Pioneirismo no uso de biocombustíveis
10-07-2018

O primeiro carro movido a álcool – um Fiat 147 – começou a circular no Brasil em 1979. Desde então, já se passaram quase 40 anos, mas esse combustível continua inovador e atualmente coloca o País à frente de outras nações do mundo quanto a exigências de acordos firmados para redução de lançamento do dióxido de carbono ou gás carbônico – o CO2 – na atmosfera.

De acordo com o diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) para a América Latina, engenheiro João Irineu Medeiros, graças ao etanol, o País já atua com taxas de redução de CO2 pela indústria automobilística próximas às que a Europa espera atingir em 2020.

Ele pondera ainda que o combustível renovável e sustentável tira a urgência da corrida pela implantação do carro elétrico no Brasil. E anuncia: o híbrido de carro elétrico e movido a etanol está em fase de pesquisa e pode ser realidade em 10 anos. “Esse carro faz parte de evolução e de desafios que temos pela frente. É uma das alternativas no médio e longo prazos para reduzir a emissão de CO2 no Brasil”, diz.

Segundo Medeiros, os investimentos para melhorar a performance de motores movidos a etanol criaram a base sólida que deixa o País numa situação avançada para atender as exigências mundiais de redução das emissões do CO2, gás que contribui para o aquecimento global.

Ele explica que, atualmente, 90% da frota que sai de fábrica traz a tecnologia flex fuel, ou seja, o carro pode ser movido a álcool, gasolina ou pela mistura dos dois combustíveis. Desses veículos, de 20% a 30% fazendo uso do etanol.

Esse percentual está próximo das exigências a serem cumpridas por outras nações. A legislação de países como Europa e EUA caminha para determinar que os carros elétricos representem de 20% a 30% do total de vendas de uma montadora justamente para garantir a redução da emissão de CO2.

Por enquanto, segundo Medeiros, o Brasil centra esforços no setor de pesquisas para melhorar a qualidade do etanol e o desempenho dos motores que usam o combustível renovável. “As empresas e governo se mobilizam para trazer o que tem de melhor do ponto de vista de motor de combustão interna, que ainda pode ser explorado, antes que a gente entre na eletrificação de maneira mais pesada”, disse.

Os avanços dependem tanto das pesquisas desenvolvidas pela indústria automobilística quanto da agricultura, com os produtores do etanol buscando a melhoria da qualidade e da produtividade.

Na FCA para a América Latina, há grupos de pesquisa que trabalham na melhoria da eficiência energética do automóvel, com estudos específicos para o desenvolvimento do motor e do etanol. Entre os laboratórios da montadora está o de Emissões e Consumo da Engenharia Powertrain.

Como medida de curto prazo que pode incentivar o uso do etanol, Medeiros cita ações governamentais, como a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Para o prazo de cinco anos, ele aposta na melhoria do motor a combustão, de forma de tornar o uso do etanol mais eficiente.

E, para os próximos dez anos, ele fala no cenário ideal: o híbrido do carro elétrico, com emissão zero, e o etanol, que é renovável. “O etanol combinado com a eletrificação fará com que o biocombustível tenha vida longa”, diz. Atualmente já há o modelo híbrido elétrico que atua também com gasolina.

Ele ressalta que não se trata de “fugir” da eletrificação, que faz parte de um menu de soluções e deverá ser usada para aplicações específicas. “Mas nós temos o etanol que não podemos abrir mão”, finaliza. Entre os diferenciais do País ele cita as áreas de plantio da cana-de-açúcar, tecnologia de cultivo e produção, além de distribuição consolidada.

Caminho longo

Hoje, se você tem um carro flex, basta parar num posto de combustível e, observando a relação custo-benefício, decidir se vai abastecê-lo com álcool ou gasolina. Mas, para chegar até aí, foi um longo caminho para o desenvolvimento do carro a álcool. “Foi uma iniciativa pioneira que demandou muito trabalho de engenharia, estudos e experiências. Tudo feito no Brasil”, relembra o gerente de engenharia experimental da FCA para a América Latina, Robson Cotta, que está na empresa desde 1982 e participou de pesquisas para consolidação do veículo movido a etanol. Ele relembra que o primeiro carro a álcool a ser lançado no País, em 1979, foi um Fiat 147. “Foi um protagonismo reconhecido pelo mercado”, resume.

Uma das dificuldades era a partida a frio e, para contorná-la, foi criado um tanque auxiliar com gasolina. “Era uma bombinha manual acionada por meio de uma tecla no painel do carro”, descreve Cotta. Atualmente, o sistema de partida a frio foi eliminado e a tecnologia evoluiu para um sistema de aquecimento do combustível que dispensa a gasolina.

As pesquisas se mantiveram, com experimentos para verificar a resistência do motor e das peças com o carro movido a álcool. “Havia muitas dúvidas”, diz Cotta. Ele relembra que a FCA – à época Fiat – em conjunto com uma revista especializada fez um teste na pista de Interlagos, em São Paulo, com o carro rodando dia e noite. “O carro aguentou”, diz.

Para ajudar na consolidação, o governo federal adotou o Fiat 147 a álcool na frota das estatais, além de promover eventos oficiais para divulgação do veículo. Enfim, o grande incentivo para a produção do etanol no Brasil veio com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), lançado em 1975.

Desde então, a oferta do etanol sofreu altos e baixos devido a questões mercadológicas, como a concorrência com o açúcar. Para contornar o problema, novas tecnologias foram oferecidas, segundo explica o diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance da FCA, João Irineu Medeiros

Em 2003, com objetivo de equacionar essa questão da competição de preços, a indústria automobilística colocou em produção um sistema flex fuel que possibilitou que os carros funcionassem com gasolina ou com etanol ou com qualquer mistura dos dois combustíveis. Essa inovação elevou a produção do etanol.

À época, o consumo do etanol no País representava apenas 10% do total, sendo que após a inovação subiu para 20%. Hoje, varia entre 20% e 30%. De acordo com Medeiros, atualmente, 90% da frota brasileira vendida ao ano tem a tecnologia flex fuel. Na Fiat, o percentual é ainda mais elevado, ficando de fora apenas alguns modelos movido a diesel.

Rota 2030 pode dar grande força ao etanol

Programa que vai estabelecer a nova política para o setor automotivo do País, o Rota 2030 pode dar grande força ao etanol. Esse é o posicionamento do presidente da FCA para a América Latina, Antonio Filosa. “A premissa do Rota 2030 é desenvolver inovação e investimento no Brasil e, se ele for aprovado, do jeito que achamos que deve ser, o etanol terá um grande papel”, disse.

O Rota 2030 substitui o Inovar Auto e ainda está sendo discutido pelo governo e iniciativa privada. Uma das linhas do programa é dar vantagens a produtos com maior eficiência energética e pensados sob a ótica da sustentabilidade.

Filosa enumera várias vantagens do etanol, que considera ser o “eldorado” do Brasil. “O etanol carrega junto investimentos em pesquisa e desenvolvimento, em laboratórios, na cadeia de produção, nas montadoras e fornecedores.

O etanol que temos no Brasil é o mais eficiente do mundo e ele, na equação de eficiência energética, permite estar em compliance (de acordo) com as regulamentações locais e até europeias do presente e do futuro”, ressaltou.

O presidente da FCA para a América Latina também reforça que, devido à necessidade de controlar os níveis de poluição, a indústria terá que fazer a migração do combustível fóssil, basicamente o petróleo, para a matriz energética “multifontes”, entre elas o etanol. “Isso, regido por um marco, cujo primeiro passo pode ser o Rota 2030”, diz.

Por que o etanol é sustentável?

De maneira didática, o engenheiro João Irineu Medeiros explica que o etanol é sustentável. Ele informa que, no País, o etanol utilizado pela indústria automotiva é feito a partir da cana-de-açúcar que, como toda planta, realiza fotossíntese capturando CO2 da atmosfera e liberando o oxigênio.

Para a produção do etanol, é necessário plantar cana-de-açúcar. E essa plantação captura o CO2 que o etanol joga na atmosfera ao ser utilizado no automóvel. Com isso, ocorre o ciclo fechado, tornando o combustível sustentável.

Proálcool

O grande incentivo para a produção do etanol no Brasil veio com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Lançada em 1975, a iniciativa teve como objetivo reduzir as importações de petróleo, evitando problemas com as variações de preço do produto.

Para tal, foram oferecidos incentivos fiscais, entre outros, para produtores de cana-de-açúcar e para a indústria automobilística que desenvolvesse carros a álcool. Entre altos e baixos, o programa acabou ganhando relevância e se mantendo atual devido ao desafio do mundo todo em encontrar soluções sustentáveis de fontes energéticas.