Justiça nega renegociação de contratos com a BR
29-05-2020

A Justiça tem negado liminares a postos de gasolina que querem renegociar ou mesmo cancelar contratos com a BR Distribuidora. Eles tentam quebrar a exclusividade para poder adquirir combustíveis de outras distribuidoras, por preços menores, e reduzir os prejuízos gerados com a queda no consumo devido à pandemia.

Nas decisões, os juízes entenderam que a crise atinge toda a cadeia e pedem provas dos supostos prejuízos. Também levaram em consideração as alegações da companhia de que negocia com os postos e que os pedidos de quebra de exclusividade podem ludibriar o consumidor.

Um dos pedidos de revisão de contrato de exclusividade foi negado pela 2ª Vara Cível de Curitiba (PR). O posto alegou na ação que o preço do combustível da BR é muito superior ao das outras distribuidoras, além de ter sido surpreendido com a pandemia.

De acordo com o posto, uma das cláusulas do contrato prevê a possibilidade de suspensão, nas hipóteses de caso fortuito ou força maior. Além disso, argumenta que o próprio Código Civil estabelece, no artigo 393, que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.

O posto já discutia preços com a distribuidora antes da pandemia, mas os problemas foram acentuados com as medidas de restrição de circulação. “Antes, o posto funcionava 24 horas e vendia 100 mil litros. Mas o horário de funcionamento foi reduzido e ele não tem condições de manter a compra e revenda de 100 mil litros”, afirma a advogada Fabiana Baptista Silva Caricati, sócia do escritório Caricati Advocacia, que defende o posto.

De acordo com a advogada, tentou-se antes de ir à Justiça renegociar o contrato. Porém, sem sucesso. Ela afirma que já propôs ações semelhantes contra outras distribuidoras. Mas os pedidos não foram concedidos ou não chegaram a ser analisados.

Na decisão de Curitiba, a juíza Letícia Zétola Portes diz que a pandemia não é capaz de justificar a determinação de suspensão do cumprimento dos contratos. “A drástica redução no consumo de combustível é notória, entretanto prejudica também a requerida, vez que irá distribuir menos combustível, sendo o contexto fático delicado”, afirma.

Para ela, o Judiciário só deveria se manifestar em último caso. A decisão considera que as medidas adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública levaram à crise e prejudicam toda a cadeia produtiva, prestação de serviços e consumidores (processo nº 0008653-69.2020.8.16.0001).

Um pedido semelhante feito na 6ª Vara Cível de Cuiabá também foi negado. O posto chegou a conseguir uma liminar para quebrar a exclusividade na compra, mas ela foi reformada pelo próprio magistrado após recurso. Na decisão, o juiz Jones Gattass Dias afirma que a distribuidora não está em extrema vantagem em relação ao posto.

“É certo que o atual momento de incertezas exigirá habilidades de todos para sobrevivência à crise, possivelmente com perdas que cada um deverá suportar particularmente, que serão maiores ou menores, de acordo com as providências que vier a tomar”, diz na decisão (processo nº 1014132-41.2020.8.11.0041).

Na comarca de Bauru (SP), um posto de gasolina pediu mudanças no contrato com a BR Distribuidora, alegando onerosidade excessiva causada pela pandemia às suas atividades. O juiz da 6ª Vara Cível, André Luis Bicalho Buchignani, porém, negou o pedido por entender que não havia a probabilidade de direito e o risco na demora de decidir, que são os elementos necessários para a liminar (processo nº 1007304-19.2020.8.26.0071).

O advogado do posto, João Guilherme Claro, do escritório Claro Advocacia, diz que não pretende recorrer da decisão liminar. O posto vai aguardar o julgamento de mérito. “Amigavelmente se recusaram a negociar. O que oferecem é muito pouco”, afirma.

O diretor jurídico da BR Distribuidora, Henry Daniel Hadid, alega que as distribuidoras investem muito na marca, logística e no produto e que os clientes confiam na marca da bandeira do posto. Por isso, a venda de combustível de outra origem passaria a informação errada ao consumidor. “Há um problema concorrencial porque o revendedor acaba se aproveitando do investimento que a distribuidora fez sem participar dos custos”, diz. “A exclusividade do contrato de distribuição de combustível é o alicerce desse mercado.”

O diretor afirma que a distribuidora promoveu um pacote de medidas para auxiliar os revendedores nesse período. “Temos uma preocupação enorme de o ecossistema funcionar perfeitamente”, diz. “Os problemas dos revendedores estão sendo tratados caso a caso.”

Todos os dias, segundo o advogado Marcos Velloza, sócio de contencioso cível e arbitragem do escritório Velloza Advogados, aparecem clientes com pedidos de renegociação de contratos. Sua orientação a credores e devedores é tentar negociar antes de levar as demandas à Justiça.

Para Velloza, no caso dos postos de gasolina, a pandemia não seria justificativa para romper a exclusividade, já que a bandeira constitui um comércio baseado naquele produto. “Negociar faturas e vencimentos é diferente de pedir para comprar de outra distribuidora”, diz.

Diego Barbosa Campos, da área cível do escritório Figueiredo e Velloso Advogados, afirma que hoje há mais acordos do que judicialização. De acordo com ele, não basta na Justiça alegar a existência da covid-19. É necessário ao credor, acrescenta, demonstrar que não consegue honrar compromissos por causa da pandemia.

Fonte: Valor Econômico