Dinheiro de João Lyra em paraíso fiscal pode pagar dívida da Laginha
06-04-2016

Dados da Panama Papers indicam que ‘falência’ de usinas não atingiu offshore.

O resultado da investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) sobre dados da empresa de consultoria panamenha Mossack Fonseca trouxe o nome do ex-deputado federal e usineiro João Lyra como um dos políticos brasileiros que utilizavam paraísos fiscais para movimentar recursos.

De acordo com o que já chamam de ‘maior furo jornalístico da história’, na mesma época em que pediu à Justiça a recuperação judicial da Laginha Agro Industrial S/A, o usineiro foi nomeado procurador da Refill Trading Corp, companhia offshore aberta em janeiro de 2009 e que continuava ativa em março de 2015. Tal fato pode ajudar autoridades a apurar se houve evasão de divisas da falida Laginha para os paraísos fiscais da Suíça e do Panamá.

Talvez com o objetivo de manter seu histórico distanciamento da tributação de sua fortuna, João Lyra utilizou a companhia criada no Panamá para também abrir uma conta no banco suíço privado Pictet, onde o usineiro é único signatário autorizado, de acordo com o levantamento do consórcio de jornalistas.

O levantamento do ICIJ, denominado Panama Papers, não cita valores que podem ter sido movimentados por João Lyra nos paraísos fiscais. Mas tais novidades dão às autoridades locais em Alagoas e no Brasil, principalmente as que têm o papel institucional de preservar a massa falida da Laginha, um ponto de partida que pode ser capaz de explicar e corrigir os gravíssimos problemas causados ao patrimônio do Grupo João Lyra, aos seus fornecedores e a funcionários e ex-funcionários.

Integrante do Ministério Público Estadual (MP) consultado pelo Blog do Davi Soares afirmou que as dificuldades de quitação do montante aproximado de R$ 2 bilhões da dívida da Laginha podem levar o MP e o Poder Judiciário a lançar mão do instituto jurídico da despersonalização, e migrar parte da responsabilidade pela falência da pessoa jurídica à pessoa física de João Lyra, em busca de recursos provenientes das cinco usinas produtoras de açúcar e álcool – três em Alagoas e duas e Minas Gerais.

“Já que o objetivo principal do processo de falência é buscar dinheiro para saldar os prejuízos dos credores da Massa Falida da Laginha, há a possibilidade de utilizar os convênios existentes entre Ministério Público do Brasil e autoridades suíças para saber a dimensão desse depósito de dinheiro que o empresário João Lyra manteve na Suíça. É uma possibilidade que deve ser buscada”, avaliou o integrante do MP, que preferiu não se identificar, por não atuar diretamente no caso.

Tributação e falência

Ex-magnata local da agroindústria da cana-de-açúcar, João Lyra fez parte de um setor historicamente ligado a escandalosas renúncias fiscais e acordos políticos para pagar o mínimo em impostos. Inclusive, foi acusado e nega ter sido um dos mandantes do assassinato, em outubro de 1996, do então coordenador de arrecadação tributária de Alagoas, Sílvio Vianna, alvo de uma cruel trama que exterminou sua iniciativa de cobrar dos usineiros o pagamento do ICMS que havia sido perdoado pelo senador e ex-presidente Fernando Collor (PTC), quando este era governador de Alagoas.

O termo offshore qualifica a empresa e/ou conta bancária abertas em paraísos fiscais, fora do país em que seus proprietários exercem atividade empresarial e, consequentemente, longe do alcance da legislação e da tributação vigente na origem dos recursos financeiros. Obviamente, o intuito é pagar menos impostos do que no país de origem dos seus proprietários. O que pode ou não resultar em flagrantes de ilegalidade.

Dizem que o empresário octagenário que ergueu e pôs em falência seu império agroindustrial estaria atolado em dívidas. Sobre suas empresas, é fato. Porém, a existência da offshore panamenha e de sua conta na Suíça sugere que a pindaíba não tenha atingido João Lyra em seu paraíso fiscal.

Ter dinheiro no exterior não é absolutamente ilegal. E abrir uma empresa fora do Brasil para pagar menos impostos também não é crime, desde que se declare o fato às autoridades fiscais. Porém, um aspecto dessa relação que pode ser um agravante para a situação jurídica do usineiro é o fato de João Lyra não ter declarado o controle da Refill Trading ou a conta no banco suíço em sua declaração de bens de 2010 ou 2014, entregues à Justiça Eleitoral no registro de suas candidaturas à reeleição para a Câmara dos Deputados, cuja última tentativa resultou em renúncia em plena campanha.

De acordo com o ICIJ, “João Lyra não respondeu às várias solicitações para comentar o caso”.