Onda de geada expõe fragilidades da safra 2025/26 e acende alerta para o ciclo 2026/27 da cana-de-açúcar
15-07-2025

Especialistas indicam perdas silenciosas nos canaviais do Centro-Sul e apontam risco de desequilíbrio na oferta e nos preços do setor sucroenergético

A mais recente frente fria que atingiu o Centro-Sul brasileiro trouxe consigo um agravante importante ao já desafiador cenário climático da safra de cana-de-açúcar 2025/26. O impacto da geada, especialmente em áreas de baixada no sul do Mato Grosso do Sul e do Paraná, despertou a atenção de especialistas e produtores quanto aos efeitos imediatos e às possíveis consequências a longo prazo para o setor.

Durante uma conversa promovida por Luiz Carlos Corrêa Carvalho (Caio Carvalho), presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e da Canaplan, com o especialista Nilceu Cardoso, pesquisador da área, foram destacados os diversos pontos críticos que emergem com o fenômeno climático.

Apesar da aparência inicial de normalidade em alguns canaviais, os efeitos da geada não se manifestam de forma imediata. “É necessário aguardar ao menos dez dias após o evento para mensurar a real extensão dos danos”, explicou Nilceu.

A diferença entre as temperaturas registradas em abrigos meteorológicos e a real temperatura no nível da planta pode alcançar até 4°C. Assim, uma medição de 2°C no equipamento pode representar, na prática, temperaturas negativas no campo, suficientes para causar necrose foliar e morte do meristema apical, especialmente em áreas suscetíveis.

Um dos impactos mais imediatos da geada é a deterioração da qualidade da matéria-prima. Nilceu alerta para o risco de ataques microbianos quando há aumento de umidade e temperatura após o congelamento dos colmos, afetando diretamente indicadores como o ATR (Açúcar Total Recuperável) e o TCH (Tonelada de Cana por Hectare).

Além disso, usinas podem ser obrigadas a antecipar a colheita de talhões ainda não maduros, o que compromete a eficiência industrial e obriga um replanejamento operacional.

Impacto silencioso na safra 2026/27

Os danos não se limitam à atual temporada. A safra seguinte também está sob ameaça, especialmente em áreas com cana recém-plantada. “Essas lavouras, que brotavam sob palhada, são extremamente sensíveis ao frio e podem sofrer atrasos de até quatro meses no desenvolvimento”, advertiu Nilceu.

A palhada, embora fundamental para proteção contra erosão e manutenção da umidade, atua como isolante térmico, dificultando o aquecimento do solo e aumentando os efeitos negativos da geada sobre os brotos.

Mesmo com os sinais evidentes de quebra, o mercado ainda projeta uma safra superior a 600 milhões de toneladas, o que os especialistas consideram otimista demais. Segundo Caio Carvalho, a Canaplan já indicava números mais conservadores, agora reforçados pela adversidade climática: entre 562 e 570 milhões de toneladas.

Essa discrepância entre realidade e projeção pode provocar volatilidade no mercado, principalmente no segundo semestre. A elevação da mistura de etanol na gasolina para E30 pressiona ainda mais a demanda por cana, acirrando o cenário de disputa entre os fins energéticos e alimentícios.

Para Nilceu, o momento exige calma e planejamento técnico, e não alarmismo. “A quebra da safra não é culpa da geada; ela já estava em curso. Agora temos um agravante que exige avaliação criteriosa, principalmente para não prejudicar ainda mais o ciclo 2026/27”.

Com novas ondas de frio previstas para o fim de julho, o setor deverá manter monitoramento constante dos canaviais, ajustando estratégias de manejo, como o uso inteligente da palhada e o replanejamento da colheita para minimizar os impactos produtivos e financeiros.

A Canaplan já anunciou uma nova rodada de discussões para outubro, durante a sua 2ª Reunião Anual, quando pretende divulgar dados atualizados sobre o andamento da safra e os reflexos concretos da geada.