Superando o, até então, insuperável
07-12-2017

A continuidade e o desenvolvimento da produção de biocombustíveis no Brasil com estabilidade, previsibilidade e sustentabilidade, depende da implementação e regulação do permissivo a ser estabelecido para o RenovaBio - programa governamental que recebe essa denominação por abranger todo o espectro que envolve esse tipo de combustível renovável, notadamente o etanol.

A opção brasileira de adotar o etanol em sua matriz de combustíveis, há quatro décadas, através do Proálcool, nos colocou em uma vanguarda nada trivial, na medida em que estimulou a produção em larga escala em quase todas as regiões do País e instalou uma rede nacional de distribuição ao consumidor sem precedentes em nenhum país no mundo, para um combustível novo em relação ao de origem fóssil.

A decisão governamental de implantar o Proálcool, subordinada à imperiosa necessidade de reduzirmos os expressivos desembolsos de divisas na conta de importação de petróleo após os dois choques - em 1973 e 1979 -, em seguida se apresentou como um estímulo para o aumento da eficiência na expansão do setor sucroalcooleiro e um grande vetor de desenvolvimento regional em locais de poucas alternativas de implantação de polos econômicos com grande densidade no emprego e na circulação de renda através de cadeias produtivas de longo alcance e arranjos produtivos locais de grande valia.

Entretanto, superada a motivação inicial do seu lançamento com a redução gradual do preço do petróleo, o programa começa a ser questionado de forma liminar quanto a sua viabilidade econômica e eficiência energética, convivendo com a estagnação, e, mais do que isso, a incerteza quanto ao futuro, para o desalento de centenas de unidades industriais e milhares de fornecedores de cana e trabalhadores. A ameaça de retomada na esteira do surgimento do carro flex em 2003 durou pouco, pois logo depois o setor foi convocado a superar o insuperável: sobreviver à política governamental de congelamento do preço da gasolina por anos a fio e o seu reflexo intrínseco no preço do etanol.

No processo racional de produção foi impossível, do ponto de vista empresarial, absorver custos crescentes com receita congelada. Ficou evidente o aumento do endividamento, a redução da produtividade pela fadiga dos canaviais e, inclusive, a indução à baixa do preço do açúcar pela maior oferta deste pelo produtor brasileiro desestimulado a produzir etanol nas condições já expostas.

O ambiente de desencanto pela produção de etanol nessa última década, a avassaladora escala de desativação de empresas, a consequente destruição de milhares de postos de trabalhos e a perplexidade de se assistir ao desmonte irracional do maior programa de combustível renovável e sustentável do planeta em época de apelo universal contra o aquecimento global, passou a urgenciar a renovação do programa de biocombustíveis.

A resposta do apelo e a premente necessidade de se restabelecer os fundamentos mais equilibrados e atuais para a produção de etanol no Brasil na esteira dinâmica da sustentabilidade é o RenovaBio. Para alguns, ele representa um novo Programa de Etanol e Biocombustíveis no País, um novo estímulo para a retomada dessa valiosa opção nacional de outrora.

Entretanto, fazer o RenovaBio como mais uma tentativa é desconsiderar tudo que foi feito, tudo o que existe e os méritos e valores intrínsecos que fazem parte da essência do etanol brasileiro, desde a sua produção até o seu uso, e, sobretudo, a sua completa inserção no movimento universal pelas mudanças climáticas. O RenovaBio é o Brasil liderando esse movimento no mundo, com atitudes e ações concretas e consequentes.

Esse Programa corresponde a uma repaginação do Proálcool e das ações pontuais que, de forma incompleta, foram testadas na produção e comercialização de etanol em nosso País, ancorado em conceitos e métodos que lhe possibilitam uma vanguarda há muito esperada e assim expressa:

- Valoriza o ativo expressivo na interiorização da produção em todas as regiões do País e a acumulação de significativos postos de trabalho;
- Reconhece a vasta e de grande valor estratégico rede nacional de distribuição existente que possibilita ao combustível renovável chegar ao consumidor em qualquer ponto do País;
- Dispensa a adoção de subsídios ou repasses de origem fiscal, fazendo, portanto, crescer a atividade econômica sem exigir contrapartida em nosso combalido orçamento fiscal;
- Estabelece o mecanismo de permanente busca de aumento de produtividade dos agentes de produção, tanto no aspecto econômico, como na sustentabilidade;
- Dada a forte ponderação da presença das emissões de carbono no sistema de transporte, torna concreta e transparente a oferta brasileira depositada na COP 21 - Acordo de Paris em defesa da redução do aquecimento global; - Integra-se aos processos de motorização em uso e desenvolvimento pela nossa indústria automobilística;
- Harmoniza-se com os outros Programas Governamentais em curso, como o Rota 2030 para a indústria automobilística e o Plataforma do BioFuturo desenvolvido pelo Ministério das Relações Exteriores com outros 20 países;
- Oferece previsibilidade e transparência nas metas futuras de atingimento, o que traz reflexos positivos no planejamento empresarial e na motivação da alocação de investimentos.

Ademais, a concepção e implementação do RenovaBio, resultam de um amplo debate público, envolvendo o Governo, toda a cadeia produtiva, as organizações de pesquisa agrícola e industrial, a Petrobras, as distribuidoras de combustíveis, a universidade, a ANP e a sociedade civil através de consulta pública pela internet, além de consultas a modelos semelhantes em uso nos EUA. Como resultante crível e esperado, está disponível um arcabouço maduro e consentâneo com a realidade, necessidade e possibilidade brasileiras.

No RenovaBio, encontra-se respostas, soluções e indicações, depois de duas décadas de perplexidade existencial que se instalou sobre a produção e utilização de biocombustíveis no Brasil, principalmente sobre o etanol. Aglutina-se ao seu modelo, a inserção de valor das externalidades ambientais do etanol até então marginalizadas, induz-se o aparelho produtor a um sistema de certificação dinâmico e competitivo, com vistas a ganhos de produtividade e melhores processos de sustentabilidade, evita-se o risco de convivência com a inércia geralmente verificada nos sistemas econômicos com subsídios e dinamiza um processo de redução gradual e segura de redução de preços finais.

Tudo isso será possível na parte que cabe aos produtores, pois já demonstramos capacidade de aumento de produtividade de forma expressiva, no ambiente econômico nos períodos até 2000. Contudo, desde então, os responsáveis pela oferta e pela produção passaram a depender de um planejamento governamental permanente e estável, o que não ocorreu, para a política de produção de combustíveis em geral e, nesse particular, o etanol padeceu mais, pois como sistema privado de produção é forçado a enfrentar a inflação natural dos seus custos de produção e as incertezas do tamanho do mercado a abastecer.

O RenovaBio, em tempos de necessidade de projetos e planos estruturantes dos quais carece o Brasil, se apresenta de forma clara e inequívoca como um programa revitalizador e muito atual para os biocombustíveis. Traz a nós a lucidez dos atores governamentais capitaneados pela aguerrida e patriótica equipe do Ministro de Minas e Energia.

Vamos oferecer ao mundo a nossa competência e capacidade de assumir com efetividade os compromissos para redução das emissões de carbono na atmosfera e a atenuação do aquecimento do planeta. Vamos dedicá-lo a centenas de milhares de trabalhadores e à imensa cadeia produtiva que vem padecendo, mas com muita esperança dessa revitalização vigorosa e necessária.

Vamos dedicá-lo também à competência da pesquisa e dos cientistas brasileiros que nunca deixaram de acreditar na viabilidade do etanol. Por fim, "Um Programa Chamado RenovaBio" - pauta central desta edição da Revista Opiniões -, resume a vanguarda brasileira na produção e uso em larga escala de biocombustíveis de forma sustentável e ímpar no mundo.

Pedro Robério de Melo Nogueira - Presidente do Sindaçúcar/Alagoas