Há quem ainda duvide, mas a Matriz do Terceiro Eixo incrementa a produtividade dos canaviais
07-02-2020

Colheita de cana na Uisa, em Nova Olímpia, MT, a unidade também adota o sistema de Terceiro Eixo que inicia a safra com as canas mais novas e finaliza com as mais antigas. Divulgação Uisa
Colheita de cana na Uisa, em Nova Olímpia, MT, a unidade também adota o sistema de Terceiro Eixo que inicia a safra com as canas mais novas e finaliza com as mais antigas. Divulgação Uisa

Quem está adotando o sistema de Matriz Tridimensional organiza a colheita por idade e vê a produtividade crescer de 7 a 10 toneladas de cana por hectare

Leonardo Ruiz

Entre as práticas inovadores que estão aumentando a produtividade dos canaviais, está a chamada Terceiro Eixo. Mas, na verdade esse conceito surgiu a partir de uma matriz - desenvolvida pelo Instituto Agronômico (IAC) há mais de 20 anos - composta por dois fatores: ambiente de produção (favorável, médio e desfavorável) e época de colheita (outono, inverno e primavera). “Tínhamos em mãos uma matriz de dois fatores com três níveis, totalizando nove células. Nomeamos de Matriz Bidimensional”, explica o diretor do Centro de Cana do IAC, Marcos Landell.

Em 2006, uma série de estudos realizados visando entender a fundo o sistema radicular da cana culminou na adição de um terceiro fator à matriz: ciclo da planta. De acordo com Landell, foi notado que, a cada corte, o sistema radicular da cana se avoluma e se aprofunda no perfil do solo. Exemplificando: uma cana de quinto corte estará mais protegida contra a seca do que uma cana planta, pois será capaz de entrar em contato com a água que está localizada numa profundidade impossível de ser alcançada pela raiz de uma cana mais nova.

“Com a adição do terceiro fator, a outrora Matriz Bidimensional passou a ser Tridimensional, que nada mais é do que um sistema de colheita que busca mitigar e reduzir a exposição dos canaviais a déficit hídrico, em especial daqueles com maior potencial de produção - cana planta e socas de segundo e terceiro corte.” Estimativas apontam que, a cada 100 mm de redução de déficit hídrico no ciclo da cultura, é possível aumentar a produtividade de 7 a 10 TCH.

Diretor do Centro de Cana do IAC, Marcos Landell é um defensor da Matriz do Terceiro Eixo

Foto: Arquivo CanaOnline
 

Persistente, Landell não abandonou a ideia da adoção do terceiro eixo pelo setor. Sempre que podia apresentava o processo como uma das alternativas para os canaviais alcançarem a necessária produtividade de 100 toneladas por hectare, a chamada por ele, de cana de três dígitos.

SERÁ QUE DÁ CERTO?

Em 2010, o produtor mineiro Daine Frangiosi, de Campo Florido, participou de uma palestra no Canacampo Tech Show - sob o comando do diretor do Centro de Cana do IAC, Marcos Landell - que apresentou esse novo conceito em colheita de cana-de-açúcar chamado de Matriz Tridimensional, popularmente conhecido como “Terceiro Eixo”. Achou interessante aquele sistema que consiste em colher os canaviais seguindo uma lógica de idade, iniciando a safra com as canas mais novas e finalizando com as mais antigas.

O conceito é bastante simples, embora a execução possa ser um pouco complicada. Primeiramente, é colhida toda a cana planta, seguida das socas de segundo corte e, posteriormente, de terceiro. E assim sucessivamente. No ano seguinte, a colheita da área será realizada sempre com um mês de atraso. Se este ano foi em abril, no próximo será em maio. O objetivo é ganhar um mês de idade do canavial. Um maior período para crescimento resultará em melhor maturação e maiores taxas de produção.

Após a adoção do Terceiro Eixo, produtividade média nos mais de 4400 hectares de Daine Frangiosi alcançou os tão sonhados três dígitos

Foto: Leonardo Ruiz

Frangiosi confessa que, no início, achou a ideia um tanto estranha, pois ela abandona o conceito tradicionais de canas precoces, médias e tardias. Com a Matriz do Terceiro Eixo, uma cana tardia pode acabar sendo colhida no começo da safra. “A dúvida acabou a partir do momento em que coloquei o sistema em prática e comecei a enxergar os benefícios.”

Logo no primeiro ano, a produtividade do produtor saltou de 70 toneladas de cana por hectare (TCH) para 86 TCH. A partir dali, só acima dos três dígitos. Em 2017, por exemplo, o balanço final apresentou uma produtividade média de 116 TCH. “A Matriz do Terceiro Eixo é, sem dúvida, um dos meus segredos para obtenção de altas produtividades.”

A MATRIZ DO TERCEIRO EIXO NA COFCO

Quando deu a ideia de adotar a Matriz do Terceiro Eixo nas unidades do Grupo COFCO International, a diretoria não botou muita fé. Mas a gerente de Planejamento e Desenvolvimento Agrícola Patrícia Rezende Fontoura foi persistente. Insistiu no assunto e conseguiu permissão para a implantação do sistema. O trato era que, caso não desse resultado, o projeto seria descartado em 12 meses.

Patrícia conta que as produtividades na COFCO aumentaram após a adoção do Terceiro Eixo. Objetivo agora é levar toda a produção a casa dos três dígitos

Foto: Leonardo Ruiz

Mas o que o Grupo viu foram produtividades crescendo expressivamente e, o que antes era um ponto de interrogação, virou um importante aliado. Em apenas um ano, uma cana planta de 18 meses em uma das unidades da COFCO International saiu de 106 TCH para 120 TCH. Um canavial de segundo corte deixou a casa das 92 TCH e bateu os três dígitos: 101 TCH. Em uma soca de terceiro corte, o aumento foi ainda maior: 75 TCH para 91 TCH. “Acredito que esses números irão se perpetuar a cana ano, chegando também às canas de ciclos mais antigos. Com isso, espero, futuramente, levar toda a produção a casa dos três dígitos.”

Patrícia destaca que a implantação do sistema não foi fácil, sendo que ainda existem muitos pontos para melhorar. “É um quebra-cabeça que estamos tentamos desvendar. A logística deve ser precisa para dar certo. Ainda não é 100%, mas estamos no caminho.”

Gráfico Terceiro Eixo

Fonte: COFCO

NÃO BASTA INVERTER A ORDEM DA COLHEITA. É NECESSÁRIO MUITO PLANEJAMENTO ANTES DE COLOCAR O TERCEIRO EIXO EM PRÁTICA

Grupos como a Atvos e unidades como a Uisa, em MT e a Denusa, em Goiás também aderiram ao sistema do Terceiro Eixo. Mas, o consultor associado da Canaplan, Nilceu Piffer Cardozo, salienta que essa prática que vem ganhando corpo no setor canavieiro nacional, em especial nas três últimas safras, exige disciplina. “Não basta inverter toda a colheita de uma hora para outra. É necessário muito planejamento antes de colocar o sistema em prática. A transição do atual método de colheita para o Terceiro Eixo deve ser feita aos poucos. No início, pode ocorrer de a frente de colheita ter que voltar para uma área já colhida. Ou ter que sacrificar um canavial, colhendo-o mais novo do que deveria.” Os benefícios, segundo ele, virão a longo prazo.

Fazer um correto manejo das variedades também é essencial para o pleno funcionamento da Matriz do Terceiro Eixo. Cardozo explica que, a princípio, todos os programas de melhoramento genético foram feitos imaginando que haveriam variedades mais adequadas para serem colhidas no começo, meio e fim de safra. Com esse novo conceito, isso deixa de existir. “Mas é claro que existem limites. Você pode acabar, por exemplo, colhendo um material precoce mais tarde do que o recomendado, o que pode ser um problema em ano de florescimento. Existe solução para isso, como o uso de inibidores, mas é mais um ponto para a usina ficar atenta.”

 

Fonte: CanaOnline