Trump e o pântano do açúcar
03-07-2017

Por Jeffrey Frankel - professor de Formação de Capital e Crescimento na Universidade de Harvard

Em um momento em que Estados Unidos, México e Canadá se preparam para renegociar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), como exigiu o governo do presidente americano Donald Trump, um item especial concentra grande atenção: o açúcar.

A influência política dos produtores de açúcar não é nem um pouco nova, nem nos EUA nem em outros países industrializados. Eles muitas vezes receberam proteção comercial, sob a forma de tarifas e cotas de importação, para garantir que os preços internos do açúcar superem, de longe, os praticados nos países fornecedores, como Austrália, Brasil, República Dominicana, Filipinas e México.

Na verdade, o açúcar foi um dos poucos produtos que enfrentaram elevadas barreiras americanas, que teriam de ser derrubadas em cumprimento às cláusulas do Nafta. Mas a liberalização exigida foi adiada para muito tempo depois de o Nafta entrar em vigor, em 1994. As exportações de açúcar do México para os EUA não subiram significativamente até 2013.

Nesse momento, os produtores e refinarias de açúcar não tardaram em pedir proteção. E o Departamento de Comércio aceitou conceder-lhes proteção, sob a forma de tarifas de até 80% sobre o açúcar importado.

Para evitar a alta das tarifas, o México concordou em 2014 em limitar suas exportações de açúcar e elevar os preços do açúcar nos EUA. Neste mês, aceitou até mesmo limites mais rígidos. De acordo com o Secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, "conseguimos que o lado mexicano concordasse com quase todas as solicitações do setor [açucareiro] americano".

Medidas como essa beneficiam os produtores americanos de açúcar - especialmente um pequeno grupo de ricos plantadores de cana, instalados na Flórida, que oferecem generosas contribuições de campanha a políticos destacados.

Por exemplo, informações dão conta de que os irmãos Fanjul, da Flórida, Alfonso e José, teriam doado US$ 500 mil para a posse de Trump, em janeiro. A empresa US Sugar também fez recentes doações generosas ao governador da Flórida, Rick Scott.

Mas os altos preços do açúcar - o dobro do nível de preços mundial, em média, nos últimos 35 anos - sustentados pelas medidas comerciais protecionistas prejudicam os consumidores americanos, que enfrentam um custo adicional estimado em US$ 3 bilhões ao ano.

E essas medidas lesam os setores produtivos americanos que necessitam de açúcar, com custos econômicos que ultrapassam os benefícios resultantes da maior lucratividade do setor açucareiro.

Notadamente, as empresas de doces têm demitido funcionários há anos e transferido suas fábricas para outros países. A Agência de Comércio Internacional dos EUA confirma que os altos custos do açúcar são "um dos principais fatores das decisões de transferência". Para cada "posto de trabalho no cultivo e na colheita de açúcar poupado por meio dos altos preços do açúcar nos EUA", estima o órgão, "são fechados quase três postos na indústria de doces".

Mas o governo dos EUA se recusa a permitir que os preços do açúcar caiam. Além das barreiras sobre o açúcar importado, os EUA criaram um piso de preços, por meio de empréstimos, pelo sistema de equivalência, de assistência à comercialização concedidos pelo Departamento de Agricultura dos EUA.

Quando o preço interno cai para níveis próximos ao piso, como ocorreu em 1999 e em 2013, o governo, na prática, subsidia os produtores - enquanto os contribuintes americanos arcam com a conta -, apesar das promessas "sem custo" em contrário.

Pode-se pensar que preços do açúcar mais altos trariam, pelo menos, grandes benefícios à saúde dos americanos. Na verdade, o preço artificialmente elevado do açúcar deve ter sido o responsável pela explosão da produção do xarope de milho de alto teor de frutose, mais barato, que é no mínimo tão pouco saudável quanto.

A proteção dos EUA ao seu setor açucareiro tem um impacto negativo direto sobre um de seus vizinhos mais próximos, o México, onde a cana-de-açúcar é produzida por centenas de milhares de pequenos agricultores, predominantemente pobres.

O prejuízo causado ao México, além disso, terá reflexos pouco desejáveis sobre a economia americana. Se os mexicanos não conseguirem ganhar dólares com suas exportações para os EUA, não terão dólares para gastar com produtos americanos.

Com a valorização do dólar no câmbio com o peso mexicano, as exportações americanas vão se tornar pouco competitivas. Além disso, se os EUA elevarem as tarifas incidentes sobre o açúcar mexicano, como ameaçam fazer, os mexicanos reagirão elevando as tarifas sobre os produtos exportados pelos EUA.

Há também um argumento de ordem ambiental contra a proteção aos produtores domésticos de açúcar. Se os EUA não tivessem desestimulado as importações de açúcar originário de países como México e Brasil, poderia estar usando etanol, à base de cana-de-açúcar, em seus automóveis, o que seria, ao mesmo tempo, mais desejável, do ponto de vista ambiental, e menos oneroso do que recorrer ao etanol a base de milho do Estado de Iowa.

O setor açucareiro da Flórida causa graves danos ambientais de forma mais direta. Nos últimos cem anos, os Everglades - o exclusivo sistema de pantanais do sul da Flórida que inclui um parque nacional - encolheu para a metade de seu tamanho original, porque o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, por exigência do setor açucareiro do Estado, desviou cursos d'água. Além disso, as descargas de fósforo geradas pelo setor alteraram o ecossistema. Estimulou-se a formação de superpopulações de algas, enquanto a grama foi expulsa.

Em 2000, o Congresso votou um plano destinado a reverter os prejuízos ao "rio de grama". Mas sua implementação foi protelada, devido, em grande medida, à pressão exercida pelos interesses açucareiros.

Mesmo neste ano, esses interesses ergueram obstáculos financeiros e políticos à construção de um reservatório que fazia parte do plano montado para salvar os Everglades. Longe de "erradicar o mal" em Washington, o governo Trump parece preparado, nas negociações sobre o Nafta, para erradicar os indispensáveis pantanais da Flórida.

Se o setor açucareiro operasse em um verdadeiro sistema de livre mercado, concluiria em pouco tempo que não é lucrativo cultivar muita cana-de-açúcar no valioso solo do sul da Flórida. Mas, em benefício de alguns ricos doadores à política, o governo americano parece comprometido a sustentar artificialmente esse setor, em detrimento dos consumidores e exportadores, dos produtores mexicanos e do meio ambiente