Salvar o setor ou quebrar o Brasil?
17-07-2015

Já me utilizei destas páginas por inúmeras vezes a fim de alertar para a falta de estratégia brasileira quando o assunto é a segurança energética no curto, médio e longo prazos. Ter ou não ter uma estratégia que garantam o abastecimento de combustíveis para o Ciclo Otto pode se tornar, em breve, na salvação ou na derrocada de uma nação.

Vamos aos fatos.

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil vai demandar em 2023 de 82 bilhões de litros de combustíveis líquidos, considerando, que a oferta projetada para o atendimento desta demanda seria de 29 bilhões de litros de gasolina A, 20 bilhões de litros de etanol anidro e 7 bilhões de litros de etanol hidratado, temos um déficit de oferta de 26 bilhões de litros de gasolina equivalente para 2023.

A pergunta é: quem ocupará esta demanda projetada? Gasolina nacional? Gasolina importada? Etanol anidro e hidratado nacional ou importado?

Tentarei argumentar sobre estas possibilidades. Considerando a ideia de que os 26 bilhões de litros sejam supridos por gasolina produzida no Brasil, nem o governo, nem a Petrobras, acreditam nisso, prova é que o governo projeta incremento zero na produção nacional de gasolina, uma vez que não projetou e nem tem projetada, nenhuma refinaria de petróleo para o País. Então descartamos a primeira hipótese.

O segundo quesito (gasolina importada), acho pouco provável, isso porque, hoje, com a importação prevista de 4 bilhões de litros, já temos um problema logístico grave, imagine termos que multiplicar por mais de seis vezes esse total de combustíveis importados. Não teríamos portos e nem tampouco um sistema de dutos, ferrovias ou rodovias necessários para fazer chegar aos centros de distribuição de todo o território nacional esse combustível.

Vamos nos ater então à terceira opção, qual seja, abastecermos a janela de 26 bilhões de litros de combustíveis líquidos com etanol, anidro ou hidratado, nacional ou importado. Importado? Esbarraríamos no mesmo problema da gasolina, a falta de infraestrutura, então descartemos. Nacional? Hoje, no atual modelo que temos, com as usinas altamente endividadas, também considero pouco provável.

Assim, podemos chegar a uma conclusão extremamente preocupante: com o que abasteceremos nossos motores daqui a nove anos?

Levando em consideração ainda os dados do ministro Eduardo Braga, de Minas e Energia, se essa demanda por combustíveis líquidos se concretizar, de hoje (2015) até 2023, vamos precisar de nada menos que 131 bilhões de litros de gasolina equivalente cuja origem ainda não temos como precisar.

Vamos à matemática: 131 bilhões de litros de gasolina equivalente, multiplicados pelo preço da gasolina importada na refinaria em reais por litro no dia 2 de junho passado, com o dólar cotado a R$ 3,174, temos que o Brasil precisaria desembolsar, neste período, nada menos que R$ 230 bilhões.

Agora pergunto, qual seria o impacto desses 230 bilhões de reais na balança comercial brasileira, ao longo desses anos, num momento em que já estamos fragilizados economicamente?

Se considerarmos os números que apontam para um endividamento do setor sucroenergético da ordem de R$ 70 bilhões, qual seria a saída mais estratégica para o Brasil? Mandar para os árabes R$ 230 bi de um dinheiro que não temos e que vai quebrar nosso país e ainda não conseguir fazer chegar esse combustível a todos os rincões deste país de contornos continentais, ou salvar, de alguma forma, o setor que gera milhões de empregos diretos e indiretos e ainda beneficiar a balança comercial do País?

As medidas a serem adotadas devem ser urgentes. Refinanciamento de dívidas, retorno total da CIDE. Enfim, uma definição muito clara do papel do etanol, orgulho nacional, na matriz energética brasileira, do contrário, temo que em poucos anos, nossos carros fiquem sucateados, mesmo novos, por falta do que colocar em seus tanques de combustíveis líquido.

Em economia a máxima: "quem não tem competência, não se estabelece", não pode ser ignorada ou mesmo menosprezada por questões partidárias ou por falta de visão.

A parábola da flecha envenenada pode ilustrar bem o que estamos vivendo hoje. Diz a parábola, para supormos que um homem tenha sido ferido por uma flecha envenenada. Seus parentes preocupados encontram um hábil cirurgião que poderia remover a flecha, mas o homem ferido se recusa a deixar o médico operá-lo até que tenha recebido respostas satisfatórias a uma longa lista de perguntas. "A flecha não será tirada", o homem ferido declara, "até que eu saiba a que casta pertence o homem que me feriu, sua altura, a vila de onde ele vem, a madeira a partir do qual a flecha foi produzida, e assim por diante." Claramente, tal tolo morreria muito antes que suas perguntas pudessem ser respondidas.

Assim, ao invés de continuarmos discutindo como sair da crise, devemos nos apressar, pois o veneno já está fazendo seu efeito...e pode ser tarde demais...

**Artigo originalmente publicado na Revista Stab, edição maio/junho de 2015.