Expectativa versus realidade
20-09-2018

A Expectativa

Representantes do setor sucroenergético brasileiro defendem que o Brasil conteste, junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), subsídios dados pela Índia aos produtores locais. Acreditam que o fomento dado pelo governo indiano distorceu e ajudou a derrubar os preços globais do açúcar para os menores níveis em uma década. Mas, paralelamente, discutem alternativas. No começo deste mês, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) despachou a assessora para assuntos internacionais Geraldine Kutas para Nova Délhi com a missão de defender a produção de etanol como alternativa ao açúcar naquele país.

Durante a 9ª Kingsman Asia Sugar Conference, na capital indiana, argumentos pró-etanol não faltaram para Geraldine. Em um painel ao lado do ex-presidente da Unica e atual CEO da Aliança Agro-Brasil, Marcos Jank, a assessora lembrou que somos o maior exemplo mundial de sucesso da produção de etanol como combustível. A mensagem foi que o aumento da produção do álcool proporcionaria renda extra a produtores e daria competitividade ao setor localmente. Ela reforçou que a oferta de cana daquele país é quase exclusiva para a produção do açúcar. Isso traz volatilidade ao mercado e os subsídios à exportação em anos de excedente da commodity, como em 2018, "violam as regras da OMC", "prejudicam exportadores como o Brasil" e "são insustentáveis e caros para a economia local".

Além disso, a Índia aumentou em quase 5% suas emissões de poluentes no ano passado, poderia reduzir a dependência de combustíveis fósseis e iniciar uma limpeza em sua matriz energética com o etanol. "Tal diversificação ajudaria a inibir a subvenção indiana dada às exportações de açúcar, prática distorciva de comércio que tem contribuindo fortemente para derrubar os preços no mercado internacional em aproximadamente 40% em 2018", informou a Unica.


A Realidade

Representantes do governo brasileiro acompanharam de perto a conferência na Índia, bem como reuniões entre brasileiros e membros das indústrias locais. Relataram o otimismo e os esforços do governo indiano para aumentar a produção de etanol e o interesse em subsídios para o fomento à produção do biocombustível que superariam os US$ 600 milhões. As conversas foram boas, mas os emissários do governo do Brasil foram enfáticos: o avanço do etanol na Índia é difícil no curto prazo.

A capacidade produtiva da indústria local está praticamente saturada, investimentos em ampliação demorariam ao menos dois anos para gerarem oferta e, assim como no Brasil, o setor enfrenta uma grave crise com a queda nos preços do açúcar. A dívida acumulada supera US$ 3 bilhões e muitas usinas se recusam a investir para produzir o biocombustível, mesmo com fomento público ao crédito.

A indústria reclama que o preço do pouco etanol produzido na Índia não é remunerador. A demanda é por uma política com metas previsíveis para investimentos na produção e uma flexibilidade para optar entre a produção de açúcar ou do biocombustível. Para piorar, falta uma regulação fiscal, com algumas regiões indianas taxando o etanol, e outras não, representantes do governo local defendem a produção do combustível a partir do carvão e, ao contrário do Brasil, não há uma logística para distribuição e abastecimento.

A indústria açucareira da Índia acredita que apenas no início da próxima década a mistura compulsória de 10% de etanol na gasolina será cumprida e que apenas em 2030 será possível, com muito esforço, atingir os 20%. A avaliação final de representantes do governo brasileiro é: a Índia continuará a produzir enormes excedentes de açúcar e, se não conseguir exportá-los, corre o risco de não ter onde armazenar o produto, comprometendo ainda mais a situação financeira das usinas.

A distância entre expectativa e a realidade é grande.
Gustavo Porto, repórter do Broadcast