Fabio Venturelli, do grupo São Martinho: trajetória corrigida
28-08-2020

Acomodado em sua cadeira branca, enquanto explicava aos tripulantes da USS Enterprise o plano de navegação para os próximos dez anos, o capitão Kirk interrompe a apresentação para ouvir do doutor Leonard McCoy a confirmação de que o preço do petróleo caíra 33%. A informação, embora verdadeira, nunca esteve no roteiro de nenhum dos capítulos da série Jornada das Estrelas. A encenação realizada na noite de 8 de março deste ano, no Grande Hotel São Pedro, em Águas de São Pedro, fez parte da apresentação voltada a diretores e gerentes da São Martinho sobre o planejamento estratégico para a próxima década.

No papel do comandante da nave icônica, Fábio Venturelli, ao lado de diretores igualmente trajados de personagens da série. Eles haviam acabado de passar por um túnel do tempo, pelo qual fizeram um sobrevoo sobre a década anterior, e agora na nave recebiam as próximas instruções. Mesmo com a notícia sobre a queda do preço do petróleo, o evento e o plano foram mantidos, mas, naquele momento, Venturelli percebeu que alguma coisa estava mudando no mundo. A débâcle do petróleo, que antecedeu em alguns dias a decretação de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi o primeiro dos vários duros golpes sofridos pelo setor sucroalcooleiro em 2020.

No dia seguinte à reunião, a diretoria da São Martinho já se debruçava para rever o orçamento da safra 2020/21, que começaria em abril. Mesmo com a hecatombe de proporções interestelares que se avizinhava, os investimentos feitos até ali pela empresa e a aposta em tecnologia, conectividade e eficiência blindaram a nave.

"A gente acreditava que estava indo para o melhor ano da história, dados os índices de produtividade e de eficiência agrícola e na indústria. Se o petróleo tivesse ficado em US$ 60 o barril, estaríamos na melhor safra em resultado. Mas não digo que não será, porque ainda pode ser", afirma Venturelli.

Superar o resultado da safra passada não será fácil diante da queda do consumo de etanol verificada desde março, e ainda mais porque a São Martinho já teve lucro recorde na temporada 2019/20, de R$ 639 milhões, e receita de R$ 3,7 bilhões.

A mudança ante um cenário então promissor para o etanol nesta safra fez o grupo mudar a chave para o açúcar, que agora tem batido recorde de exportação.

Mas a alteração que mais consumiu esforços da direção foi organizacional. Como uma empresa que fornece alimento, combustível e energia, o desafio era manter o funcionamento da atividade, considerada essencial, e garantir segurança a todos. Dos 12,5 mil trabalhadores, 12,1 mil trabalham nas usinas e não podem fazer home office.

"A primeira coisa que me ocorreu foi que eu não podia abandoná-los. Não posso deixar meu posto de trabalho por respeito aos 12,1 mil bravos colaboradores que assumiram a missão de ajudar o país em sua responsabilidade. Em uma guerra, se os funcionários estão nas batalhas, o general tem que estar junto", diz.

Os demais 400 funcionários, que iam ao escritório, foram trabalhar de casa após semanas de adequação. Os diretores imediatos seguiram Venturelli e continuaram trabalhando de forma presencial. Aos que ficaram em campo, medidas de distanciamento e higiene reforçada foram adotadas.

Mas trabalhar sob o manto da pandemia não tem sido algo leve para ninguém. A forma encontrada pela companhia para lidar com o lado emocional, foi buscar um engajamento maior das famílias dos funcionários e, com isso, fortalecer seu reconhecimento, afirma.

Outra medida adotada foi passar a circular boletins com um resumo de notícias para reduzir a fixação das pessoas por informações em tempo real. "Diminuiu a tensão e a desatenção", conta o executivo.

Hoje, Venturelli só sai de casa para trabalhar e jogar tênis. Em cinco meses de pandemia, seu maior aprendizado foi reconhecer que ninguém controla nada. "Na minha posição, há a expectativa de que você está analisando todos os cenários e tem reposta para tudo. Vi que isso é uma ilusão. Nada substitui você estar bem estruturado e equipado para lidar com o desafio do dia". É com esse espírito que Venturelli pretende comandar a nave pelos próximos anos.

Camila Souza Ramos
Fonte: Valor Econômico
Texto extraído do boletim SCA