O futuro pertence à produção sustentável
03-05-2019

 

Se nos últimos 20 anos o Brasil construiu as bases para aproveitar vantagens naturais e se consolidar como um dos maiores produtores e exportadores de grãos e carnes do mundo - posição que já ocupava em mercados como café, açúcar e suco de laranja -, nas próximas duas décadas terá o desafio de ampliar o que conquistou em meio a importantes transformações geopolíticas e mudanças de comportamento do consumo.

Mas, se para tornar viável um aumento do valor bruto da produção (VBP) das principais cadeias de sua agropecuária, de cerca de R$ 185 bilhões, em 1999, para quase R$ 600 bilhões, e ver as exportações do setor acompanharem o ritmo e superarem US$ 100 bilhões por ano, o país fez valer vantagens naturais como clima e área e contou com uma lógica empresarial mais moderna, tecnologias e crédito rural subsidiado, agora terá que avançar em outras frentes. E rapidamente.

Como alertam especialistas como o ex-ministro Roberto Rodrigues, o economista Alexandre Mendonça de Barros, Maurício Cardoso de Moraes, sócio da PwC Brasil, e o presidente da Cargill no país, Luiz Pretti, entre muitos outros, o agronegócio brasileiro terá que avançar na profissionalização de produtores e agroindústrias, manter os olhos abertos à inovação, contar com a habilidade dos governos em negociações comerciais para a manutenção de abertura de mercados e se acostumar com um ambiente em que o custo de capital dependerá cada vez mais da competência.

E, tão ou mais importante do que tudo isso, o agronegócio nacional terá que ser irredutível em relação à sustentabilidade ambiental, social e trabalhista da produção dos alimentos que oferta nos mercados doméstico e internacional, sob o risco de ver sua reputação ir por água abaixo e perder espaço nas gôndolas e pratos de uma população muito mais exigente com a qualidade do que consume e bem menos paciente com falhas nessa frente.

"O sucesso do agronegócio brasileiro nos últimos 20 anos não será suficiente para garantir o sucesso nos próximos 20. Os clientes e consumidores dos produtos do setor serão diferentes, a rastreabilidade será fundamental, tecnologias disruptivas como a carne de laboratório vão se acelerar e fundos 'verdes' ganharão espaço no financiamento. Ou nos conscientizamos ou não conseguiremos atender à maior parte do crescimento da demanda mundial por alimentos prevista para as próximas década, como se espera", diz Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).

 Brito não assumiu a entidade que representa agroindústrias que atuam no país à toa. Foi escolhido por ser uma das vozes mais ativas sobre a necessidade de o país entrar logo em trilhos sustentáveis. E uma voz ativa forjada no segmento de óleo de palma - trabalha desde 1997 na Agropalma, instalada no Pará, na qual é diretor-executivo desde 2016 -, que sofre pressão de ambientalistas em países do Sudeste Asiático que lideram a oferta mundial do produto e desidrata a cada desmatamento ou situação degradante de trabalho identificada por organizações não-governamentais atentas e atuantes.

Brito dialoga permanentemente com essas ONGs e participa de eventos com clientes e consumidores do agronegócio global no mundo todo. Aos 55 anos, conhece cadeias produtivas de mais de 40 países e, nos diversos fóruns de discussão que se envolve nas mais diferentes regiões agropecuárias do país, não se incomoda ou muda de tom quando a plateia formada por produtores ou executivos "das antigas" torce o nariz para seus alertas.

"Não é verdade, por exemplo, que a China não liga para os modelos de produção dos alimentos que importa. A chinesa Cofco e a trading Wilmar, que dominam o mercado de soja em grão e óleos vegetais do país asiático, por exemplo, assumiram compromissos internacionais de sustentabilidade ambiental, social e econômica que serão seguidos com rigidez. A China já é um dos países que mais reflorestam, enquanto o Brasil ainda é um dos que mais desmatam, em larga medida graças à grilagem e ao mercado ilegal de madeira", diz.

A China foi vital para o crescimento do agronegócio brasileiro a partir do início dos anos 2000. Grande importador de soja em grão e carnes, o país absorveu pouco mais de 30% das exportações do setor do Brasil no primeiro trimestre deste ano. As compras somaram US$ 6,8 bilhões, US$ 1 bilhão a mais que no mesmo período de 2018, e tendem crescer em valor agregado com a ampliação das importações de carnes em virtude do surto de peste suína africana que hoje abala sua segurança alimentar.

"Outra questão importante é que a Europa, por mais que não tenha mais uma demanda em expansão como no passado, é e continuará a ser uma formada de opinião das mais influentes no mundo. Então temos que prestar atenção, por exemplo, ao fato de que 60% dos franceses querem saber a origem dos alimentos que compram. E isso também vale para alemães e ingleses. Ou para consumidores dos EUA, país que vêm investindo muito na rastreabilidade de seus produtos", diz o executivo.

Nesse contexto, Brito encara com preocupação o movimento em curso no Brasil por mudanças no Código Florestal que poderão gerar uma permissividade maior em relação a reservas legais. Ou algumas discussões sobre a Amazônia que, sabe, não são bem entendidas no exterior. "Há milhões de hectares degradados na região amazônica que podem ser ocupados por atividades produtivas - afinal, dentro da floresta mais rica está o povo mais pobre. Mas temos que proteger o restante sob pena de perder mercados."

Esse risco, observa o presidente da Abag, aumenta entre os millennials, também conhecidos como geração Y. Para essas pessoas nascidas entre a década de 1980 e os anos 2000, consumir carne de origem vegetal é algo perfeitamente normal e aceitável, em parte, por não prejudicar o ambiente. "Grandes players que atuam no mercado brasileiro de alimentos são multinacionais. Temos que acompanhar esse movimento e entender como será o consumidor em 20 anos. Ou construímos uma estratégia para o setor ou nos restará gritar e espernear sem sucesso nenhum", afirma o executivo.

Valor Econômico - 02/05/2019