O peso da balança
11-04-2014

Uma lei está tirando o sono dos profissionais da área de motomecanização das usinas e tende a ser mais um peso sobre a competitividade do setor: a “Lei da Balança”. Na verdade, o problema é causado não exatamente por uma lei, mas sim Resoluções do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) que estabelecem limites de peso para tráfego de veículos. “Estas resoluções são criadas pelo Contran com suporte no art. 99 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)”, relata o advogado Fábio Luiz Pereira da Silva, da área trabalhista do escritório Pereira Advogados, de Ribeirão Preto, SP.

No caso específico do setor, que usa combinações de veículos para transporte de cana colhida, existe a Resolução Contran nº 211, de 13 de novembro de 2006, a qual cria os requisitos necessários à circulação de Combinações de Veículos de Carga (CVC), a que se referem os arts. 97, 99 e 314 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Mas Silva relata que em 1984 já havia resolução do Contran no mesmo sentido, estabelecendo limite de peso para combinações de veículos, com limites entre 47 e 73 toneladas. “Era a Resolução nº 631, de 1984, que já tinha esta previsão. Ela foi revogada pela Resolução nº 68/ 1998, que também fixava o limite em 74 toneladas. A Resolução nº 68/ 98 foi revogada pela atual Resolução (211/ 2006). “Portanto, a não ser que haja nova mudança na legislação, aumentando o limite do peso a ser transportado, as usinas terão que se adaptar ao limite de 74 toneladas. E, como já dito, a mudança deste limite, segundo os órgãos técnicos do Contran, esbarra nas condições de construção de pavimentos, pontes e viadutos, as quais no Brasil não foram implementados para suportar peso superior.

Segundo o consultor Luiz Nitsch, da Sigma Consultoria Automotiva, relembra que, desde a implementação da “Lei da Balança”, nos anos 70, os rodotrens daquele tempo, com caixas de carga "pequenas", transportavam canas inteiras, de muito menor densidade. Portanto, mais leves. Tais equipamentos não conflitavam com a legislação.

Com o advento da mecanização da colheita, gradualmente o mercado foi exigindo caixas de carga cada vez maiores e mais pesadas. “Os fabricantes de implementos rodoviários prontamente atenderam às exigências do mercado; concomitantemente as montadoras de caminhões passaram a fornecer caminhões com motores cada vez mais potentes.” Mas, lenta e gradualmente, principalmente o DRT, apoiado na “velha Lei da Balança”, passou a autuar as usinas. “Começou em Goiás, depois Minas Gerais, depois Mato Grosso e, nos próximos meses, provavelmente São Paulo passa a fazer parte desta lista.”

Silva explica que a resolução que vigora foi criada com a intenção de atender os princípios que regulam a circulação de veículos no território nacional, ou seja, garantir segurança, fluidez, conforto, defesa ambiental e educação para o trânsito. Em específico, a questão envolvendo limites de peso para transporte está ligada à segurança dos usuários das rodovias, estradas, avenidas, ruas etc, estando o tema vinculado à proteção do pavimento, veículos, equipamentos e, por consequência, dos cidadãos.

MAIS CUSTOS, MENOR COMPETITIVIDADE – A “Lei da Balança” afeta as usinas de açúcar e álcool, pois utilizam veículos para transporte, seja da cana a ser industrializada, seja de produto comercializado (etanol e açúcar, quando isto não está sob a responsabilidade do comprador), bem como insumos, maquinaria, peças, equipamentos, entre outros.

Para Nitsch, a resolução prejudica muito as usinas, na medida em que limita o PBTC (Peso Bruto Total Combinado) das atuais composições canavieiras, utilizadas na modalidade do "bate-e-volta", ou seja, os chamados rodotrens, que são formados por um cavalo-trator 6X4, um semi-reboque de dois eixos e um reboque de quatro eixos, com caixas de carga de 11,8m ou 12,5m por 2.60m por 4,40m.

“A alegação é que, uma vez ultrapassado o PBTC legal, a composição fica perigosa para o trabalhador-motorista, nos aspectos dos freios e suspensões. Nada mais surreal, já que o PBTC técnico oferecido pelas montadoras permite boa margem de segurança naqueles itens”, explica Nitsch.

Ele salienta que o grande problema é que os atuais implementos rodoviários "grandes" (11,m e 12,5m) foram homologados pelo Contran e adquiridos massivamente pelas usinas nos últimos anos. “Várias delas, inclusive, ‘espicharam’ seus implementos rodoviários de 9,80m, 10m, 10,20m, 10,40m ou 11m para 12,50m, a fim de poderem transportar mais cana por viagem. O que se vai fazer agora com estes implementos? Muito provavelmente, para não ter que sucateá-los, voltar a ‘encurtá-los’ para 9,60m, que é o comprimento (quando a caixa de carga é de aço estampado ou expandido) que limita o PBTC dentro das 74 toneladas.” Os cavalos-tratores atuais com potências entre 420 e 540 CV ficarão superdimensionados para estes implementos "pequenos". “Sem falar no redimensionamento da frota do transporte de cana, que terá de ser majorada em aproximadamente 35%.”
Em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul a fiscalização tem sido mais rigorosa. “Mas já tivemos notícia de que o assunto passou a repercutir em todo o Brasil, inclusive no interior do Estado de São Paulo”. Segundo ele, recentemente foi divulgado pela mídia que houve inspeção nas rodovias da região de São José do Rio Preto, bem como na região de Araraquara.

Silva relata que já houve autuação em Minas Gerais por conta da resolução. A multa varia de acordo com o número de empregados e pode chegar a R$ 6.708,09, a cada constatação de irregularidade.

A fiscalização de trânsito já opera no Estado de São Paulo – maior produtor de cana-de-açúcar do País -, mas depende da constatação pelas balanças alocadas nas rodovias/estradas. “Quanto à fiscalização trabalhista, não tenho notícia de aplicação de multa especificamente quanto a este tema, mas já participei de inspeção do Grupo Móvel Estadual, em que o assunto foi aventado. Mas isso não quer dizer que, em algum caso isolado, tal infração não possa ter sido detectada. O assunto pode não ter sido divulgado, diferente do está acontecendo agora em Minas Gerais”, revela o advogado.

Para Nitsch, o que estabelece a “Lei da Balança” não é adequável para o setor sucroenergético. “Pelo menos deveria haver certa flexibilização para quem já possui tais equipamentos. Outra solução/alternativa seria a homologação do rodotrem de doze eixos, que permite que composições de 30m de comprimento (com caixas de carga de 12,5m) operem rigorosamente dentro dos valores de peso previstos na resolução, para veículos com eixos triplos.” Segundo ele, como efeito colateral várias vantagens técnicas seriam incorporadas neste novo perfil, tais como melhor frenagem, melhor estabilidade, maior durabilidade de pneus.

Obviamente, o PBTC do rodotrem de doze eixos passaria das 74 para 99,5 toneladas. “Todavia com muito mais racional distribuição dos pesos por roda sobre o solo, menor do que a atual.” O custo da transformação (bem feita, em concessionários autorizados) ficaria em volta de R$ 96 mil, custo próximo ao tal "encurtamento" das duas caixas de carga do rodotrem. “É difícil afirmar se a lei inviabiliza o transporte, mas o custo do enquadramento seria colossal.”

AMENIZAR AS CONSEQUÊNCIAS - Silva lembra que o argumento dos setores de logística das unidades sucroenergéticas é de que todas as frotas existentes não estão adaptadas ao limite da Resolução, até porque os caminhões e carretas contêm permissão para transportar peso superior, conforme consta no manual e demais documentos emitidos pelos fabricantes. Assim, as frotas foram se formando nestas condições. “De um momento para outro, mudar o que já está consolidado implicará em um investimento altíssimo, seja para aquisição de novos equipamentos ou mesmo para adequação dos existentes. Toda a logística será afetada.”

Nitsch diz que as usinas teriam de enquadrar seus rodotrens, no máximo, a 74 toneladas de PBTC. Segundo ele, em reunião do Gmec (Grupo de Motomecanização), foi apresentada uma planilha elaborada por uma usina com detalhes financeiros: “se todas as usinas do Brasil tivessem que, hipotética e abruptamente, abandonar seus atuais equipamentos e adquirir novos e menores implementos rodoviários, teriam que arcar com R$ 4 bilhões em números redondos. O lucro total das usinas brasileiras está distante deste valor. É um gasto absolutamente inviável, principalmente nesta atual fase ruim do setor”.

Para atenuar as consequências da resolução, em Minas Gerais já existe um acordo celebrado em uma das ações ajuizadas pelo MPT de Uberlândia. Neste acordo, a usina se comprometeu a, gradualmente, adequar sua frota ao que determina a lei, de modo que toda a frota atenda o que determina a legislação. Também existe, em outra ação ajuizada, uma tentativa de conciliação, pois, neste caso específico, a usina já perdeu em duas instâncias e foi concedida medida liminar para adequação imediata da frota. Isto é, não foi concedido nenhum prazo para regularização. “Portanto, a usina está se esforçando para ou derrubar a medida liminar e continuar a discutir o assunto judicialmente ou viabilizar um acordo para não sofrer penalidades de imediato."

Punições previstas pela Lei da Balança
A Resolução Contran nº 211, de 2006, se aplica a todas as vias terrestres, urbanas e rurais, em que haja circulação de veículos, contempladas no CTB (Código de Trânsito Brasileiro), ou seja, ruas, avenidas, logradouros, caminhos, passagens, estradas e rodovias, independente do tipo de pavimento (asfalto ou terra) e com circulação aberta à população em geral. “Em tese, portanto, não se aplica a estradas particulares, desde que estas tenham mecanismos que impeçam o acesso de terceiros (portões, porteiras, guaritas etc). Se for uma via particular, mas aberta à circulação, a Resolução se aplica”, esclarece Silva.

O advogado relata que, para fins das normas de trânsito, aplicam-se as punições previstas no inciso V do art. 231 do CTB, observado o limite de tolerância de 5%. São elas:

- Infração - média;
- Penalidade - multa acrescida a cada duzentos quilogramas ou fração de excesso de peso apurado, constante na seguinte tabela:

a) até 600 kg - 5 UFIR;
b) de 601 kg a 800 kg - 10 UFIR;
c) de 801 kg a 1.000 kg - 20 UFIR;
d) de 1.001 kg a 3.000 kg - 30 UFIR;
e) de 3.001 a 5.000 kg - 40 UFIR;
f) acima de 5.001 kg - 50 UFIR;
- Medida administrativa - retenção do veículo e transbordo da carga excedente.

Lembrando que a UFIR foi extinta e o valor das multas deve, portanto, ser multiplicado pelo último índice divulgado daquela taxa, isto é, 1,0641, chegando-se à importância da multa em reais.
“A fiscalização trabalhista também passou a autuar as empresas, ao argumento de que o excesso de peso causa insegurança ao trabalhador. Neste caso, a penalidade está definida na Norma Regulamentadora (NR) nº 28 do MTE, que pode variar de acordo com o número de empregados, de 630 a 6.304 UFIR, valores que também devem ser multiplicados por 1,0641”, diz Silva.

Como estar de acordo com a legislação?

De acordo com o advogado Fábio Luiz Pereira da Silva, diante do atual cenário, para atender a legislação de trânsito, as usinas devem seguir os comandos da Resolução nº 211, de 2006, que, entre outros requisitos, estabelece:

- utilizar as Combinações de Veículos de Carga (CVC) somente com Autorização Especial de Trânsito (AET);
- Peso Bruto Total Combinado (PBTC) igual ou inferior a 74 toneladas;
- Comprimento superior a 19,80 m e máximo de 30 metros, quando o PBTC for inferior ou igual a 57t;
- Comprimento mínimo de 25 m e máximo de 30 metros, quando o PBTC for superior a 57t;
- Autorização para o trânsito noturno das Combinações.

Silva salienta ainda que individualmente cada unidade pode se precaver das consequências da “Lei da Balança” verificando o que será necessário para eventuais adaptações, estando atenta que uma medida liminar em ação civil pública pode obrigá-la a cumprir de imediato a legislação de trânsito, como já aconteceu com uma usina de Minas Gerais.” Além disso, ele sublinha que é importante verificar se todos os equipamentos (não só caminhões e carretas) atendem às especificações e recomendações de uso dos fabricantes, que é o que determina a legislação trabalhista. Também é importante verificar os treinamentos, recomendações, orientações e ordens de serviço repassados aos operadores destes equipamentos, os quais devem estar de acordo com as normas regulamentadoras.
Segundo ele, outra recomendação é providenciar um levantamento de eventuais acidentes envolvendo transporte de cana, pois isso pode ser um ponto negativo contra a usina, caso tenha acontecido. Estudos técnicos envolvendo a logística de transporte da empresa, bem como avaliações dos itens de segurança dos equipamentos, também são recomendáveis no intuito de demonstrar à fiscalização, notadamente a trabalhista, que não há condições de trabalho precárias ou inseguras.