Legados de uma tradição em inovar
11-03-2019

A resistência de fungos, insetos e ervas daninhas à química dos agrotóxicos é uma das maiores preocupações de pesquisadores agronômicos no Reino Unido. A estimativa é que globalmente perde-se de 20% a 30% do rendimento das lavouras para as pragas resistentes.

"Nos tornamos dependentes de pesticidas. Um dos grandes problemas é que, usando muito esses produtos, acabamos tendo fungos, pestes e pragas que se tornaram resistentes, algo parecido ao que acontece com os antibióticos", diz o biólogo Paul Neve, chefe do programa de Smart Crop Protection (Proteção Inteligente de Colheitas), do Rothamsted Research.

"Existe um número limitado de pesticidas. Se os usamos com muita frequência, as pragas irão desenvolver resistência", afirma. "É um bom sistema porque é muito simples de usar. Mas tem esse efeito colateral". Segundo ele, o custo para a indústria desenvolver um novo defensivo agrícola é de quase US$ 250 milhões.

Neve é pesquisador do Rothamsted Research, o mais antigo campo de provas de experiências agrícolas do mundo. Fundado em 1843, fica em Harpenden, noroeste de Londres. Ali trabalham 500 pessoas de mais de 25 países. O orçamento anual para pesquisa é de aproximadamente 35 milhões de libras esterlinas. No Brasil, o instituto mantém parcerias com Embrapa, USP e Unesp, Instituto Agronômico de Campinas (IAC), entre outros.

"Acho que o Reino Unido estava no limite de usar produtos químicos intensivamente e por tanto tempo", afirma o agrônomo Ian Shield. Foi assim durante a década de 1980. "Havia muito dinheiro no setor, comprar produtos químicos não era problema e o rendimento superava em dez vezes os gastos", continua. Hoje, diz ele, a tendência no país é reduzir o uso de produtos químicos na agricultura. "Começamos a sentir o problema quando verificamos a resistência das pragas. Isso foi muito mais determinante para diminuir o uso do que custos ou qualquer campanha ambiental", afirma Shield.

Uma das iniciativas dos pesquisadores de Rothamsted é desenvolver um forte monitoramento das pragas. Um exemplo são torres de 12 metros de altura espalhadas pelo país que atraem insetos e os aprisionam. É uma maneira de identificá-los e avisar os agricultores sobre as nuvens de insetos se aproximando. "Podemos desenvolver modelos para entender quando os insetos chegarão em algumas áreas e avisar os agricultores", diz Neve. Desta forma, o uso de pesticidas se torna mais eficiente, segundo ele.

No Rothamsted, também há pesquisas inovadoras com ervas daninhas. Drones são usados para descobrir se há esporos no ar. Com o uso de inteligência artificial, analisa-se a concentração deles. Segundo os pesquisadores, com mais informação, evita-se o desperdício de química nas culturas agrícolas.

Os pesquisadores de Rothamsted também trabalham com adaptação à mudança do clima, uso eficiente de nutrientes, resistência a doenças e insetos, Big Data agrícola, uso de inteligência artificial, entre outros campos.

Um dos exemplos é uma máquina de seis metros de altura que funciona como um scanner do campo. O equipamento analisa a cultura da semeadura à colheita. A tecnologia detecta como crescem as plantas, se estão desidratadas, se há doenças. Sensores medem os nutrientes da planta, o uso de água. Os dados ajudam os pesquisadores a entender porque algumas variedades produzem muitos grãos e outras são mais resistentes à mudança do clima, por exemplo.

Rothamsted Research é também conhecido por abrigar Broadbalk, um pedaço de terra de seis hectares dividido por 20 faixas perpendiculares com intervalos entre elas. Uma delas nunca recebeu fertilizantes artificiais. Outra nunca foi pulverizada com herbicidas, e uma terceira jamais recebeu fungicidas. Também há uma faixa árida, sem nada plantado e livre para a ação da natureza. O manejo diferenciado do uso do solo é, assim, a base das experiências, e a diferença entre tratamentos dados às faixas de terra permite a comparação de resultados.

Outra área, batizada de Park Grass, é a mais antiga experiência com pastagem do mundo. Foi iniciada em 1856. O objetivo era investigar a rentabilidade com a aplicação de fertilizantes inorgânicos e também de adubo orgânico.

"Nossa tradição tem sido tornar esses recursos únicos disponíveis para pesquisadores de todo o mundo", diz o folder do instituto.

Os níveis de chuva na região são medidos desde 1853. Os dados de temperatura remontam a 1873. Lá, eles observam até a temperatura do solo, que vem aumentando.

Rothamsted possui um arquivo com amostras de solo e plantas que data de 1843, elas são estocadas em garrafas de vidro ou latas. O arquivo é usado por pesquisadores de universidades e institutos do Reino Unido e de fora como referência para estudos de poluição, fertilidade do solo e nutrição das plantas.

"O solo está cheio de vida. Existe mais vida embaixo da terra do que sobre ela", afirma o físico John Crawford, especialista nas conexões, estruturas e micróbios que vivem ali. "Tentamos entender como o solo estoca água, como tudo isso se converte em carbono e em nutrientes", acrescenta o pesquisador do Rothamsted.

Crawford lembra que há mais carbono estocado no solo do que em todas as plantas e atmosfera combinadas. "Se fizermos pequenas mudanças no carbono do solo, podemos alterar significativamente os níveis de CO2. "Pode-se ter muita emissão de metano em solos mal manejados", afirma ele.

Ele diz que estudos de solo podem ajudar a equacionar três grandes desafios globais: mudança do clima, estresse hídrico e segurança alimentar. "Solo é o nosso ‘hub’ de risco porque faz todas essas conexões", prossegue o físico.

O pesquisador conta, por exemplo, que nutrientes químicos são bons para as plantas, mas não para os micróbios ativos no solo e que agem fortalecendo suas estruturas. "Com esses tratamentos, o solo degrada com o tempo. Fica mais poroso, segura menos água, torna-se menos conectado", continua o especialista. É possível, no entanto, reverter esse processo. É difícil estimar o tempo, afirma, mas em dez anos, provavelmente, é possível recompor as estruturas do solo.

"Eu me interesso em como conseguir uma transformação na agricultura em escala e no espaço", continua o físico, que trabalhou em modelos agronômicos em 100 vilarejos na China. Há estudos em curso também na Colômbia.

Também em Park Grass, estudos sobre concentrações de plutônio e urânio vem sendo feitos em amostras nos últimos 50 anos na área de pesquisas. Ali foi possível detectar, por exemplo, que a contaminação por plutônio de testes nucleares no Deserto de Nevada, nos EUA, em 1952, chegou ao nordeste da Europa.

Dados de Rothamsted foram usados nos modelos climáticos do renomado Hadley Center, um dos institutos de pesquisas e previsão da mudança do clima mais famosos do mundo.

A jornalista viajou a Harpenden a convite da Embaixada do Reino Unido e do projeto "Brasil-Reino Unido Ano de Ciência e Inovação"

Por Daniela Chiaretti

 

 

Fonte: Valor Econômico