O problema da borra da mistura de diesel e biodiesel
31-05-2021

Desde o começo do programa de biodiesel ouvimos reclamações sobre a formação de borras ao longo da cadeia produtiva – especialmente por parte de atores à jusante da cadeia como distribuidoras, TRRs e revendedores – e que como essa questão afetava os consumidores finais. Nos primeiros tempos o PNPB, a resposta foi um movimento para a adequação dos equipamentos e, principalmente, um apelo para maior adesão agentes às melhores práticas de manutenção dos tanques de armazenamento de combustíveis.

As reclamações, a princípio pontuais, se tornaram uma grita em 2010 na época do lançamento do B5 levando a uma revisão da especificação do biodiesel. Depois disso – nos incrementos até o B10 – as reclamações, embora nunca tenham desaparecido, amornaram o que gerou a percepção de que o problema estava domado. Só que os aumentos subsequentes até a chegada do B13 em março de 2020, as reclamações voltaram a ganhar corpo. Repentinamente, pessoas que nunca tinham falado sobre a qualidade do diesel passaram a se preocupar com a assunto chegando a chamar a mistura de biodiesel uma “adulteração” oficial.

O principal motivo para essa campanha contra de biodiesel ter se tornado mais forte é a situação de fragilidade em que o setor se encontra agora. A insatisfação com os reajustes do óleo diesel colocou o biodiesel em evidência em um momento em que o produto está com seus preços elevados por causa das cotações internacionais da soja. Nesse contexto, chega a ser previsível que mais pessoas questionem o uso do biocombustível. Na cabeça delas, a questão é se vale a pena reduzir o lucro de hoje para minimizar as consequências do aquecimento global daqui algumns anos. Ou o quanto elas estão dispostas a aguentar um desgaste com seus consumidores.

A maioria das pessoas tem franca dificuldade em entender que as ações de hoje têm consequências décadas adiante, preferindo o prazer imediato a uma vida mais balanceada. Os consultórios médicos estão cheios de casos que poderiam ter sido evitados com um pouco de atividade física diária e alimentação correta. Sendo assim, fica difícil transmitir a noção de que pagar um pouco a mais pelo diesel hoje não é um “custo”, mas um investimento que precisa ser feito em nome do futuro. Tentar vender esse argumento em um governo como o atual é ainda mais difícil.

A saída para o setor produtivo é reconhecer que foram cometidos erros no passado e se preparar para uma maratona de desafios no futuro.

O primeiro erro a ser reconhecido é que, em parte, os questionamentos sobre a qualidade do biodiesel chegaram ao ponto atual por omissão. Quando alguém disse, anos atrás, que os postos estavam tendo problemas com a formação de borras, os representantes do setor aceitaram a acusação por seu valor de face e abriram mão de fazerem perguntas importantes: Qual posto teve problema? Onde ele se localiza? Em que dia aconteceu? Qual foi a distribuidora que forneceu o diesel? Essa distribuidora comprou biodiesel de quais usinas? Quando o posto afetado fez a última limpeza de seus tanques? Se o problema é a mistura de biodiesel, por que o problema não acontece em todos os postos que vendem o Diesel B?
Tanto que no último dia 05, durante uma audiência pública convocada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para discutir a o futuro Programa de Monitoramento da Qualidade do Biodiesel (PMQBio), o especialista em regulação da ANP, Alex Rodrigues Brito de Medeiros, reconheceu, apesar de receber reclamações de há vários anos, faltam dados quantitativos sobre esse problema. “Recebemos reiteradamente reclamações de entidades e empresas (...) com fotos e relatos dos problemas, mas temos poucos dados técnicos”, disse ele durante o evento.

Se o setor tivesse se mobilizado para coletar os dados necessários para dar respostas sólidas às acusações vagas que vinham sendo feitas contra o biodiesel, a percepção de que a mistura representa um problema não teria se sedimentado. Mas o setor preferiu dar de ombros para os relatos.

Agora o setor tem que correr atrás do tempo perdido e mostrar para um monte de gente que não entende nem de diesel e nem de biodiesel, mas que vem falando do assunto e influenciando o público a pensar que o biodiesel é uma “adulteração”. E terá fazer isso enquanto é flanqueado pela Anfavea, pelo IBP, pela Brasilcom e pela Fecombustíveis que vem se aproveitando da situação e de um governo avesso ao meio ambiente.

Mas esse é o jogo. As usinas de biodiesel também se aproveitaram e fizeram suas vontades prevalecerem quando o ambiente político era mais favorável aos seus interesses. Em um governo sem rumo ou grandes planos, cada setor está tentando ganhar espaço. Aqueles que têm argumentos simples e podem colher resultados de curto prazo acabam prevalecendo sobre os que envolvem mais complexidade e retorno melhores no longo prazo.

Miguel Angelo Vedana – BiodieselBR.com