Prisão de Temer assusta investidor e derruba mercados
22-03-2019

 

A prisão do ex-presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco deu um verdadeiro susto nos investidores brasileiros, derrubando os preços dos principais ativos locais. A preocupação no mercado é que esse novo capítulo de turbulência política respingue de alguma forma na já atribulada tramitação da reforma da Previdência, cujo debate foi iniciado pelo ex-presidente em 2016.
O receio entre os investidores é que parlamentares de seu partido, o MDB, e aliados ao ex-presidente sejam, de alguma maneira, atingidos pelas investigações que culminaram nas prisões. Na avaliação de especialistas, tudo isso coloca à prova um dos pontos mais delicados do governo Jair Bolsonaro: a capacidade de aglutinar forças no Congresso.
O resultado disso foi uma clara busca por proteção, tanto na bolsa quanto nos mercados de câmbio e de juros. Na mesma semana em que atingiu um recorde intradiário de 100.439 pontos, o Ibovespa devolveu boa parte do que ganhou, enquanto o dólar chegou a ultrapassar os R$ 3,83. Na tentativa de evitar o risco, os investidores também ajustaram posições nos contratos futuros de juros, e a taxa do DI com vencimento em janeiro de 2015 fechou a 8,52%, depois de tocar 8,67% na máxima do dia.
O Ibovespa terminou a sessão regular com queda de 1,34%, aos 96.729 pontos. Houve relativa melhora em relação ao pior momento do dia, logo que as prisões foram anunciadas: na mínima, o Ibovespa chegou a cair 2,64%, aos 95.456 pontos. E o giro financeiro foi expressivo, de R$ 14,1 bilhões, acima da média diária negociada nos pregões de 2019, em torno de R$ 12 bilhões. O dólar também desacelerou a alta, para 0,98%, aos R$ 3,8009, mas ainda impôs ao real a pior desvalorização entre as principais divisas globais.
"O evento agita ainda mais o ambiente político, em um momento em que é necessário encontrar espaço para articulação entre governos, partidos, e buscar maior normalidade para construir a base para votar a Previdência. Tem um aumento de incerteza", diz Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.
Para analistas e operadores, embora não se saiba a extensão e detalhes sobre a prisão de Temer e Moreira Franco, o evento adiciona preocupação no já difícil campo político do Brasil e ajuda a dar combustível para a realização de lucros dos investidores, que já vinha se desenhando desde a abertura. Segundo operadores, o investidor local já tinha uma tendência por embolsar os ganhos na bolsa, depois do rali que levou o Ibovespa aos 100 mil pontos.
Na opinião de Andrei Roman, cientista político e sócio da consultoria Atlas Político, o Brasil vai, no mínimo, enfrentar um período de grande incerteza, com prolongamento das negociações com os parlamentares, enquanto não se sabe ao certo os desdobramentos das prisões. Segundo o especialista, até que se saiba o desfecho das investigações, os deputados podem acabar deixando o debate da reforma em segundo plano. "Dificilmente você vai ter nesta semana e na próxima conversa sobre quantos votos tem a reforma, por exemplo. Não sei se a pauta ainda ficará no topo da agenda do Rodrigo Maia", diz Roman.
O cientista político da Atlas ressalta que, além de sogro de Rodrigo Maia - o presidente da Câmara -, Moreira Franco foi preso em um contexto de desentendimentos entre ele e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Maia suspendeu a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção de Moro por 90 dias e criticou o pacote. "Essas disputas de poder são uma grande caixa preta, sem grande transparência. Há uma certa dificuldade sobre o que esperar, o que automaticamente gera um clima de apreensão e prejudica articulações. Mudam-se as prioridades", afirma Roman.
Após a notícia das prisões de Temer e Franco, diversas ações acentuaram o movimento de queda, caso dos bancos e da Petrobras. A ação ordinária (ON) do Bradesco fechou em baixa de 3,14%, enquanto Bradesco PN perdeu 2,20%; Banco do Brasil ON teve baixa de 2,10%, e Itaú Unibanco PN desvalorizou 1,76%.
No mesmo sentido, Petrobras ON terminou com perdas de 2%, enquanto Petrobras PN recuou 1,42%. Papéis considerados mais defensivos, pela conexão com preços internacionais de commodities e com o dólar, entraram no foco do investidor, e Suzano ON (3,15%) liderou os ganhos do dia.
Para Daniel Weeks, economista-chefe da Garde, a deterioração do ambiente de negócios, com disparada de dólar e juros futuros, além do recuo do Ibovespa, parece ser exagerada. Se por um lado o comportamento dos mercados mostra preocupação com o mundo político, em um momento de tramitação da reforma da Previdência, por outro, as prisões de Temer e Franco não são motivo para se desfazer da expectativa de aprovação da reforma. "A reação me parece exagerada", afirma.
De qualquer forma, as incertezas cobram um pedágio dos investidores locais, que vinham carregando uma firme posição "comprada" em juros futuros e Ibovespa, segmentos que mais sofreram ontem. "Tudo isso junto é combustível para o investidor evitar o risco. O mal-estar não é saudável nesse momento", afirma Fernando Barroso, diretor da CM Capital Markets.
Para Rafael Cortez, analista político e sócio da Tendências, as prisões também podem reforçar o discurso bolsonarista que defende a ruptura com a política tradicional, o que dificultaria a coordenação com o Congresso. "Isso pode fazer com que o governo queime pontes com o mundo da política, dificultando o apoio para a Previdência", diz. "É um cenário negativo para a reforma, coloca em risco a aprovação da matéria em 2019. Esses eventos exacerbam as dificuldades políticas da administração Bolsonaro."
"Existe um clima de ansiedade com as reformas, mas é um movimento normal. Não era de se esperar que seria um movimento linear", diz Joaquim Kokudai, gestor da JPP Capital. Para ele, ainda é cedo para falar que os ativos mudaram de patamar de preços. "A reforma é uma questão muito importante para o país e, por isso, gera mais volatilidade. A tendência é que seja aprovada, mas não é algo simples", diz.

Para virar o jogo, o governo Bolsonaro vai precisar enfrentar o dilema entre o discurso e o pragmatismo. "A busca por marcar um distanciamento da política tradicional, que deve ser reforçada por conta da prisão do ex-presidente Temer, significa menor chance de coalizão com partidos tradicionais. Portanto, aumenta o risco para a reforma da Previdência", avalia Cortez, da Tendências. "O que pode sair de positivo é o governo entender que precisa construir uma coalizão majoritária no Legislativo.

 

Valor Econômico