Justiça mantém bloqueio de R$ 665 milhões de Luciano Coutinho, Bumlai e mais 21 por operação do BNDES
24-01-2017

Ex-presidente do banco de fomento e pecuarista amigo de Lula são citados em investigação sobre empréstimos supostamente irregulares do BNDES.

A Justiça Federal de Dourados (MS) aceitou os pedidos do Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul (MPF) e manteve o bloqueio de bens do ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, além de outras 21 pessoas e uma empresa por suspeita de irregularidades na concessão de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a Usina São Fernando, companhia da família Bumlai, em Dourados.

Foi determinado o bloqueio de R$ 665,76 milhões em bens móveis e imóveis destinados a cobrir os prejuízos causados aos cofres públicos pelas fraudes perpetradas pelos réus.

A decisão foi tomada em uma ação civil pública movida pela Procuradoria da República no MS é de dezembro do ano passado, mas foi divulgada pelo MPF nesta segunda-feira, 23, após a Justiça Federal levantar o sigilo dos autos. Na decisão, a Justiça Federal em Dourados rejeitou os recursos das defesas dos réus.

O Ministério Público Federal acusa o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, diretores da instituição, José Carlos Bumlai e seus filhos Maurício e Guilherme, e a Holding Heber Participações, Grupo Bertin, de diversas fraudes que teriam resultado na concessão e renegociação de empréstimos para a Usina São Fernando, entre 2008 e 2012, no valor total de R$ 395,17 milhões por meio de operações diretas com o BNDES e R$ 101,5 milhões via operação indireta.

O valor bloqueado corresponde ao montante do empréstimo ainda não quitado, mais o mesmo valor a título de multa, prevista na Lei de Improbidade Administrativa.

A Procuradoria da República não pediu o bloqueio de bens da Usina São Fernando, pois a empresa está em recuperação judicial.

Em 2015, o BNDES e o Banco do Brasil pediram a falência das empresas de Bumlai por inadimplência. Condenado na Lava Jato a nove anos e 10 meses de prisão por gestão fraudulenta de instituição financeira e corrupção, o amigo de Lula tinha uma dívida de R$ 1,2 bilhão.

A empresa São Fernando Açúcar e Álcool Ltda foi fundada em 21 de janeiro de 2008, tendo como sócios a Heber Participações S/A, holding do Grupo Bertin, e a São Marcos Energia Ltda., de propriedade do Grupo Bumlai.

Em junho de 2008, aponta a ação, ‘inicia-se o relacionamento da São Fernando com o BNDES’. À época, a empresa apresentou projeto pleiteando colaboração financeira para a implantação de uma unidade produtora de açúcar e etanol com capacidade de moagem de 2,3 milhões de toneladas de cana/safra, formação de lavoura de cana-de-açúcar, cogeração de energia elétrica e investimentos sociais no âmbito da comunidade do município de Dourados.

“Após procedimentos internos do Banco, que incluíram dispensa de garantias reais e aceitação de garantia pessoal do grupo Bertin, foi concedido empréstimo em 2 de dezembro de 2008”, destaca a Procuradoria da República.

“A obrigatória análise de risco foi realizada apenas para o Grupo Bertin”, sustenta a ação. “A São Fernando Acúcar e Álcool Ltda. é uma empresa em fase pré-operacional, não possuindo, portanto, classificação de risco junto ao BNDES. Uma vez que o Grupo Bertin é um dos patrocinadores do projeto, com participação de 50% no capital da empresa, e que o mesmo prestará fiança na operação, o risco de crédito será baseado na classificação de risco deste grupo.”

O Ministério Público Federal aponta que os normativos internos do BNDES exigem, para a dispensa de garantia real, a análise da classificação de risco da prestadora de garantia pessoal (Heber Participações Ltda) ou da beneficiária (Usina São Fernando Açúcar e Álcool Ltda), devendo ser considerada a classificação que apresentar o maior risco, o que não foi feito. Ou seja, os procedimentos foram realizados pelo BNDES com o fim favorecer diretamente a Usina São Fernando Açúcar e Álcool que, à época, tinha um capital social de R$ 6 milhões e, sem prestar garantias reais, conseguiu um financiamento junto ao BNDES no valor de R$ 395.173.000,00.

Em 2010, o Banco constatou que a São Fernando deveria constituir garantia real equivalente a 130% do valor do débito. Então, o BNDES recalculou o débito e, com base em avaliação da parte implementada do projeto, considerou que a garantia já constituída em seu favor perfazia o montante de R$ 495.936.000,00, equivalente, portanto, a 142% do valor do débito. Assim, considerou atendidos os comandos normativos internos. Para o MPF, isso constitui uma “mágica financeira”.

Em 2011, o próprio Departamento de Biocombustíveis do BNDES propôs que a operação fosse ‘declarada em regime de curso problemático’ e, posteriormente, encaminhada à Área de Crédito para providências.

O motivo era a dívida da São Fernando, que, naquele momento, segundo semestre de 2011, chegava a R$ 1 bilhão, titularizadas pelo Bradesco, Banco do Brasil e BNDES, aponta o Ministério Público Federal, 49% tratavam-se de dívidas a curto prazo e equivalentes a cinco vezes a geração anual de caixa da empresa.

Uma das causas do endividamento, segundo a investigação, foi ‘a construção de uma unidade com capacidade superior ao previsto durante a análise do financiamento e o adiantamento da implantação da segunda unidade de cogeração de energia’.

“Para bancar os custos, a São Fernando obteve linhas de crédito de curto prazo e com juros altíssimos.”

Em 2012, o reescalonamento do débito foi aprovado. Novos prazos para a amortização do débito foram concedidos. O saldo remanescente e as verbas moratórias foram calculados pela data-base de 15 de dezembro de 2011, apesar de os contratos somente terem sido ratificados em 23 de julho de 2012.

Nesse mesmo dia, 23 de julho de 2012, ‘o BNDES, via operação indireta, concedeu à São Fernando o montante de R$ 101,5 milhões, em novo empréstimo’.

Segundo o Ministério Público Federal, a empresa cumpriu as obrigações financeiras renegociadas em julho de 2012 até o mês de março de 2013. Nesse período, pagou R$ 2 milhões do total devido. “Então, em 12 de abril de 2013 ajuizou pedido de recuperação judicial perante a 5.ª Vara Cível da Comarca de Dourados, cujo processamento foi deferido em 16 de abril de 2013. Assim, não restou outra opção ao BNDES senão propor medidas especiais para a São Fernando quitar o débito.”

A São Fernando descumpriu o ajustado no Plano de Recuperação Judicial. O BNDES não tem condições jurídicas para executar o débito justamente porque a empresa se encontra em recuperação judicial. “A constante inadimplência levou o BNDES a pedir a falência da São Fernando Açúcar e Álcool em 15 de junho de 2015.”

COM A PALAVRA, A DEFESA DE LUCIANO COUTINHO:

“A defesa do ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho reafirma que a operação com a Usina São Fernando foi realizada dentro da mais absoluta regularidade e impessoalidade, em linha com as melhores práticas de prudência bancária e respeitando todos os procedimentos usuais do BNDES, baseados em proposições técnicas, colegiadas, das quais participam cerca de 50 pessoas.

A referida ação encontra-se em fase de alegações iniciais, contra as quais foram recentemente apresentadas as defesas preliminares. As alegações do MPF são flagrantemente infundadas, uma vez que:

1. A operação foi aprovada e contratada com a devida constituição de garantias reais e pessoais;

2. Não houve nem sequer proposta de dispensa de garantia, em nenhum momento, por nenhum técnico ou dirigente citado;

3. As garantias reais constituídas no financiamento direto são suficientes para cobrir a dívida remanescente, foram objeto de cobrança judicial, em estrito respeito aos procedimentos aplicados pelo BNDES em situações semelhantes;

4. No processo de renegociação da dívida não foi exonerado nenhum fiador e, ao contrário, as garantias foram reforçadas;

5. As ações e a diligência dos envolvidos permitiram que o Banco recebesse mais de R$ 250 milhões do financiamento direto, grande parte desse montante quando o empreendimento já enfrentava dificuldades;

6. A operação indireta, na qual figuram como devedores o Banco do Brasil e o BTG, está rigorosamente adimplente.

Uma vez que já foram apresentadas à Justiça evidências da estrita correção dos procedimentos adotados, os quais a todo o momento defenderam o BNDES e não privilegiaram os devedores, a defesa entende não haver qualquer fundamento para a referida ação.