Etanol de arroz poderá mudar o cenário do biocombustível no RS
23-04-2014

Praticamente 100% do etanol consumido no Rio Grande do Sul é fornecido por outros estados. Isso ocorre porque as condições edafoclimáticas da região não são propícias para o bom desenvolvimento da cana-de-açúcar. Mas um projeto envolvendo a instalação de pequenas biorrefinarias e tendo como matéria-prima o arroz, pode ser uma das saídas para tornar o estado gaúcho um produtor de etanol, levando-o à autossuficiente ou quase.

A região Sul responde por cerca de 80% da produção brasileira de arroz, sendo o estado gaúcho, o maior produtor nacional, com mais de 65% do grão colhido, onde a produtividade média do arroz irrigado gira em 7.500 kg por hectare, bem acima da média brasileira, que é de 4.500 kg.

E foi essa tradição no cultivo de arroz que motivou empresas e instituições públicas e privadas de pesquisa, além de universidades, a buscarem estratégias para tentar sanar o déficit estadual do biocombustível através de pesquisas com pequenas biorrefinarias utilizando, como matéria-prima, o arroz, o qual possibilita a produção de etanol carburante (anidro e/ou hidratado), além de compostos utilizados por indústrias de bebidas, alimentos, medicamentos, cosméticos, entre outros.

As pesquisas envolvendo as Usinas Sociais Inteligentes, USI, iniciaram em 2007, com o objetivo de superar paradigmas como a qualidade do etanol produzido por usinas de pequena escala (até 20.000 litros/dia) no padrão da Agência Nacional do Petróleo; a facilidade operacional da usina em nível de propriedade rural; a viabilidade econômica dessas usinas e a eficiência no processo fermentativo e energético.

“Essas metas foram alcançadas em 2011, quando a USI Biorrefinarias lançou, no mercado nacional a primeira usina de etanol em pequena escala utilizando amido de grãos, cadastrada na ANP. Isto foi possível devido ao apoio de vários parceiros do projeto, inclusive a cooperativa norte-americana CHS”, explica Francisco Mallmann, engenheiro agrônomo e diretor-presidente da empresa.

Variedade de arroz destinada à produção de etanol

A base para a produção do etanol no Rio Grande do Sul é o amido de arroz DCH (Desclassificado para Consumo Humano). Assim, a Embrapa Clima Temperado desenvolver uma cultivar com características próprias para produção de etanol e alimentação animal, chamada de ‘arroz gigante’, que tem o dobro de tamanho da cultura tradicional, elevado teor de amido e alto potencial produtivo.

Batizado de AB11047, o arroz gigante originou-se de um cruzamento realizado na safra de 1994/95 na Estação Experimental Terras Baixas, uma linhagem resultante da cruza que envolveu genes do genótipo introduzido SLG1 (superlargegrain), cujas dimensões do grão são maiores que do arroz convencional. “As plantas da linhagem ‘gigante’ possuem ciclo biológico de cerca de 126 dias, da emergência à maturação; grãos grandes com alto conteúdo de amido, sem arista e alta capacidade produtiva”, explica Ariano de Magalhães Júnior, pesquisador na área de Melhoramento Genético de Arroz da Embrapa Clima Temperado. “Esta cultivar tem 52g de peso médio de mil sementes, enquanto que a maioria das cultivares de arroz irrigado apresenta peso médio de 25g”, destaca.

A variedade AB11047 tem altura média de 110 cm e a espessura do colmo de 5,5 mm, o que lhe confere resistência ao acamamento, apesar da elevada estatura de plantas, as folhas são pilosas, sendo a folha bandeira classificada como decumbente, sendo uma cultivar moderadamente resistente às principais doenças do arroz.

“Esta linhagem apresenta resistência ao degrane. Portanto, não se enquadra com risco de tornar-se uma planta infestante da lavoura orizícola. Aliado a isso, as sementes perdem o poder germinativo e vigor com grande facilidade, contribuindo para diminuir seu potencial de infestação, não podendo ser comparado à principal planta daninha da lavoura: o arroz vermelho”, observa.

Segundo a Embrapa Clima Temperado, devido à redução do consumo interno, o arroz produzido no estado, somado ao restante da produção nacional e ao que é anualmente importado do Mercosul e de outros países, há um excedente de aproximadamente dois milhões de toneladas/ano. “Isto, aliado ao crescente aumento de padrão tecnológico da lavoura, que permitirá aumentar a produtividade média das atuais 7,5 toneladas por hectare para mais de 8,5, deverá resultar, em curto espaço de tempo, no incremento significativo da disponibilidade anual deste grão no Brasil”, enfatiza Magalhães. Desta forma, segundo ele, será possível incorporar este arroz ‘flex’ para produzir energia sem diminuir a área do arroz voltado ao consumo humano, pois há muita área disponível.

“O objetivo, é atingir apenas 10% da área de cultivo anual, retirando o excedente de produção do grão para consumo humano, sem afetar a oferta do alimento”, aponta.
A produtividade da linhagem AB11047 apresenta potencial acima das cultivares tradicionais, podendo, se bem manejada, ultrapassar 12 toneladas por hectare, com os mesmos custos de produção que o arroz irrigado convencional, sendo que a expectativa é de que uma tonelada de arroz produza 420 litros de álcool, ou 4,2 mil litros por hectare, tendo por base uma produtividade de 10 toneladas

Quanto aos custos de produção do etanol de arroz comparado ao de cana-de-açúcar, o diferencial é que o arroz apresenta melhor matriz energética para a metade sul do estado gaúcho, pois é mais eficiente em produtividade. Fatores que, aliados, podem tornar o Rio Grande do Sul autossuficiente na produção de etanol. “Hoje, 98% do etanol consumido no estado vem de fora, a um gasto superior a R$ 1 bilhão por ano, valor este que poderia ser aplicado em outros setores, como educação, saúde, etc. Apenas com a utilização de cerca de 1,5 a 2 milhões de toneladas do excedente da produção nacional, seria possível suprir cerca de 50% da demanda gaúcha de etanol”, afirma Magalhães.

O projeto da USI Biorrefinarias visa a construção de 15 usinas em solo gaúcho até 2017, com produção de 20 mil litros/dia cada, um investimento que deverá chegar a R$ 150 milhões, o qual utilizará somente 2,8% das terras gaúchas destinadas à lavoura de arroz e deverá gerar 525 postos de trabalho diretos e aproximadamente 1.500 indiretos.

“Dos 1.078.833 hectares semeados no estado, apenas 30 mil hectares serão convertidos para o cultivo de variedades de arroz DCH. Assim, da demanda de 900 mil m³ por etanol no Rio Grande do Sul, aproximadamente 12% (110 mil m³) poderá ser suprida pelas 15 usinas da USI”, observa Mallmann, comentando que, além do biocombustível, as usinas vão produzir e comercializar CO2, vinhaça (para utilização na alimentação animal), farelo e casca de arroz. “Todos esses produtos têm mercado e fazem parte da composição dos resultados do empreendimento”, destaca.

Financiamento e parcerias

A construção das usinas conta com linhas de financiamento do BNDES e benefícios fiscais oferecidos pelo governo gaúcho para serem utilizados na amortização do CAPEX, que consiste em um desconto de 75% do ICMS devido nos primeiros quatro anos e de 50% nos quatro anos subsequentes.

Segundo Mallmann, para concretizar o projeto, a USI formatou um modelo de negócio diferenciado, onde cada usina pode ser constituída por investidores e/ou produtores de arroz, tendo como sócio majoritário, a USI, por ser detentora da tecnologia. “Para ficar ainda melhor este arranjo, fechamos uma parceria com a cooperativa norte-americana CHS Inc, uma das maiores tradings do mundo, para comercialização de todo o etanol produzido pelas usinas da USI, através de contrato pelos próximos 10 anos”, ressalta. Isto, segundo ele, resulta em um arranjo sólido, através da parceria com os produtores da matéria-prima (arroz DCH) conjugada com a garantia de comercialização do etanol. “O produto sai da usina com destino certo. Assim, não precisaremos ir ao mercado para oferecer o etanol”, afirma o diretor-presidente USI Biorefinarias.

Para o direto-presidente da USI, além da construção de usinas e o desenvolvimento da tecnologia, o projeto busca a formatação de arranjos comerciais sustentáveis a médio e longo prazo. “Acreditamos que no Brasil o etanol de grãos, diferentemente dos Estados Unidos, onde não existe a produção de cana-de-açúcar, somente se tornará um bom negócio em determinadas oportunidades de mercado”, diz Mallmann.

Como exemplo, o dirigente aborda duas situações em que este segmento se torna igual ou mais rentável do que o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar: utilizando o arroz, no cenário gaúcho, e o milho, no Mato Grosso, o qual tem baixa valorização comercial em função da logística. “Adotando o mesmo arranjo implantado no Sul, será possível transformar o milho em etanol (carburante e fins industriais) para comercialização localmente e nos estados do Norte, onde a produção de etanol de cana-de-açúcar está proibida por Leis que visam a sustentabilidade ambiental daquela região”, aponta.

De acordo com a Embrapa, o arroz gigante tem duplo propósito, servindo como matéria-prima para produção de etanol e também para alimentação animal.

Magalhães destaca que as culturas de milho e sorgo, que naturalmente são as opções para alimentação animal, apresentam, há mais de uma década, um declínio, tanto em área quanto em produção na metade sul do Rio Grande do Sul. “As razões apontadas são: o clima, característico de restrição hídrica em parte do território; as dificuldades de cultivo em terras baixas (solos hidromórficos, mal drenados - ideais para o cultivo do arroz irrigado, mas, desafiadores para demais culturas) e a ocorrência severa de pragas, além da migração para a soja, devido ao seu melhor preço”, justifica, acrescentando que há longo tempo tem se observado uma carência muito evidente por produtos para a alimentação animal na Metade Sul do estado.