Melhorar a relação com o agronegócio - Antonio Delfim Netto
20-08-2014

Um desavisado marciano que desembarcasse hoje no Brasil teria muita dificuldade de entender como um setor agropecuário relativamente bem-sucedido pode ser tão hostil ao poder incumbente. De fato, a produção de grãos no último quadriênio cresceu à taxa de 6,7% ao ano com a área plantada aumentando 4,6% e a produtividade por hectare à taxa de 2%, como se vê na tabela abaixo. Isso transformou o Brasil num dos mais importantes produtores e exportadores de produtos agropecuários do mundo como registra a segunda tabela.

Vemos que entre dez importantes produtos do agronegócio somos o primeiro em seis deles, o que revela a nossa competitividade. É claro que isso é o resultado do trabalho dos agricultores, somado ao apoio do crédito subsidiado e dos excelentes planos de safra do governo.

Esses vêm ampliando seu escopo, incluindo o setor de floresta, o seguro rural, o armazenamento etc. Além do mais, há um aspecto do aumento da taxa de retorno implícita do agronegócio, que tem sido convenientemente esquecido nesses tempos de Piketty. Trata-se do dramático aumento do valor real da terra explorada pelo setor, desde que começou a grande expansão das suas exportações.
Fonte confiável (Agrianual, Economática) mostra que um hectare médio passou de R$ 2.800 em 2002 para R$ 6.300 em 2013 em termos reais: uma valorização ativa anual entre 7% e 8% do principal patrimônio do setor, que se soma ao retorno da atividade. Infelizmente, todo esse sucesso foi obscurecido por um desastre da política no nível macro: o uso abusivo do controle dos preços da gasolina para "retardar" o registro do seu efeito no aumento do IPCA.

Como a energia contida num litro de álcool é, grosseiramente, 70% da contida num litro de gasolina, o sistema só pode funcionar se ambos os preços forem livremente fixados pelo mercado, que estabelecerá a relação dos preços do álcool e da gasolina, em 0,7. Quando o preço da gasolina é resultado de um monopólio estatal - e, portanto, arbitrariamente fixado para atender à política de combate da inflação - o sistema exige que ele incorpore uma cunha tributária que os trate diferente.

Esse era o papel da velha Cide, consumida na cruzada anti-inflacionária. Isso prejudicou imensamente o setor e, colateralmente, desvalorizou as ações da Petrobras, uma empresa aberta, com milhares de acionistas privados, nacionais e estrangeiros. No mês passado, apesar da valorização artificial da taxa de câmbio, o preço da gasolina, na porta da refinaria, estava, pelo menos, 15% abaixo do seu preço internacional.

O setor tem sido maltratado, ainda, pela insensibilidade da agência reguladora em estimular o uso da bioeletricidade com leilões diferenciados. E, também, pelo atraso da sua disposição firme de fazê-lo. Se houvesse convicção que a bioeletricidade continua prioridade no planejamento do governo, isso daria previsibilidade à taxa de retorno e estimularia os investimentos.

No que respeita à produção de energia renovável de origem vegetal, as coisas parecem um pouco melhor com a recente decisão do governo de aumentar a participação do biodiesel de 5% (o B5, estabelecido em 2005) no diesel mineral, para B6 e para B7 em novembro próximo. Isso dá alguma esperança de que possamos ter, em futuro não distante, o B10 sugerido pela Abiove.

Apesar do grande esforço do governo e da mediação da corajosa senadora Katia Abreu, continua a haver um grande desconforto do setor com relação a outros problemas que não vão morrer de velhice: insegurança sobre a demarcação de terras de índios e quilombolas, que deveria ter terminado em 1993; dificuldade de definir objetivamente o que é trabalho "escravo", que sujeita o setor à discricionariedade do órgão fiscalizador; absurdas decisões da Justiça do Trabalho sobre a terceirização (agora do STF); dificuldades de entendimento das importantes implicações do fundamental Cadastro Ambiental Rural (CAR) etc.

Sem solução razoável e definitiva dessas questões remanescerá um ponto escuro na previsibilidade que dá tranquilidade ao setor. O que falta fazer é pouco. Está ao alcance do governo melhorar as expectativas do setor agropecuário, que deu ao Brasil segurança alimentar interna e salvou-o externamente com suas exportações.

Antonio Delfim Netto é Professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.