Geada atinge canaviais no interior paulista e exige replanejamento estratégico da colheita
26-06-2025

Com danos variando de leves a severos, produtores adotam sistema de notas técnicas para classificar os impactos e priorizam colheita em áreas críticas
A madrugada quarta-feira (25) foi marcada por uma intensa geada que se espalhou por diversas regiões canavieiras do estado de São Paulo, o que pode impactar diretamente o desenvolvimento da cana-de-açúcar. A chegada de uma massa de ar polar, associada ao tempo seco e céu limpo, criou as condições ideais para a formação da chamada geada de radiação, a mais comum no Centro-Sul brasileiro. Em áreas afetadas, produtores relataram formação de cristais de gelo sobre folhas e palhada, forte indicativo de que as temperaturas ao nível do dossel (camada superior) das plantas ficaram abaixo de zero.
O impacto de uma geada na cana varia de acordo com múltiplos fatores, como estágio de desenvolvimento da planta, variedade, condição nutricional e manejo prévio da palha. Por isso, o primeiro passo após o evento foi o início do levantamento técnico dos danos.
Máyra Martins Teixeira, Gerente de Produção Agrícola da Nova América, de acordo com o protocolo recomendado, as equipes realizam coletas de amostras em três ou mais pontos representativos por talhão, avaliando o estado das gemas apicais e laterais, além do aspecto interno dos colmos. “Esse levantamento não é feito de imediato: é preciso esperar entre 8 e 10 dias após o evento para que os sintomas se manifestem com clareza. Até lá, os danos seguem evoluindo — um fenômeno popularmente conhecido como “geada que anda””, explica.
Sistema de notas técnicas ajuda a padronizar os danos
A classificação dos impactos segue uma escala de notas de 1 a 5, padronizada para facilitar a interpretação e priorização de áreas. A nota 1 corresponde a plantas sem danos graves, com a gema apical preservada. Já a nota 2 indica morte apenas da gema apical. As notas 3 e 4 apontam graus crescentes de morte das gemas laterais, tecido interno com coloração aquosa ou marrom e início de deterioração. Já a nota 5 representa o cenário mais crítico: colmos com forte odor de cana fermentada, tecidos enegrecidos e morte de quase todas as gemas — o que compromete a capacidade da planta de rebrotar ou ser usada como muda.
Imagens aéreas e sensoriamento remoto também são utilizados em paralelo. Ferramentas como o CTCSat, oferecido pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), cruzam dados anteriores e posteriores à geada com algoritmos que destacam mudanças visuais, servindo como base para direcionar equipes de campo aos pontos mais críticos. Essas imagens, embora não substituam a avaliação presencial, aumentam a agilidade e a assertividade do diagnóstico.
Áreas afetadas têm colheita antecipada
Com base nas notas atribuídas, o planejamento de colheita sofrerá um realinhamento. Áreas que originalmente seriam colhidas no fim da safra passarão a ser prioridade, devido ao risco de rápida deterioração da matéria-prima. "É melhor colher com perda de produtividade do que perder totalmente a viabilidade industrial", explica um técnico de campo da equipe envolvida. Já os plantios com danos irreversíveis, especialmente aqueles com nota 5 e brotações destruídas, serão roçados — uma técnica que consiste em cortar as plantas para forçar a rebrota e salvar o canavial para o próximo ciclo.
Para os viveiros, as medidas são ainda mais cuidadosas. Caso as gemas laterais ainda estejam viáveis, pode-se realizar teste de germinação e aproveitamento parcial. Caso contrário, a muda é descartada. Em áreas de formação com plantas jovens e sem entrenós formados, a expectativa é de rebrota rápida, especialmente com o suporte de irrigação, fertirrigação ou aplicação de bioestimulantes. Já em plantios mais avançados, com perfilhos que já apresentam colmos formados, o rebaixamento do dossel torna-se necessário.
Deterioração da cana pós-geada exige pressa e monitoramento constante
Segundo o manual técnico do CTC, os maiores riscos vêm após a geada, especialmente em áreas com temperatura e umidade mais elevadas. Essas condições favorecem o crescimento de microrganismos que deterioram rapidamente o caldo da cana. Entre eles, destaca-se a bactéria Leuconostoc mesenteroides, responsável pela produção de compostos como dextranas e manitol, que reduzem a qualidade industrial do açúcar. Em poucos dias, os colmos atingidos passam a exalar odor azedo e sua utilização torna-se inviável.
Por isso, além da avaliação visual, os técnicos realizam testes de acidez titulável ou medição de pH para avaliar o estágio de deterioração. Quando necessário, o desponte da cana (corte do topo) é feito abaixo da região afetada, para evitar que tecidos em fermentação sejam enviados para a indústria. Nessas áreas, o tempo é curto: quanto mais rápida a colheita, menores as perdas. Em paralelo, áreas não atingidas têm o uso de maturadores suspenso temporariamente, para evitar compromissos logísticos inviáveis diante do novo cenário.