Fungo funciona como “vacina verde” e fortalece defesa natural da cana-de-açúcar
23-07-2025

Estudo da Esalq-USP aponta que o Metarhizium robertsii estimula resistência a pragas e favorece o controle biológico sustentável

Uma nova abordagem biotecnológica pode transformar o manejo de pragas na lavoura de cana-de-açúcar: o fungo Metarhizium robertsii, tradicionalmente usado como agente biológico no combate à broca-da-cana, também se mostrou capaz de estimular os mecanismos de defesa da planta, funcionando como uma espécie de vacina vegetal. A descoberta é fruto de uma pesquisa realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba - SP.

A proposta avalia as complexas interações entre plantas, fungos e insetos, sinalizando para uma alternativa ecologicamente responsável que reduz o uso de inseticidas químicos, aumenta a eficácia do controle natural e amplia a sustentabilidade da produção.

O Metarhizium robertsii é um fungo entomopatogênico e endofítico – ou seja, além de infectar e matar insetos, vive nos tecidos internos das plantas sem causar danos. A pesquisa analisou seus efeitos sobre fitormônios vegetais, emissões de compostos orgânicos voláteis e o comportamento de insetos benéficos como Cotesia flavipes (uma vespa parasita) e Doru luteipes, a popular tesourinha ou lacrainha.

O estudo foi liderado pelo agrônomo Marvin Mateo Pec Hernández, doutorando em Entomologia na Esalq. Ele destaca que, na cultura da cana, ainda há pouco entendimento sobre como fungos endofíticos influenciam as defesas químicas da planta e suas relações com insetos herbívoros e predadores.

A pesquisa desenvolveu uma abordagem experimental multidisciplinar: as plantas foram inoculadas com o fungo, posteriormente infestadas com pragas, e submetidas a análises químicas e bioensaios para monitorar seus efeitos.

As análises indicaram que as plantas inoculadas apresentaram alterações expressivas nos níveis de ácido jasmônico e ácido salicílico – compostos vegetais fundamentais na resposta contra pragas. Também houve variação na emissão de compostos voláteis, que mudaram o perfil olfativo das plantas tanto durante o dia quanto à noite.

Essas mudanças resultaram em redução da oviposição da broca-da-cana em plantas ainda não infestadas. Já nas plantas infestadas, foi observada uma maior atração da vespa Cotesia flavipes, um dos principais agentes naturais de controle da praga, potencializando a ação do controle biológico.

Por outro lado, a tesourinha (Doru luteipes) não apresentou aumento de atração, mesmo diante das alterações nos compostos emitidos, o que indica que a atuação do fungo pode ser seletiva em relação aos inimigos naturais.

Segundo Pec Hernández, o uso do fungo como “indutor de defesa” representa um avanço importante para o manejo de pragas com baixo impacto ambiental. Além de reforçar a resistência da planta, a estratégia favorece a atuação de parasitas e predadores naturais, contribuindo para um sistema de produção mais resiliente e sustentável.

“A inoculação do Metarhizium nas plantas promoveu mudanças significativas nas defesas químicas e na comunicação com inimigos naturais. Isso reforça seu potencial como aliado no controle biológico”, explica o pesquisador.

O estudo integra a tese de doutorado “Metarhizium robertsii altera os voláteis da cana-de-açúcar e suas interações com insetos”, defendida por Pec Hernández em janeiro de 2024. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Ecologia Química e Comportamento de Insetos da Esalq, sob coordenação do professor José Maurício Simões Bento.

Também participaram do trabalho os pesquisadores Paolo Salazar Mendoza, Diego Martins Magalhães e Kamila E. Xavier de Azevedo, que juntos contribuíram para ampliar a compreensão sobre os mecanismos de defesa vegetal e o papel dos micro-organismos benéficos na proteção de culturas agrícolas.