Estudantes do interior do Ceará criam canudo ecológico com cana-de-açúcar
08-06-2020

Canudos foram desenvolvidos por grupo de estudantes do ensino fundamental. — Foto: Vinícios de Morais Tavares/Divulgação
Canudos foram desenvolvidos por grupo de estudantes do ensino fundamental. — Foto: Vinícios de Morais Tavares/Divulgação

O material leva de 3 a 5 meses para se decompor e não agride o meio ambiente.

Por Rodrigo Rodrigues, G1 CE

Pensando em reduzir os impactos ambientais causados pelo plástico, alunos da rede pública de Carnaubal, no interior do Ceará, desenvolveram um canudo ecológico e sustentável a partir da cana-de-açúcar. A principal vantagem em relação ao material de plástico é ter um menor tempo de decomposição na natureza. Enquanto o tradicional pode passar centenas de anos para se decompor, o biodegradável leva de 3 a 5 meses.

Gilvânia Medeiros, professora de Biologia e gestora da Escola de Ensino Fundamental Cosme Rodrigues de Sousa, foi a responsável por orientar o projeto. “Quisemos dar uma solução viável, simples e sustentável. Pensamos em várias alternativas usando plantas da região e encontramos a cana-de-açúcar”, conta. Após isso, os alunos Antônio Robson do Carmo, Rafael França e Kaic Gomes, hoje no 9º ano, ‘botaram a mão na massa’.

O projeto foi desenvolvido durante a maior parte do ano de 2019. Em dezembro, a equipe ficou em 1º lugar na categoria Pesquisa Júnior do Ceará Científico, ação de fomento à pesquisa nas escolas da rede pública cearense.

“Quando nosso canudo se decompõe, já fica no solo para adubar”, resume Robson, um dos alunos.

A principal vantagem dos canudos é ter um menor tempo de decomposição na natureza

Foto: Vinícios de Morais Tavares/Divulgação

"Além de estarmos ajudando o meio ambiente, estávamos nos divertindo, influenciando as pessoas e reaproveitando materiais”, acrescenta Kaic.

Os canudos são feitos com as flores da cana, conhecidas popularmente como 'pendão', que tem em média 1,20 metro. O material é cortado em pedaços de 20 cm e colocado ao sol por até 15 dias. “Essa parte da cana, que é coletada durante o corte para venda, era descartada. Agora, ganhou uma grande utilidade”, explica Medeiros. Os outros produtos utilizados são de fácil acesso: algo para cortar, régua e luvas.

O material foi coletado com a colaboração de dois agricultores da região. O projeto também abordou entrevistas com os produtores

Foto: Vinícios de Morais Tavares/Divulgação

Canudos plásticos

No último dia 31 de maio, entrou em vigor em Fortaleza a lei municipal que proíbe a venda e o fornecimento de canudos plásticos. A lei foi sancionada em dezembro de 2019 e estabeleceu um prazo de seis meses para adaptação de comerciantes e consumidores à nova medida. Um Projeto de Lei (PL) que tramita na Assembleia Legislativa (AL) pretende estender a proibição a todo o estado.

Essa urgência por iniciativas que gerem alternativas foram um incentivo a mais para produção dos canudos em Carnaubal. “Aqui na cidade, sugerimos a algumas lanchonetes, que apoiaram e disseram que utilizariam o canudo feito da cana”, conta a professora que orientou o projeto. Porém, ela reconhece que não possuem equipamentos e recursos financeiros para patentear a ideia e produzir em larga escala.

"Buscamos, além de divulgar esta excelente ideia, que melhora a nossa vida e a do nosso planeta, torná-la nossa”, finaliza.

Impacto ambiental

Uma estimativa do Instituto Akatu mostra que se o total de canudos de plástico consumidos no Brasil em um ano fossem empilhados daria para construir um muro de 2,10 metros de altura e 45 mil quilômetros de extensão, o suficiente para dar uma volta completa na Terra. Segundo a Organização das Nações Unida (ONU), 13 milhões de toneladas de plástico são despejadas nos oceanos a cada ano.

Deste total, cerca de 4% são canudos. “Uma vez descartado incorretamente, o plástico chega aos ecossistemas marinhos e terrestres, causando danos aos animais e modificando características naturais. Morrem mais de 100 mil animais marinhos por ano por conta disso”, ressalta o engenheiro ambiental Marcos Vinicius.

O especialista acredita, ainda, que os impactos causados pela produção de plástico começa "desde o momento da produção". Os compostos polipropileno e poliestireno, que compõem a maioria dos descartáveis, "são derivados do petróleo, uma fonte não renovável". No ambiente urbano, os canudos podem, também, acumular-se junto a outros resíduos em galerias de esgotamento sanitário, "causando entupimentos e inundações".

Por isso, projetos como o de Carnaubal “são fundamentais” para gerar o processo de conscientização na população e empreendedores, acredita. "O mais interessante é que se buscaram materiais de maior abundância na região, pois cada localidade tem uma realidade diferente da outra e a sustentabilidade deve ser adaptável a cada realidade. Não existe uma fórmula universal".

Ele acredita que esta também é uma possibilidade de tornar o produto mais barato, o que ainda não é observado. "Quando aparecem alternativas sustentáveis, os valores de aquisição são maiores, como no caso dos canudos 'ecológicos' e as sacolas biodegradáveis, que muitas vezes temos que comprar nos supermercados", pontua.

Projeto de lei

O Projeto de Lei que pretende proibir a comercialização de canudos de plástico no Ceará tramita na AL desde 2019. Autores do PL, os deputados Marcos Sobreira (PDT) e Renato Roseno (Psol) acreditam que estender as medidas para todo o estado é necessário.

"São urgentes as propostas que buscam auxiliar na mudança de hábitos que prejudicam o meio ambiente. Atualmente, no mercado há opções ambientalmente corretas que podem perfeitamente substituir esse plástico nos canudos", afirma Roseno.

"Somos favoráveis que a legislação, são só no Ceará mas em todo o Brasil, proíba o canudo plástico. Porém, mais importante do que a própria lei é a sua eficácia. É preciso uma nova mentalidade de consumo. Estamos tentando fazer isso com o Selo Empresa Sustentável, que premia empresas com boas práticas de desenvolvimento sustentável. É uma boa alternativa”, dialoga o secretário do Meio Ambiente do Ceará, Arthur Bruno.

Segundo a assessoria do deputado Renato Roseno, o PL já foi apreciado nas comissões e aprovado, mas duas emendas aguardam votação na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia. Quando votadas, o texto irá a Plenário e, se aprovado, os estabelecimentos comerciais terão um ano para se adaptar à medida, e o descumprimento sujeitará a aplicação de multas.

Os alunos Antônio Robson do Carmo, Rafael França e Kaic Gomes foram os responsáveis pelo projeto

Foto: Vinícios de Morais Tavares/Divulgação

Materiais utilizados no canudo feito em Carnaubal:

  1. Cana-de-açúcar in natura;
  2. Flor completa da cana-de-açúcar;
  3. Objeto cortante/lâmina;
  4. Régua;
  5. Luvas; e
  6. Roupa adequada para coleta.

Como o canudo é feito:

  1. Fazer a coleta das flores da cana-de-açúcar no ponto adequado, ou seja, maduras;
  2. Averiguar a qualidade do material coletado;
  3. Cortar os pedaços, medindo com a régua em tamanhos iguais;
  4. Colocar os canudos cortados ao sol pelo período de 10 a 15 dias para desidratá-los;
  5. Fazer a limpeza dos canudos para, em seguida, empacotá-los para uso.