Usinas em recuperação judicial continuam paradas
20-08-2014

Apenas um terço das usinas sucroalcooleiras em recuperação judicial no Brasil estão conseguindo continuar em operação. Essa situação é resultado da conjunção entre custos de produção crescentes, rentabilidade baixa e uma sucessão de problemas climáticos que minaram a produtividade dos canaviais. Sem operar, essas empresas geram pouco - ou nenhum - caixa, o que mantêm mais distante a meta de pagar os credores, cumprir o plano de recuperação e recuperar autonomia.

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) estima que, das 66 unidades que pediram proteção da Justiça contra credores nos últimos seis anos, apenas 20 estão de fato conseguindo operar. "Se não tem faturamento, como faz para pagar?", questiona o diretor técnico da entidade, Antonio de Pádua Rodrigues.

Na região Nordeste, diz o presidente do sindicato que representa as usinas de Pernambuco, Renato Cunha, são cerca de 12 usinas em recuperação judicial. "O plano de pagamento de credores não atende totalmente às realidades do mercado. Isso em função da continuidade da defasagem do preço da gasolina no mercado interno em relação às cotações internacionais.

A recuperação está dando apenas uma sobrevida a essas empresas", afirmou Cunha. A mais recente novidade na lista das sucroalcooleiras a pedir proteção contra credores no país é o Grupo Andrade. A empresa, que chegou a deter, na década de 1990, a maior usina de etanol do país, teve seu pedido de recuperação judicial aceito pela comarca de Santa Vitória (MG) no dia 15 de julho.

Segundo apurou o Valor, o dono da usina, José Carlos de Andrade, ainda busca captar recursos para iniciar a safra 2014/15, que na região Centro-Sul do país começou oficialmente em abril. Procurados, os porta-vozes da empresa não deram retorno aos pedidos de entrevista. Também com operação deficitária está a Infinity Bioenergia. A companhia quase não conseguiu processar cana neste ciclo 2014/15.

Há poucas semanas, duas de suas seis unidades conseguiram efetivamente iniciar a safra. Uma terceira deverá retomar a operação neste mês. Juntas, segundo a empresa, deverão processar 4 milhões de toneladas de cana, ante a capacidade instalada do grupo de 7 milhões de toneladas.

Em janeiro, a empresa convocou acionistas para levantar recursos. No edital de convocação, a empresa chegou a informar que estava vendendo caminhões para pagar a folha de funcionários. A Infinity foi a primeira usina a entrar em recuperação judicial pós-crise de 2008 - está nessa condição desde 2009. O plano de recuperação da companhia não está sendo cumprido e uma nova renegociação com credores terá de ser realizada em busca de uma extensão de prazos de pagamento, conforme apurou o Valor.

No mercado, estima-se que 30% das usinas em recuperação judicial estejam renegociando prazos de pagamento já aprovados por credores. Essa dificuldade de retomada da "recuperanda" faz com que os bancos aceitem alongar diversas vezes as dívidas de uma mesma empresa, de forma a evitar que ela entre em recuperação.

Para Antonio de Padua Rodrigues, da Unica, o número de usinas hoje em recuperação é pequeno em relação ao "potencial". Somado, o endividamento total das usinas brasileiras supera o faturamento do setor, que é de cerca de R$ 60 bilhões por ano. O escritório Dias Carneiro Advogados cuida, no momento, da recuperação judicial de 22 empresas - 70% delas usinas de cana-de-açúcar, de acordo com Joel Thomaz Bastos, sócio do escritório. Defensor da lei da recuperação judicial, o advogado afirma que, apesar das dificuldades, as empresas estão melhor do que se tivessem ido à falência. "Muitas estão com o plano aprovado, estão moendo cana-de-açúcar, gerando empregos", diz Bastos.
A solução para resgatar usinas em recuperação judicial passa não somente por mudanças estruturais no mercado, como o fim do controle dos preços dos combustíveis, mas também pela atração de novos investimentos estrangeiros. A opinião é do advogado Joel Thomaz Bastos, do escritório Dias Carneiro Advogados, que atualmente cuida de dezenas de processos do gênero.

A tendência, de acordo com ele, é que operações de fusões e aquisições envolvendo essas companhias sejam capitaneadas por fundos de private equity nacionais ou estrangeiros assim que forem esclarecidas as questões regulatórias do mercado de combustíveis no Brasil - controle dos preços da gasolina e um marco regulatório para a participação do etanol na matriz energética do país.