MPF requer à Justiça que ANP permita aos postos de combustível adquirir etanol diretamente das usinas
06-12-2019

O Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina ajuizou ação civil pública na Justiça Federal de Joaçaba (SC) requerendo que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) deixe de obrigar o comércio varejista do etanol combustível a adquirir o produto exclusivamente das distribuidoras autorizadas. A obrigatoriedade, imposta pela ANP, conforme a ação assinada pelo procurador da República Anderson Lodetti de Oliveira, do MPF em Caçador, "ofende, de forma injustificada e desarrazoada, a livre iniciativa, a livre concorrência e atenta contra a eficiência do sistema econômico".

"O pedido da ação civil pública é para que os produtores de etanol combustível possam vender aos postos varejistas que tiverem interesse na aquisição direta. Aqueles que preferem a compra dos distribuidores poderão também fazê-lo porque o objetivo é justamente garantir o livre mercado", esclarece Lodetti.

Da forma como o mercado do etanol é regulamentado atualmente pela ANP, os postos só podem adquirir o combustível das distribuidoras. Os varejistas não podem comprar diretamente dos produtores. Caso isso fosse possível, o produto chegaria mais barato aos consumidores. De acordo com o sistema de proteção da concorrência, nacional e internacional, somente uma justificativa de ganho real para o sistema produtivo, para a eficiência do mercado ou para o consumidor, poderiam justificar essa reserva de mercado às distribuidoras.

A ACP teve como origem documentos reunidos em Inquérito Civil nº 1.33.004.000034/2018-03, instaurado pela Procuradoria da República em Caçador. O procedimento teve início a partir da representação de um cidadão, denunciando que o etanol combustível fica mais caro quando passa pelas distribuidoras, seja porque essas empresas buscam o lucro com sua atividade, seja porque muitos repasses de reduções e descontos na refinaria simplesmente não chegam ao consumidor, já que as distribuidoras não compartilham essas reduções com os postos.

O Ministério Público Federal entendeu que a Agência Nacional do Petróleo não está garantindo os princípios constitucionais da ordem econômica, especialmente a livre iniciativa, a concorrência e a proteção do consumidor. "Obrigar que a usina enderece sua produção às distribuidoras, impedindo que vendam diretamente aos postos varejistas, é um atentado à eficiência, à livre organização do mercado e dos agentes econômicos atuais e potenciais", argumenta o procurador Lodetti na ACP. "Vai contra o ganho de eficiência e a livre iniciativa e livre concorrência, o que é inclusive vedado pela lei da proteção da concorrência brasileira ( ou lei anti-trust; lei 12.529/11)."

Parceiros "abençoados" - De acordo com a ação, a ANP impede o acesso de agentes econômicos distribuidores, armazenadores de etanol "e simplesmente retira essa atividade da livre iniciativa e entrega-a a um grupo de ´abençoados´ parceiros, porque as distribuidoras simplesmente são autorizadas pela ANP a monopolizar uma atividade que não tem nenhuma razão de estar fora da atividade de livre mercado".

Não há uma justificativa para a ANP obrigar as usinas de etanol a venderem exclusivamente às distribuidoras, diz a ação, restringindo horizontalmente o mercado de aquisição e armazenamento do etanol produzido na indústria nacional. As distribuidoras não realizam nenhum processo de melhora, alteração ou composição química no etanol combustível, não havendo razão para passar obrigatoriamente por seus tanques de armazenamento antes de serem adquiridos pelos postos varejistas de combustível, que abastecem os veículos movidos a álcool.

"No caso da gasolina e do diesel as distribuidoras exercem atividade de composição, alteração e melhoria, porque o petróleo é adquirido das refinarias, às vezes importado, e é nas distribuidoras que ele é processado para se adequar aos padrões nacionais. Por essa razão, as distribuidoras estão obrigatoriamente na cadeia econômica da gasolina e do diesel", diz o procurador Anderson Lodetti de Oliveira.

"Mas no caso do etanol combustível, o distribuidor não realiza processo nenhum", observa. Só recebe da usina, armazena e repassa aos postos. "Manter, por resolução da ANP, o distribuidor nessa cadeia é o que a ação visa corrigir, porque sua obrigatoriedade enseja consequências extremamente danosas não só à cadeia produtiva do etanol, pois a partir dela suprime-se a competitividade e atratividade do produto e, especialmente, ao consumidor, que é compelido a suportar as desnecessárias despesas de um modelo de distribuição ineficiente, anacrônico, eivado de ilegalidades e numa total ausência de concorrência entre o produtor de etanol e o distribuidor."

Modelo de fiscalização - Na exposição, o MPF afirma ainda que a venda direta aos postos revendedores não ocasionará qualquer prejuízo ao atual modelo de fiscalização dos combustíveis, porque o etanol continuará saindo lacrado e certificado das unidades produtoras, indo direto ao posto revendedor, onde poderá, de igual forma, sofrer fiscalização, tanto pelo próprio varejista como pelo consumidor final.

A alegação da ANP, para justificar a obrigatoriedade das distribuidoras no processo, de que a fiscalização é mais fácil quando elas participam da cadeia econômica do etanol, "é despropositada porque a fiscalização do etanol combustível nas distribuidoras não garante que ele não sofrerá nenhuma adulteração quando colocado à venda nos postos varejistas".

Conforme a argumentação da ação, as resoluções do órgão regulador que proíbem a comercialização do etanol hidratado das destilarias para os postos revendedores "revela-se em desconformidade com o ordenamento jurídico pátrio, e, por conseguinte, configura impedimento ilegal ao exercício de direitos expressamente garantidos em lei federal e na Carta Magna".

Ações semelhantes serão ajuizadas ainda esta semana na Justiça Federal de Caçador e de Rio do Sul (SC).

Fonte: Ministério Público Federal em SC