Irrigação por gotejamento melhora os níveis de sustentabilidade da agroindústria canavieira
20-07-2022

Chegada da tecnologia de gotejamento por volta da década de 1960 aumentou eficiência e sustentabilidade ambiental das operações de irrigação - Foto: Divulgação Netafim
Chegada da tecnologia de gotejamento por volta da década de 1960 aumentou eficiência e sustentabilidade ambiental das operações de irrigação - Foto: Divulgação Netafim

Aumento da pontuação no RenovaBio com incremento na geração de CBIOs; maior eficiência no uso dos recursos hídricos e possibilidade de aplicação de biológicos via sistema estão entre os benefícios ambientalmente sustentáveis da tecnologia

Um dos maiores mitos que envolvem a agricultura moderna é um suposto uso excessivo de recursos hídricos durante a produção no campo. É verdade que, dentre os diferentes usos, como abastecimento humano, animal e industrial, a irrigação desponta como o maior “consumidor”. No entanto, devemos considerar que grande parte da água aplicada sobre as plantas retornará para a atmosfera no estado de vapor por meio da transpiração. O próximo passo desse ciclo é sua condensação na forma de chuva.

Outro ponto que deve ser levado em conta está relacionado ao aumento do potencial de retorno produtivo das culturas proporcionado pela irrigação. Embora esteja concentrada em apenas 20% das áreas cultivadas do mundo, a agricultura irrigada é responsável por 40% das colheitas agrícolas, o que faz dela uma forte aliada da produção de alimentos para uma população mundial que cresce mais a cada dia, podendo chegar a 10 bilhões de pessoas em 2050, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU).

Pesquisadores e a iniciativa privada trabalham com foco no aprimoramento das técnicas de irrigação, criando tecnologias e aumentando a eficiência e, consequentemente, a sustentabilidade da operação. Um dos maiores exemplos é a chegada da irrigação por gotejamento por volta da década de 1960.

Segundo Daniel Pedroso, de todas as modalidades de irrigação, o gotejamento se mostra como a mais eficiente, pois alia baixo volume a alta frequência - Foto: Divulgação Netafim

Daniel Pedroso, Especialista Agronômico da Netafim, empresa pioneira e líder mundial em soluções para irrigação, explica que, dentre todas as modalidades, o gotejamento se mostra como a mais eficiente, pois alia baixo volume a alta frequência, entregando as quantidades ideais de recursos hídricos de acordo com as fases de cada cultivo, no momento certo e diretamente na raiz das plantas, maximizando o rendimento, a economia e a sustentabilidade ambiental. “A eficiência no uso da água nesse sistema varia de 95% a 100%. Apenas para efeitos comparativos, as taxas alcançadas pela modalidade de aspersão giram entre 80% e 85%. Já a redução no consumo total dos recursos hídricos pode chegar a 40% na comparação entre as duas técnicas.”

Lembrando que a Netafim é fruto da experiência com a escassez hídrica em seu país de origem, Israel, onde os avanços em irrigação transformaram desertos em lavouras altamente produtivas. Atualmente, a empresa conta com dois tipos de tecnologia de gotejo para cana-de-açúcar. Em canaviais comerciais, é recomendada a irrigação por gotejamento subterrânea. Já em viveiros (Cantosi ou Meiosi), é possível instalar tubos gotejadores de forma superficial e movê-los para novas áreas sempre que necessário. Ambas as soluções podem ser instaladas de pequenos a grandes canaviais.

Utilização de águas residuárias pode aumentar ainda mais sustentabilidade da irrigação por gotejamento

Grande parte da água utilizada para irrigação vem de rios, córregos, represas e/ou barragens. Porém, para utilizá-la, não basta a usina simplesmente abrir o registro. Primeiramente, é necessário solicitar uma autorização para o uso desse bem. A permissão, chamada de outorga, é dada pelo órgão público que gere os recursos hídricos, que pode ser a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) ou algum outro de ordem estadual. É importante ressaltar que essa autorização é dada apenas quando o órgão tem certeza de que o consumo não irá impactar o abastecimento de outros grupos.

Grande parte da água utilizada para irrigação vem de rios, córregos, represas e/ou barragens. Porém, estudos indicam viabilidade do uso de águas residuárias no processo - Foto: Divulgação Netafim

Visando diminuir ainda mais o consumo de água dessas fontes, tem crescido o número de usinas que está optando por águas residuárias para a irrigação. É o que explica a Professora Associada da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da Universidade de São Paulo (USP), Tamara Maria Gomes, que dentre várias pesquisas, estuda o uso de efluentes de esgoto doméstico para irrigação por gotejamento enterrado na cana-de-açúcar. “O reúso da água é uma técnica milenar. Sua aplicação pode acontecer tanto no setor urbano e industrial, quanto na agricultura. Nesse último caso, a irrigação de culturas com efluentes é uma excelente alternativa para substituir água de melhor qualidade, preservando a mesma para usos mais nobres, como o consumo humano.”

Ela ressalta que os efluentes com potencial de reúso para os cultivos agrícolas são principalmente os ricos em matéria orgânica, sem a presença de metais pesados, como os esgotos domésticos e as águas residuárias da agroindústria. “Esses efluentes, além de fornecer água às plantas, em muitos casos podem prover nutrientes, reduzindo também o consumo de fertilizantes.”

Tamara Maria Gomes: “A irrigação de culturas com efluentes é uma excelente alternativa para substituir água de melhor qualidade, preservando a mesma para usos mais nobres” - Foto: Arquivo pessoal

De acordo com Tamara, essas águas podem ser aplicadas nas lavouras em volumes que atendam totalmente a necessidade hídrica da cultura ou de forma diluída, principalmente quando há em sua composição algum elemento em excesso. Ela pontua, no entanto, que os efluentes para serem reutilizados precisam, de maneira geral, passar por tratamento, mesmo porque em determinados momentos haverá a necessidade de disposição nos corpos d’água e, para isso, será necessário atender padrões de lançamento definidos pela legislação.

Irrigação por gotejamento em canaviais melhora pontuação no RenovaBio e aumenta geração de CBIOs

A melhor eficiência do uso da água na irrigação por gotejamento é apenas uma das “pernas” que compõem o tripé ambientalmente sustentável da tecnologia. Outro importante aspecto é a melhoria da pontuação geral da usina no RenovaBio, iniciativa do Ministério de Minas e Energia (MME), lançada em dezembro de 2016, que visa expandir a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira.

Um dos eixos do programa é a possibilidade de produtores certificarem sua produção e receberem, como resultado, notas de eficiência energético-ambiental. Essas notas são multiplicadas pelo volume de biocombustível comercializado, o que resulta na quantidade de Créditos de Descarbonização (CBIOs) que determinado produtor poderá emitir e vender no mercado.

Possibilidade de nutrir e fertirrigar os canaviais através da tecnologia de gotejamento ocasionará na diminuição do número de entradas com tratores na lavoura, reduzindo o consumo de óleo diesel e a pegada de carbono - Foto: Leonardo Ruiz

Atualmente, os CBIOs já são considerados como um novo produto do setor de biocombustíveis, se tornando um grande aliado na formação de caixa. Os preços médios desses créditos atingiram um patamar bastante alto na primeira metade de junho deste ano, com a média na quinzena em R$ 142,07, segundo relatório do Itaú BBA. No acumulado do primeiro semestre, o preço médio figurou em R$ 98,46, mais que o dobro dos R$ 39,31 de 2021.

Com esse novo mercado em mente, as usinas têm lançado mão de técnicas e processos que possam resultar na melhoria da pontuação dentro do RenovaBio e, consequentemente, no incremento da geração de CBIOs. É o caso da irrigação por gotejamento. O Especialista Agronômico da Netafim, Daniel Pedroso, explica que a tecnologia atuará em algumas frentes distintas, mas com grande influência dentro do programa, como no aumento da produção de etanol por hectare e na redução do consumo de óleo diesel e do uso de fertilizantes por tonelada de cana produzida.

“É verdade que uma planta que cresce mais necessitará ser mais estimulada nutricionalmente, o que aumentará o uso de fertilizantes. Por outro lado, o ganho expressivo de produtividade fará com que, no final do ciclo, o consumo por tonelada produzida seja menor, podendo chegar a 30% de redução.”

Aumento expressivo de produtividade proporcionado pelo gotejamento reduzirá consumo de fertilizantes por tonelada de cana produzida - Foto: Arquivo CanaOnline

Pedroso acrescenta também que a possibilidade de aplicação de moléculas químicas e orgânicas e produtos biológicos através dos mesmos equipamentos de injeção de água ocasionará na diminuição do número de entradas com tratores na lavoura, reduzindo o consumo de óleo diesel pela unidade produtora em até 13% e a pegada de carbono, de 12% a 62%.

O profissional destaca outros benefícios ambientais decorrentes da utilização da tecnologia de gotejamento, mas que não tem influência direta na pontuação do RenovaBio, como a elevação da geração de energia limpa, devido a maior disponibilidade de biomassa; e a redução no uso de herbicidas de alto residual, em função de um fechamento mais rápido das entrelinhas.

Aplicação de biológicos via gotejamento possibilita aumento de produção e elevação da sustentabilidade ambiental

A pressão cada vez maior das indústrias alimentícias – e do consumidor final – em adquirir apenas produtos e matéria-prima cuja produção tenha sido feita, em sua totalidade, seguindo práticas sustentáveis, tem transformado o mercado de defensivos agrícolas, abrindo espaço para os insumos biológicos em detrimento dos químicos de elevado grau toxicológico. No setor sucroenergético nacional, não poderia ser diferente.

Atualmente, existem soluções biológicas que podem ser utilizadas em todas as etapas do desenvolvimento vegetativo da cana-de-açúcar, desde o manejo de pragas e doenças, promoção de crescimento, fixação biológica de nitrogênio, solubilização de fósforo e outros nutrientes até a mitigação de estresse hídrico. Como benefícios ambientais e econômicos, pode-se destacar a diminuição do uso de produtos químicos com alta toxicidade, aumento da população de microrganismos benéficos no solo, melhor seletividade aos inimigos naturais, maior equilíbrio da biota do solo e incremento de produtividade e longevidade dos canaviais.

É possível ainda aliar a aplicação desses biológicos a um sistema de irrigação por gotejamento para tornar toda a operação ainda mais sustentável. O Doutor em Produção Vegetal pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus Jaboticabal, e diretor técnico da AGROMAPE, Luiz Cláudio Nascimento dos Santos, explica que os maiores benefícios dessa combinação incluem: aproveitamento de uma operação já existente, o que diminui a necessidade de tratores e, consequentemente, o consumo de óleo diesel; exploração das melhores janelas de aplicação, inclusive com possibilidade de fracionamento e correção de problemas em fases mais avançadas da cultura; e maior eficiência, uma vez que os insumos são aplicados diretamente sobre as raízes das plantas.

Santos afirma que o aproveitamento de uma operação já existente, exploração das melhores janelas de aplicação e maior eficiência são os principais benefícios de aplicar insumos biológicos via gotejamento - Foto: Arquivo pessoal

O pesquisador da UNESP detalha que iniciou trabalhos com biológicos via gotejamento em 2021 com a aplicação de Azospirillum brasilense. O objetivo era aumentar a eficiência da adubação nitrogenada e melhorar a arquitetura radicular pela promoção de crescimento, já que essas bactérias são promotoras de fito hormônios.

“A literatura já relatava alguns resultados positivos com bactérias diazótroficas aplicadas de forma foliar ou via solo. Contudo, não havia nenhuma informação sobre resultados com aplicação via gotejamento. Ao final da safra, observamos ganhos médios de 11 toneladas de colmos/ha, aumento das variáveis biométricas, como altura, diâmetro de colmo e área foliar, e melhor desenvolvimento do sistema radicular.”

Diante desses resultados, Santos analisa que a irrigação por gotejamento é uma excelente ferramenta para aumentar a produtividade dos canaviais de maneira muito sustentável, pois além de ser um sistema com alta eficiência na utilização da água, ainda permite a aplicação de insumos biológicos com muito mais eficiência. “Nesta safra, já estamos introduzindo outros microrganismos, como Pseudomonas fluorescens, com o objetivo de melhorar o manejo da adubação fosfatada, uma vez que elas liberam ácidos orgânicos que solubilizam fosfatos, e diversas bactérias do gênero Bacillus, como ferramenta no manejo de nematoides. Estamos ainda estudando o uso de bioestimulantes via gotejo - principalmente aqueles à base de extrato de algas - com o intuito de acelerar o enraizamento das canas socas e amenizar os efeitos dos estresses abióticos.”

Ganhos de produtividade com a irrigação por gotejamento na São José Agroindustrial chegam a 121% na comparação com as áreas de sequeiro - Foto: Divulgação Usina São José

Localizada em Igarassu/PE, a São José Agroindustrial planeja, em breve, iniciar a aplicação de produtos biológicos através de seu sistema de irrigação por gotejamento, que já cobre 626 hectares de canaviais. O coordenador de irrigação da usina, Willymberg José Barreto da Silva, afirma que o gotejo é uma tecnologia de irrigação excelente, com ganhos de produtividade que chegam a 121% na comparação com as áreas de sequeiro.

“Além de entregar maior produção, o gotejo faz um uso mais eficiente dos recursos hídricos e possibilita uma aplicação parcelada de nutrientes e fertilizantes de acordo com o estágio fenológico da cultura.”

Fonte: CanaOnline