Depreciação x exaustão do canavial
07-02-2019

 

Recentemente a EMBRAPA pronunciou-se acerca da caracterização da natureza da cana-de-açúcar como cultura agrícola, por meio de uma análise técnico-agronômica.

Pode parecer estranho, mas a questão toca indiretamente outra questão de natureza tributária.

Em janeiro de 2018, a União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (UNICA) consultou o Ministério da Agricultura e Pecuária sobre o alcance do tratamento da possibilidade de depreciação integral de canavial no próprio ano de aquisição, em decorrência do disposto no artigo 6º, da MP 2.159-70/2001 e artigo 314 do RIR/1999 (atual artigo 935 do RIR/2018).

Isto porque existe discussão a respeito do tratamento fiscal a ser dado em relação à depreciação do canavial, se integralmente no ano de aquisição ou se ao longo do tempo.

Na ocasião do protocolo da consulta no MAPA, nosso antecessor teve o cuidado de demonstrar ao MAPA, de modo preciso e direto, que a intepretação da questão passaria pelo exame da natureza da cultura de cana-de-açúcar como cultura temporária ou perene. A consideração técnica descrita na consulta foi bastante contundente:

“Com efeito, há aqueles que entendem que a cana-de-açúcar não estaria submetida ao regime da depreciação, mas, sim, ao da exaustão. Estariam submetidas ao regime de depreciação apenas culturas vegetais envolvendo frutos que, retirados da árvore, voltariam a surgir futuramente (na safra seguinte), depreciando-se a cada ano em função da redução de produtividade decorrente do transcurso do tempo. A cana-de-açúcar, por não ter frutos, tendo seu caule cortado a cada safra, para voltar a crescer e ser cortado novamente na safra seguinte, estaria submetida ao regime de exaustão, pois supostamente teria se exaurido no final de 5 ou 6 safras. Por consequência, a ela não seria aplicável o regime legal antes referido.”

Vale dizer que o CARF tem se manifestado contra a tese dos contribuintes, ou seja, de que não é possível a depreciação integral do canavial no momento da aquisição, mas sim, a apropriação dos valores ao longo do tempo, por se tratar de cultura sujeita à exaustão. Tome-se como exemplo aleatório o Acórdão 9101-003.017 proferido no Processo 10120.723532/2013-39:

“Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ Ano-calendário: 2008, 2010 DISPÊNDIOS NA FORMAÇÃO DA LAVOURA CANAVIEIRA. EXAUSTÃO. Os recursos aplicados na formação da lavoura canavieira, integrados ao ativo imobilizado, estão sujeitos à exaustão e não à depreciação. Portanto, não se beneficiam do incentivo da depreciação rural acelerada, razão pela qual não podem ser apropriados integralmente como encargos do período correspondente a sua aquisição.”

Ocorre que a interpretação da questão passa em saber se a cana-de-açúcar é cultura perene ou não: vale dizer, se para a continuidade dos ganhos econômicos ao longo dos anos se faz necessária ou não a reforma do canavial; ou se após certo número de cortes, haverá sua exaustão.

A EMBRAPA respondeu a questão de modo direto, nos autos de processo administrativo SEI MAPA 21000.001386/2018-84 (Memorando 7/2018CPACT/CHGE), no qual arma categoricamente que a cana-de-açúcar é cultura perene, portanto deve ser objeto da depreciação integral no momento da aquisição.

O trabalho de lavra da EMBRAPA conclui que:

“(…) a cana-de-açúcar perde produtividade ao longo do tempo devido a condução de manejo e condições ambientais durante os ciclos de cultivo, os quais tem um tempo variável conforme ambientes e variedades utilizadas.
Em outros termos, pode-se considerar que cada colheita de cana-de-açúcar se equivale a uma colheita de frutos, e que a perda de produtividade do canavial e consequente de valor econômico ao longo dos ciclos, se dá por depreciação e não exaustão.”

Em razão desta conclusão técnica, sugere-se que os operadores do Direito passem a questionar as conclusões dos agentes fiscais sobre a matéria, a fim de que seu conteúdo seja considerado para todos os devidos fins de direito.
Importante salientar que as conclusões da EMBRAPA deverão ser interpretadas de acordo com o artigo 110 do CTN, inclusive para fins do artigo 100, parágrafo único e incisos do mesmo Código.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

Artigo publicado originalmente no site JOTA, no dia 5 de fevereiro de 2019.

 

LÉO MEIRELLES DO AMARAL -ASSESSOR JURÍDICO DA UNICA