"Estresse" eleva produtividade de muda de cana, diz pesquisa
22-12-2021

Há produtores que cuidam da muda de cana em viveiros climatizados e controlados, como se fosse um bonsai, mas talvez eles estejam fazendo a coisa errada. Testes realizados por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com mudas pré-brotadas (MPB) estão indicando que talvez seja melhor submeter as mudas a alguns episódios de estresse hídrico para "ensinar" as plantas a lidar com o problema - o que é cada vez mais frequente fora dos laboratórios.

O coordenador da pesquisa, Rafael Vasconcelos Ribeiro, agrônomo especialista em fisiologia vegetal e professor do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp, conta que, após submeter mudas pré-brotadas a três períodos de dez dias cada sem água, as plantas tiveram uma resposta mais eficiente aos períodos de seca, como um desenvolvimento maior das raízes.

A pesquisa teve financiamento do Programa de Pesquisa em Bioenergia da FAPESP (BIOEN) e apoio do Instituto Max Planck (Alemanha). Foram testadas diversas variedades de cana desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC), em Campinas.

De acordo com o pesquisador, a reação da planta ao segundo período de escassez hídrica já foi diferente do registrado no primeiro, e no terceiro, o desempenho da muda foi ainda melhor. "É como se estivéssemos treinando a planta a reagir melhor à situação de escassez", afirma.

A pesquisa coordenada por Rafael Ribeiro indica que a muda da cana pode ter uma capacidade de "memorizar" o episódio de estresse. Embora reconheça que submeter uma muda a condições adversas vá contra todos os mandamentos da agronomia, o pesquisador defende que "qualquer organismo vivo tem habilidade de memorizar elementos", e que mudar a abordagem pode dar bons frutos.

Por enquanto, os testes ocorreram apenas em laboratório, com todas as demais variáveis controladas. Agora, os testes serão feitos na realidade, com desenvolvimento das mudas em lavouras do IAC em Campinas, para que as plantas também reajam de acordo com outros fatores, como temperatura.

A pesquisa também aponta para outra descoberta. Nos testes, as mudas de canade-açúcar que eram "filhas" de outras plantas de cana herdaram das "mães" a memória de eventos de estresse hídrico. "Essa planta filha tem mais folha e mais raiz do que a planta que vem de uma mãe que não passou por falta de água. Quando produzimos uma planta mais tolerante, a memória é incorporada pela mãe, e a mensagem fica na geração seguinte", explica Ribeiro.

No sistema de mudas pré-brotadas, pedaços da cana mãe são cortados para servirem de base para o desenvolvimento das mudas. Em geral, os produtores que adotam a técnica da MPB a associam à técnica da meiosi, que consiste no plantio de uma linha principal com mudas, até que se chega a um ponto do desenvolvimento em que a planta é cortada e deitada nas linhas paralelas, onde seus toletes passam a gerar novas plantas.

Se os testes em campo reforçarem as descobertas de laboratório, a pesquisa pode ajudar a reduzir os custos de produção e aumentar o rendimento agroindustrial da cana. Hoje, o cultivo das mudas pré-brotadas ocorre em estufas com irrigação constante, o que exige gastos com água e energia.

Atualmente, os produtores podem minimizar o impacto das estiagens sobre a produtividade dos canaviais com opções como a adoção de variedades que passaram por melhoramento genético para serem mais resistentes à seca, com investimentos em irrigação e outras técnicas de manejo. Porém, Ribeiro ressalta que a pesquisa indica que os produtores de regiões onde o regime de chuvas é mais elevado podem recorrer a variedades usadas em regiões onde chove menos, já que elas teriam a "memória" da seca.

Fonte: Valor Econômico
Texto extraído do boletim SCA