Câmbio ainda é insuficiente para impulsionar produção de açúcar, dizem analistas
14-04-2015

Por Roberto Samora

O dólar acima de 3 reais, próximo a recentes picos de 12 anos, não será capaz de estimular um forte crescimento da produção de açúcar no Brasil este ano, com a maior parte das indústrias sucroalcooleiras, muitas delas em situação financeira delicada, sem conseguir acessar as custosas operações de travamento de preços e de câmbio nos mercados futuros.

A avaliação, feita por respeitados analistas ouvidos pela Reuters, vai na direção contrária à da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que apontou nesta segunda-feira um crescimento de mais de 5 por cento na produção de açúcar do centro-sul em 2015/16, citando o câmbio como estímulo para as exportações.

Um dólar valorizado se converte em mais reais no caixa dos produtores de açúcar do Brasil, líder global na produção e exportação do adoçante.

"O argumento de que o dólar favorece fixações de açúcar é correto, mas isso não se aplica a todos. Para a usina fazer isso, ela tem que ter um certo crédito junto a bancos e junto a tradings, para poder fazer. O risco é da trading e do banco, e nem todas as usinas estão em condições (financeiras) de fazer isso", disse o analista Júlio Borges, da Job Economia.

Segundo ele, o fato de a fixação de preços futuros ser restrita, implica em dizer que a produção de açúcar pode ter um crescimento menor do que o projetado pela agência estatal.

Em um exercício elaborado pela Job, a fixação do preço futuro do açúcar bruto em Nova York, nos contratos julho, outubro e março de 2016, e do câmbio, para os respectivos meses, resultaria em um preço de 44 centavos de real por libra-peso para a usina.

Numa operação de curto prazo, mais barata, com o primeiro contrato do açúcar em Nova York e do dólar na BM&FBovespa, a receita seria de 39,7 centavos por libra-peso.

"É como se a maioria ficasse assistindo a oportunidade (do ganho maior pela fixação) passar pela TV", disse ele, explicando que operar em mercados futuros de dólar e de açúcar exige chamadas de margens expressivas, que inviabilizam operações financeiras de uma parcela grande de um setor bastante endividado.

Muitas usinas têm sofrido nos últimos anos com uma baixa remuneração e com políticas públicas de preços de combustíveis que limitam repasses de custos ao etanol.

"Na nossa opinião, essa próxima safra, ela não teria um viés açucareiro não, e a favor dessa minha posição está a demanda de etanol hidratado, que vai aumentar muito, pelo efeito Minas Gerais (que reduziu a tributação), e também pela mistura do anidro (na gasolina, que aumentou de 25 para 27 por cento em 2015)", acrescentou o analista da Job, que ainda não publicou suas estimativas de produção de açúcar e etanol para 15/16.

FORÇA DO ETANOL

A demanda adicional por etanol na safra do centro-sul, que começou oficialmente em 1º de abril, torna mais difícil que a produção de açúcar cresça mais do que a de etanol, comentou o analista Fábio Meneghin, da Agroconsult.

Ainda que o câmbio melhore os preços do açúcar em real, o dólar ainda não é suficiente para elevar as cotações ao ponto de gerar um aumento substancial da produção do adoçante, disse ele.

"Mesmo com o câmbio desvalorizado, as margens do açúcar na média não chegam a superar as do etanol. Para o mix desviar mais para o açúcar, ou seja, para o açúcar comprar mais cana, é preciso ter uma diferença mais significativa", disse Meneghin, ressaltando ainda o fato de o etanol apresentar mais liquidez na comercialização do que o açúcar, o que pesa na decisão do produtor.

Se a diferença das margens é apenas um pouco favorável ao açúcar, as usinas preferem continuar produzindo etanol, disse Meneghin, lembrando uma situação que ocorreu nas últimas duas safras.

De acordo com o analista da Agroconsult, a safra 15/16 seguirá sendo de "margens apertadas", similares às da temporada passada, por causa do preço baixo do adoçante no mercado internacional, que atingiu mínimas de mais de seis anos recentemente.

As margens previstas pela consultoria para este ano, de 8,5 a 9 reais por tonelada de cana, não são suficientes para alguns grupos, nem para pagar os juros da dívida.

A saúde financeira do setor também interfere na decisão das usinas sobre o mix de produção, uma vez que as usinas estão usando o produto com mais liquidez (etanol) para fazer caixa, disse Meneghin.

A Agroconsult estima um crescimento de mais 9 por cento da produção de etanol do centro-sul em 15/16, para 28,7 bilhões de litros --enquanto a Conab vê aumento de somente 1,4 por cento--, e uma produção de açúcar de 33,5 milhões de toneladas, alta de 2,45 por cento no ano.