Sociedade quer que o setor gere mais empregos, mas não quer fogo em cana
17-07-2018

Mecanização reduz empregos, porém gera trabalhos mais qualificados e melhor remunerados

Por muitos anos, José Severino dos Santos deixava o Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, para trabalhar no corte de cana no interior paulista. Como ele, milhares de outros trabalhadores faziam a mesma romaria, era a chance que tinham de ganhar dinheiro para enviar para o sustento da família.

“No final da safra, com o acerto, a gente ainda comprava bicicleta, rádio,fogão. Eu até comprei uma moto, pois ganhava bem, era bom de facão, chegava a cortar quase 15 toneladas de cana por dia, mais do que muitos”, relembra José Severino, que se dava ao luxo de escolher emprego. “Tinha até quem ia contratar a gente lá na nossa cidade, os bons de facão iam para as melhores usinas, não faltava trabalho”, conta.

Até o final da década de 1990, o setor sucroenergético empregava quase três milhões de pessoas, a área agrícola respondia por praticamente 70% das vagas. Havia usinas no interior de São Paulo que contratava cerca de 7 mil cortadores de cana. Mas com o passar do tempo, o emprego minguou, em 2016, o setor gerou cerca de 900 mil vagas de trabalho em todo o país, este ano, não passam de 700 mil.Um exemplo é a cidade de Guariba, SP, que na década de 1980 chegou a ser denominada “a Capital dos cortadores de cana”.O município de 35,5 mil habitantes, atraia quase 10 mil pessoas por safra para o corte da cana. Hoje os empregados na atividade não chegam a 100.

A quase extinção dos cortadores tem relação direta com a mecanização do setor. Nas novas fronteiras canavieiras como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás, as áreas planas e a falta de mão de obrafizeram da máquina uma ferramenta vital para a expansão dos canaviais. Em São Paulo, maior produtor de cana do país, responsável por quase 60% da produção,quem podou os empregos foi, principalmente, a proibição da queima da palha da cana-de-açúcar, processo que se iniciou, de forma gradual, em 2007, e terminou na safra 2017/18.

Sem a queima, o corte manual da cana torna-se inviável, e é necessário o uso de máquinas. Desde a safra de 2006/07, houve queda de 97,5% na área de colheita com autorização para queima em São Paulo. O número de colhedoras aumentou de 750 na 06/07 para 3.150 na safra 2017/18, além de 740 colhedoras terceirizadas pelas usinas. Uma máquina colhe 300 toneladas por dia, trabalho equivalente ao de 80 pessoas, e opera também à noite, o que o braçal não pode fazer.

A chegada da mecanização mudou o perfil dos profissionais que atuam nos canaviais, eles passaram a operar máquinas ou fazem a manutenção delas. Segundo a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), para adequar os trabalhadores à nova realidade, durante a fase de adequação foram registradas 400 mil requalificações nos setores agrícola e industrial.

Quem conseguiu se preparar e estudar, usufrui melhora de ganho salarial e das condições de trabalho. Cada máquina precisa estar acompanhada de pelo menos quatro profissionais: um operador, um soldador e dois mecânicos. Os salários variam de R$ 2,5 mil a R$ 3,5 mil.

Mas, por motivos comoidade mais avançada, falta de instrução ou habilidade,nem todos conseguiram se qualificar e foram “expulsos do canavial”. É o caso de José Severino, bom de facão, mas não de joystic para operar a colhedora.“As portas do corte de cana se fecharam, precisei abandonar o facão. Por um tempo, ainda consegui colocação em outras tarefas, como plantio de cana, mas a lei proibiu o uso de pessoas nessa atividade. Nos últimos dois anos, eu venho para São Paulo por teimosia, tento colocação na ‘panha da laranja’, ou na colheita do café. Pagam menos que na cana, além das safras serem mais curtas e nem sempre tem carteira assinada. Mas ficar no Jequitinhonha ainda é pior”, lamenta.É por isso que muitos moradores do Vale ainda partem para o interior paulista na tentativa de vaga na colheita de café ou construção civil.

Políticos do Vale do Jequitinhonhaculpam a redução de empregos nos canaviais paulistas como fator preponderante para o aumento da pobreza na região.Críticas dirigidas à mecanização dos canaviais também acontecem por parte de Ongs e da sociedade, quedefendem a manutenção dos empregos, mas são contrários a profissão de cortador de cana, por acharem uma atividade penosa. Também combatem a queima da palhae, ainda, exigem pagar pouco pelo açúcar e etanol, ignorando o peso do custo de produção na formação do preço dos produtos.

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