Revolução tecnológica transforma o campo no Brasil
07-01-2019

Kátia Mello e Lucas Borges Teixeira

Imagine uma fazenda monitorada por drones de altíssima resolução, softwares sofisticados espalhados pela lavoura, controlando pragas e doenças, e agricultores munidos de tablets e auxiliados por robôs. O cenário faz parte da chamada revolução verde que chegou ao Brasil, abrindo oportunidades aos produtores brasileiros de semear novos modelos de negócio, de maneira mais inteligente, sustentável e eficiente. Como em outros setores, as ferramentas tecnológicas tornaram o Brasil ainda mais competitivo no agronegócio. A agricultura digitalintegra as tecnologias às máquinas agrícolas, disponibilizando aos produtores do agronegócio uma nova cadeia de processos, que vão do plantio à mesa dos consumidores. Entre as soluções tecnológicas estão o monitoramento da lavoura; previsão das condições climáticas e das safras; o monitoramento do transporte rodoviário de cargas; o manejo inteligente de irrigação e até o rastreamento de gado.

O aumento populacional e a consequente necessidade de incrementar a produção alimentícia são os principais fatores que impulsionam e desafiam a agricultura no mundo. Afinal, como atender à demanda de uma população global crescente – que em 2050 deverá atingir 9 bilhões de pessoas? Se antes o agronegócio gerou maiores cifras com a implementação de maquinários de última geração, hoje a promessa é a de que, com as ferramentas tecnológicas disponíveis como big data, internet das coisas e inteligência artificial, seja possível aumentar ainda mais a produtividade, economizando recursos como água e fertilizantes e promovendo a sustentabilidade no campo.

Gigantes do setor como Bayer, Basf e Dupont estão desenvolvendo novos modelos para impulsionar seus negócios. Em fevereiro deste ano, a Basf lançou o aplicativo Basf Agro para smartphones, com funções que permitem aos agricultores obter informações sobre os principais problemas e soluções que atingem as lavouras, divididos por cultivo; informações técnicas dos produtos (bulas e fichas de segurança); desempenho dos produtos e lista de revendas e distribuidores mais próximos.

A Bayer, que concretizou no início de agosto a compra da Monsanto, gigante de sementes e defensivos agrícolas, conta com um centro logístico em São Paulo, inaugurado em março deste ano e chamado de Logistics Smart Centre, capaz de monitorar os indicadores e as informações operacionais da companhia, permitindo a visualização, em tempo real, das operações da transportadora até o cliente, incluindo o deslocamento de carga e o armazenamento de insumos.

Carlos Ricardo Andrade, diretor de suply chain da Bayer para América do Sul, relata que o projeto foi desenvolvido durante quatro anos e que, já no início, o então CEO da Monsanto e atual head de operações comerciais da Crop Science da Bayer para a América Latina, Rodrigo Santos, convocou todos os líderes seniores para participar do projeto, agrupando os funcionários em dois times: logística ecustomer care. “O time de logística foi responsável por detectar o risco de atraso e trabalhar preventivamente. Na greve dos caminhoneiros, por exemplo, através de nosso centro logístico, sabíamos qual caminhão estava parado, antes mesmo de a transportadora nos comunicar”, disse ele. Após o lançamento de seu centro logístico, a multinacional conseguiu evitar mais de 600 atrasos de entrega, como informa Andrade, e otimizar quase 50 mil quilômetros de distância nesse período, reduzindo gastos e gerando maior satisfação do cliente. Segundo ele, um dos objetivos dos novos modelos de tecnologia criados pela Bayer é fazer com que a melhoria nos serviços seja um diferencial em um mercado de alta competição. “Precisávamos aprimorar o serviço e a eficiência da empresa para nos tornarmos mais competitivos. Houve também outro pilar importante: aumentar o engajamento dos funcionários, e a única maneira de fazer isso foi pela automação”, afirma.

DA TRADIÇÃO À INOVAÇÃO
Até as mais tradicionais companhias de agricultura familiar estão se rendendo à revolução tecnológica. O grupo paranaense Calpar, a maior indústria de calcário agrícola no Brasil e que completa 50 anos em 2018, deverá se apropriar dos benefícios da inteligência artificial em seu negócio. Um time de executivos do grupo esteve recentemente no Totvs Labs, laboratório da empresa tecnológica no Vale do Silício, na Califórnia, para averiguar a possibilidade de adotar a plataforma de dados Carol, lançada no ano passado pela Totvs. O CEO da Calpar, Paulo Bertolini, pertencente à quarta geração da família no comando do grupo, afirma que, com o emprego da IA, será possível “fazer máquina falar diretamente com máquina, através do processo de telemetria, substituindo o intermediário no campo”. Bertolini ressalta outra vantagem no uso das novas ferramentas: “Além de ter o controle sobre nossos dados e os resultados das operações que fazemos, a tecnologia nos permite transferir as informações em tempo real ao cliente”.

Com o acesso e o compartilhamento de um mundo de dados do campo, diretamente de seus equipamentos, os agricultores podem atingir resultados mais precisos ao seguir as recomendações adequadas às suas necessidades. Hoje tratores e colhedoras não são mais simples máquinas, mas fazem parte de um sistema sofisticado de geração e partilha de informações. Nesse sentido, montadoras de máquinas agrícolas, como John Deere e CNH Industrial, costumam levar vantagens ao conectar seus sistemas aos de outras companhias, recebendo dados sobre as operações – como as condições de colheita e plantio em várias partes do país.

Na esteira das inovações tecnológicas, surgiram jovens empreendedores (alguns deles nascidos e criados no campo), fundadores das chamadas agritechs ou agtechs. Dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) revelam que, nos últimos dois anos, quase quadruplicou o número dessas startups ligadas à agricultura, chegando hoje a 200 no país. A maioria é incubada em universidades e direcionadas ao desenvolvimento de soluções em agricultura de precisão, monitoramento de lavoura e automação de equipamentos, segundo a ABStartups.

Um desses jovens é Raphael Pizzi, que fundou em 2014, com os colegas Mariana Vasconcelos e Thales Nicoletti, a Agrosmart, hoje a maior plataforma digital de agricultura na América Latina. “Nossa agricultura diferencia-se da de outros países em que a tecnologia é avançada, como Estados Unidos e Israel. Por isso, os modelos estrangeiros não nos servem, seja pelo idioma ou por outras adaptações que somos obrigados a fazer”, afirma Pizzi. “As startups do agronegócio começaram a surgir há menos de cinco anos e, de repente, houve um boom. Hoje são muitas.”

A Agrosmart exporta tecnologia para os países vizinhos e, assim como outras startups, faz parcerias com órgãos do governo brasileiro. Sua estratégia é a coleta dados no campo, por meio de uma rede de sensores, gerando informações que são enviadas em forma de relatórios a seus clientes. Entre suas principais áreas de aplicação está o monitoramento da irrigação, com recomendações sobre as necessidades hídricas reais da plantação. Em outubro do ano passado, em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), criou um modelo de diagnóstico, previsão e monitoramento de propagação de doenças agrícolas.

Pizzi explica que a iniciativa a princípio está voltada à cultura do café. No campo experimental da Embrapa Meio Ambiente, na cidade de Jaguariúna (SP), instalou um equipamento capaz de detectar o efeito das mudanças nos níveis atmosféricos de CO2 sobre a cultura cafeeira. O projeto envolve a participação de biólogos, meteorologistas, engenheiros agrônomos, cientistas de dados e engenheiros eletrônicos. De acordo com a Embrapa, as perdas anuais causadas por pragas e doenças na agricultura do país estão estimadas em R$ 55 bilhões.

Apesar de iniciativas como essa, ainda há falta de pessoal especializado em tecnologia no campo – fator que se soma às conhecidas limitações do setor, como infraestrutura de transporte precária. É consenso que se deve investir no conhecimento dos trabalhadores rurais para que possam operar máquinas inteligentes e interpretar seus dados. Sem isso, a revolução verde não dará frutos.

Reportagem publicada na edição 62, lançada em outubro de 2018

Fonte: Forbes/UOL