EUA no caso do algodão e contra a União Europeia em outro caso envolvendo açúcar.

Pelo Acordo de Salvaguardas da OMC, um membro pode restringir as importações de um produto temporariamente, por meio de tarifas mais altas ou outras medidas, se a indústria doméstica estiver gravemente atingida ou fortemente ameaçada pelo aumento das importações.

Um surto de importações que justifique a adoção de salvaguarda pode ser um aumento real dos volumes comprados ou pode ser um aumento proporcional em relação à produção da indústria doméstica, mesmo que a quantidade importada não tenha efetivamente aumentado.

Em princípio, as medidas de salvaguarda se aplicam a todas as importações, e não apenas às de um determinado país. Países em desenvolvimento que representam menos de 3% das exportações podem ser excluídos da barreira. Em certas circunstâncias, um país exportador pode buscar compensação por perda de comércio por meio de consultas ou, se não houver acordo, pode elevar as tarifas sobre as exportações do país que aplica a salvaguarda.

 

Em maio de 2017, a China aplicou uma salvaguarda para proteger seus produtores de açúcar. Manteve em 15% a tarifa cobrada nas importações dentro da cota, que é de 1,95 milhão de toneladas por ano, mas para os volumes que superam esse limite a alíquota passou de 50% para 95% no primeiro ano. É de 90% atualmente e, em maio, recuará para 85%.

A medida chinesa atingiu quatro exportadores: Brasil, Austrália, Tailândia e Coreia do Sul. Os demais não foram afetados por terem menos de 3% de fatia de mercado.

Em julho de 2018, pressionado pelos grandes exportadores a rever a barreira, Pequim revisou sua salvaguarda e estendeu as alíquotas maiores também para as importações procedentes de países menores, no que chamou de "condições iguais" para todos os exportadores.

Mas o Brasil continuou pressionando a China, por ser o maior prejudicado e por considerar que a investigação de salvaguarda não respeita realmente as regras da OMC.

As exportações brasileiras para a China, que variavam de 2,5 milhões a 3 milhões de toneladas por ano antes da barreira, caíram para entre 200 mil a 300 mil toneladas.

Levantamento da União da Industria de Cana-de-Açúcar (Unica) mostra que, entre agosto de 2018 e janeiro de 2019, os embarques para a China ficaram 58% abaixo da média exportada nos últimos anos, uma perda significativa naquele que era o principal destino das exportações brasileiras de açúcar.

No ano passado, o inconformismo do Brasil em relação à salvaguarda chinesa levou Brasília a acionar o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC contra os chineses. Na primeira etapa, foram realizadas consultas bilaterais em busca de uma solução mutuamente satisfatória, como diz a OMC.

Para evitar que o contencioso chegue aos juízes, o Brasil propôs então que a China abra uma cota adicional de importação de 3 milhões de toneladas com alíquota de 50%, como era a tarifa extra-cota anterior à aplicação da salvaguarda.

Pelas regras da OMC, essa cota adicional valeria para todos os exportadores. Mas, na expectativa da Unica, ela poderia reproduzir o cenário anterior, fora da cota, o que daria uma grande vantagem às vendas brasileiras – como o país tinha antes da salvaguarda.

O Brasil representava mais de 50% das importações chinesas de açúcar, sendo a grande maioria desse volume fora da cota. Além da cota adicional, o Brasil pediu para a China esclarecer se pretendia ampliar a duração da salvaguarda, que inicialmente é de três anos, mas pode ser estendida, segundo as regras da OMC.

Os chineses ouviram, anotaram e até agora não responderam ao Brasil. "O prazo está se esgotando", diz Eduardo Leão de Souza, representante da Unica. Ele observa que o governo brasileiro tem tido boa vontade, mas que sem uma resposta de Pequim o jeito vai ser focar em uma disputa na OMC.

O setor privado ainda tem expectativa de uma nova rodada de conversas com a China, na qual os chineses acenem com alguma medida que atenue a situação para o Brasil.

Por Assis Moreira | De Genebra

Fonte : Valor