Novo impulso ao etanol celulósico no país
18-06-2020

A produção brasileira de etanol celulósico, ou de segunda geração (2G), que patina há anos por dificuldades tecnológicas e falta de incentivos, poderá ganhar estímulo extra com o desenvolvimentos de inovações que já começam a sair do forno.

O Laboratório Nacional de Biorrenováveis, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBR/CNPEM), acaba de criar um coquetel enzimático com fungos geneticamente modificados que poderá ser fabricado dentro das próprias usinas e a custos mais baixos, o que tende a facilitar o processo produtivo.

A novidade se soma a outra anunciada recentemente pela Embrapa e pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), que também desenvolveram um coquetel a partir de três micro-organismos, incluindo transgênicos. A pesquisa do LNBR, porém, já conseguiu ser replicada em uma planta-piloto e está mais próxima de ser lançada no mercado por ter patentes em processo avançado de registro.

As enzimas são um elemento central da produção de etanol celulósico, por serem as responsáveis, no Brasil, pela quebra da biomassa da cana (palha e bagaço) e sua transformação em sacarose. Atualmente, as duas usinas de etanol 2G no país – uma da Raízen Energia e outra da GranBio – só têm à disposição enzimas produzidas no exterior, por três empresas.

A principal vantagem de uma enzima produzida nacionalmente é a redução de custos na fabricação do etanol celulósico, ainda considerados uma barreira para a competitividade do biocombustível. A enzima representa entre 30% e 40% do custo de produção.

Esse percentual depende do nível de tecnologia empregada na usina e se há ou não integração com a produção convencional de etanol. Em geral, o custo das enzimas para o etanol 2G varia de US$ 4 a US$ 10 o quilo. “Nossas modelagens indicam que o custo [do coquetel do LNBR] está abaixo desse limite inferior – dependendo do processo, fica em torno de US$ 3 [o quilo]”, disse Mario Murakami, líder da pesquisa no laboratório.

O LNBR está patenteando seu fungo – modificado geneticamente para produzir as enzimas desejadas para realizar a hidrólise (quebra) da biomassa – e também o bioprocesso de produção da enzima. Na plataforma desenvolvida, o fundo digere insumos orgânicos produzidos como resíduos no próprio processo industrial da usina, como melaço e leveduras.

“As modificações genéticas foram feitas pensando na integração da indústria sucroenergética brasileira”, afirmou Murakami. Nada impede, porém, que a tecnologia seja usada em outras rotas de produção de etanol 2G comuns em outros países, que utilizam como matéria-prima, por exemplo, palha de arroz e resíduos florestais. O coquetel enzimático pode ser utilizado inclusive em outras cadeias produtivas, como as de nutrição animal, alimentos e bebidas.

“Para cada arquitetura [de celulose em uma biomassa] é preciso um ajuste fino na composição do coquetel. Faço essa regulação aumentando ou reduzindo uma enzima “desligando-a” [na transgenia]. Nosso fungo está completamente domesticado”, disse.

Um dos principais fatores de redução de custo é a alta produtividade de enzimas que uma empresa poderá alcançar em sua própria usina. A cepa do fungo da LNBR obteve rendimento de 80 gramas por litro de enzimas, o que representa uma taxa de conversão de resíduos em enzima de 40%. A taxa de conversão em enzimas descrita na literatura científica varia de 5% a 25%. Além disso, o coquetel enzimático do laboratório também teve eficiência semelhante à das enzimas comerciais no processo de sacarificação (transformação de biomassa em sacarose), disse o pesquisador.

Para uma usina que queira investir em etanol celulósico com produção própria das enzimas a partir da tecnologia do LNBR, é preciso um aporte de “algumas dezenas de milhões de reais” em equipamentos, que pode variar conforme capacidade industrial e tipo de tratamento dado à biomassa, entre outros fatores, segundo Murakami.

Se o aporte inicial pode ser elevado, o retorno pode vir de várias formas. Para uma usina comprar as enzimas disponíveis hoje, ela arca com custos de importação, refrigeração durante o transporte, armazenamento e downstream.

As duas patentes do LNBR já receberam pareceres internacionais favoráveis e aguardam o registro final para que o licenciamento possa começar. Como o laboratório é uma organização sem fins lucrativos, há conversas com empresas para que a tecnologia seja disponibilizada no mercado.

Já Embrapa e CTC pediram registro de patente de seu coquetel em novembro e estão em busca de empresas capazes de produzir a novidade em escala industrial.

Fonte: Valor Econômico