Cai um dos últimos senhores da cana – João Lyra é interditado parcialmente pelo TJ-AL
14-03-2018

O Grupo que já foi um dos principais do setor decretou falência em 2012 e, há anos, pai e filhos brigam na justiça

Luciana Paiva

Em agosto de 2002, a Usina Guaxuma, localizada em Coruripe, Alagoas, uma das cinco unidades da Laginha Agroindustrial – Grupo João Lyra – se tornava a primeira unidade sucroenergética do mundo a conquistar a certificação ambiental ISO 14001.

Na época, segui para Alagoas para conferir de perto as ações que levaram à certificação. Fui recebida por Francisco Celestino Palmeira, o Gestor Ambiental do Grupo e um dos principais responsáveis pelo feito. Chico Celestino estava muito feliz com a conquista da ISO 14001, mas estava mais contente ainda com as transformações que ele e sua equipe haviam promovido na Guaxumapara deixa-la em conformidade com os mais rigorosos padrões internacionais de preservação ambiental, comaplicação do modelo de gestão ambiental e desenvolvimento sustentado, que engloba, entre outros o reaproveitamento da água utilizada e a geração de energia elétrica com a utilização do bagaço da cana.

Unindo características do solo, relevo de tabuleiro e a alta tecnologia empregada na área agrícola, como irrigação, aunidade industrial Guaxuma, fundada no ano de 1974, apresentava um dos maiores índices de produtividade do estado. Produzia por safra 1,7 milhão de tonelada de cana e contava com 23 mil hectares, dos quais seis mil destinados à reserva de Mata Atlântica, uma das maiores da região. Era na Guaxuma que estava localizado o Santuário Ecológico do jacaré-do-papo-amarelo. Na área industrial também era um primor, figurando como a mais moderna da região Nordeste.
Mas não era apenas a Guaxuma que vivia o seu apogeu, mas sim oGrupo João Lyra, que nasceu em 9 de abril de 1951, na antiga companhia açucareira usina Laginha, na época um pequeno engenho situado no município de União dos Palmares, a 75 km de Maceió. O Grupo atuava em vários setores empresariais, tais como o de adubos e fertilizantes (JL comercial agroquímica), automobilístico (MAPEL), transporte aéreo (LUG táxi aéreo), comunicação (O JORNAL, e rádios Jornal AM e FM).

No segmento sucroenergético, o Grupo JL possuía cinco unidades industriais: Laginha, Uruba e Guaxuma, em Alagoas; Triálcool e Vale do Paranaíba, em Minas Gerais, essa última construída, na primeira década dos anos 2000, tendo como base um projeto arrojado, com tecnologia de ponta, contando até mesmo com uma refinaria de açúcar. O Grupo gerava 14 mil empregos direto, e suas unidades industriais respondiam por 20% das exportações brasileiras de álcool e 11% das exportações de açúcar do setor sucroalcooleiro do Nordeste.

Porém, uma série de fatos como a crise econômica do setor, iniciada em 2007, políticas governamentais equivocadas, alto investimento na expansão do Grupo na região Centro-Sul e gastos exacerbados na campanha de João Lyra para governador de Alagoas, em 2006, levou à derrocada do Grupo, que seu viu com uma dívida de R$ 2 bilhões, o que fez com que pedisserecuperação judicial em 2008.

Em 2010, para muitos ocorreu o golpe fatal ao caixa do Grupo. Uma das maiores enchentes de Alagoas destruiu totalmente a usina Laginha, construída às margens do rio Mundaú, que subiu 15 metros e chegou a atingir três metros de altura dentro das paredes da usina, arrancou o calçamento e provocou buracos de até quatro metros de profundidade. Cinco tanques de etanol, com capacidade para cinco mil metros cúbicos, desceram pela correnteza, máquinas e equipamentos foram, em sua maioria, destruídos. O calçamento foi arrancado, os barracões, armazéns, laboratórios e escritórios tudo arruinado.

Funcionários e a população de União de Palmares ficaram receosos com o fato de a Laginha, maior empregadora do município, deixar de moer. Na manhã seguinte à destruição, João Lyra sobrevoou a região de helicóptero. Ao descer, foi cercado por uma multidão, foi quando comunicou: “A Laginha não vai parar de moer, vamos reconstruí-la”.

A decisão do “Dr. João”, como era chamado, foi um alívio para uns, mas preocupação para outros, que questionaram se a decisão de reconstruir a Laginha era economicamente viável, afinal, o Grupo João Lyra estava em recuperação judicial e, vendo pelo lado financeiro, talvez a melhor saída seria transferir a cana para as outras duas unidades do grupo, ainda mais depois da catástrofe. Mas a Laginha renasceu e em tempo recorde.
Em 2012, foi decretada a falência do Grupo João Lyra, suas usinas pararam de moer, a Laginha e a Guaxuma foram invadidas por sem-terra, a Usina Urubafoi arrendada à uma cooperativa e está em funcionamento, e as duas unidades de Minas Gerais, foram vendidas em leilão no final de 2017.

No último dia 8 de março, “Dr. João” foi afastado pela justiça de suas funções “laborais”, a partir de interdição parcial, que o deixa fora do controle de seus bens etambém do acompanhamento do processo de falência da Laginha Agroindustrial SA.Além da interdição, os desembargadores nomearam a filha de JL, Maria de Lourdes Lyra, a Lourdinha Lyra, como curadora com poderes para fiscalizar a massa falida.De acordo com a decisão, Lourdinha passa a assumir as funções de seu pai, ou seja, administrar os bens do empresário, o patrimônio existente, além fiscalizar atos da administração da massa falida.A decisão foi tomada a partir de processo movida por ela e outros filhos do empresário desde meados de 2016.A família tem interesse em reverter o processo de falência em recuperação judicial, trabalhando para retomar a operação nas usinas do grupo em Alagoas.
Dessa forma, João Lyra, aos 86 anos, um dos últimos senhores da cana, parece ter saído de cena do setor sucroenergético.