Voo às cegas: manual da falta de risco
20-10-2025

Mais uma semana de colapso em Nova York. O açúcar fechou cotado a 15.53 centavos de dólar por libra-peso, acumulando uma queda de 57 pontos — ou cerca de 12,50 dólares por tonelada. A mínima, de 15.45 centavos, foi o ponto mais baixo desde o início da safra, e o movimento negativo se repetiu praticamente em todos os vencimentos até março de 2028.
Por Arnaldo Luiz Corrêa
O enredo é conhecido. Quando os fundos rolam uma posição vendida de um contrato em carrego (como era o caso do outubro/25) para o mês seguinte (março/26), o “manual” não escrito do mercado diz que eles ganham uma espécie de folga operacional — uma gordura — que lhes permite continuar pressionando os preços até que o novo contrato alcance o valor do anterior no momento da rolagem. Traduzindo: o mercado vira um campo de diversão para quem quer testar os limites da paciência dos hedgers. E, pelo visto, os fundos estão fazendo isso com a precisão de um maestro e o prazer de um sádico.
Como se não bastasse o estrago técnico, há também o humano. Segundo informações bastante confiáveis de um executivo do setor, algumas usinas que operavam com acumuladores ficaram sem as fixações de preço quando o mercado caiu abaixo dos níveis de proteção. Pois é… o filme é velho, mas o elenco insiste em reprisar. Fazem as mesmas operações, esperam resultados diferentes — e se espantam quando o desfecho é o mesmo.
No fundo, o que derruba o mercado não é o contrato de Nova York, mas a ausência de política de risco. Enquanto o setor continuar agindo no impulso — sem um plano estruturado de hedge, sem metas claras de geração de caixa ou retorno ao acionista — vai seguir produzindo açúcar e destruindo valor. São os eternos apaixonados: acreditam mais na sorte do que na gestão.
Imagine um avião em pleno voo de cruzeiro. Tudo calmo, até que — de repente — ele entra em uma Cumulonimbus, ou simplesmente CB, aquelas nuvens pesadas, carregadas de eletricidade e incerteza. O painel começa a piscar, o rádio falha, a torre some do radar. A visibilidade é zero. O piloto não tem ideia de quanto tempo a tempestade vai durar, nem da força das rajadas. Só resta manter o controle, confiar no treinamento e torcer para que a estrutura aguente o tranco.
Pois é. O mercado de açúcar está exatamente nesse ponto: no meio da CB. Ninguém sabe qual a intensidade da turbulência, tampouco quando o céu vai abrir. O que se vê são instrumentos confusos — preços sem referência, fundos atuando sem lógica aparente e usinas tentando não perder altitude. A diferença é que, no mercado, não existe piloto automático.
Para piorar a turbulência, o shutdown nos Estados Unidos deixou o mercado sem uma das suas principais bússolas: o relatório do CFTC (Commodity Futures Trading Commission), a agência que regula os mercados de commodities. Sem ele, ninguém sabe o tamanho real da posição vendida dos fundos. É como voar sem instrumentos.
Do lado de cá, a situação não é muito diferente. As informações sobre a safra do Centro-Sul estão fragmentadas — há estimativas de moagem, mas pouca visibilidade sobre estoques ou ritmo efetivo de produção. Resultado: o mercado está literalmente voando às cegas, com os painéis piscando, sem comunicação com a torre, e sem saber se a tempestade está passando… ou apenas começando.
O último dado confiável, de 23 de setembro, mostrava os fundos vendidos em 170 mil contratos. Sinceramente, não me surpreenderia se agora esse número já tivesse cruzado os 200 mil. Se fosse um avião, o alarme de “stall” já estaria tocando.
Passada a tempestade — ou pelo menos enquanto ela ainda não se dissipa — talvez seja hora de discutir o plano de voo do setor. Porque não adianta atravessar uma CB inteira se, lá na frente, ninguém souber para onde seguir. E é justamente esse o ponto que deve pautar as conversas da próxima semana, durante o Sugar Dinner e os inúmeros encontros paralelos: qual deve ser o discurso do setor para a safra que vem?
Às vésperas da semana do Sugar Dinner em São Paulo, vale a pena refletir sobre qual narrativa o setor deve adotar neste momento. Há um argumento sólido — e cada vez mais difícil de ignorar — de que a próxima safra deveria priorizar o etanol desde o primeiro até o último dia. Este exercício começou a ser debatido essa semana entre produtores e tradings e concordo com a tese.
A lógica por trás dessa tese é pragmática. O etanol tem elasticidade de preço: quanto maior a oferta, maior a capacidade de conquistar mercado da gasolina, tanto no consumo interno quanto no comércio exterior. O aumento da produção pode pressionar os preços, é verdade, mas abre espaço para expandir o market share e consolidar a paridade de exportação do produto brasileiro.
Há ainda outro fator de peso: os fundos especulativos continuam fortemente vendidos em Nova York, enquanto o nível de fixações das usinas para a próxima safra permanece reduzido (nosso número é de 30-32%). Caso o discurso pró-etanol ganhe corpo e o mercado interprete esse movimento como real, o açúcar tende a reagir — e não seria surpresa ver as cotações se aproximando novamente dos 20 centavos de dólar por libra-peso, ou até superando esse patamar.
Do lado do etanol, é preciso reconhecer os limites. O produto enfrenta um teto natural de preços, determinado pela paridade de 70% em relação à gasolina. E, com a expectativa de uma queda de 5% a 10% nos preços da gasolina, o potencial de margem no biocombustível fica mais restrito. O açúcar, ao contrário, não tem teto — e essa diferença pesa nas decisões de mix.
Em última instância, o mix de produção é a única variável sob controle do produtor. Todo o restante — câmbio, petróleo, política tributária, comportamento dos fundos — está fora do alcance do setor. Uma decisão coordenada e consistente em torno do etanol pode gerar ganhos relevantes, inclusive em termos de percepção de mercado.
Por fim, há um ponto tributário que merece atenção: uma redução do ICMS do etanol hidratado de 12% para 7% em São Paulo teria impacto permanente na competitividade do produto. O ambiente político, neste momento, parece receptivo a essa pauta — e mesmo que implicasse uma compensação via aumento do ICMS do açúcar, o ganho líquido para o setor seria expressivo.
A UNICA divulgou a produção da segunda quinzena de setembro. A moagem atingiu 40.8 milhões de toneladas de cana, colocando o acumulado em 490.9 milhões de toneladas de cana. E a produção de açúcar acumulada até agora é de 33.5 milhões de toneladas menos de 1% acima da safra anterior no mesmo período. O mix de etanol teve elevação de 2.3 pontos percentuais na quinzena reforçando a percepção de que muitas usinas viraram a chave para o combustível.
O Brasil está pagando caro por ser o protagonista no mercado livre de açúcar. Com cerca de 60% de participação nas exportações, em quatro anos, inundou o mundo com 127 milhões de toneladas de açúcar, uma média de 31.8 milhões de toneladas anuais. No acumulado desta safra (de abril-setembro), já embarcamos 17.7 milhões de toneladas 9% abaixo do mesmo volume do ano passado. Devemos terminar o ano safra com 32 milhões de toneladas de açúcar embarcadas.
O mundo tem certeza de que o Brasil estará sempre pronto para fornecer 32-35 milhões de toneladas anuais para a exportação e isso dá certa tranquilidade para o comprador que fica de olho na paridade com o etanol. A iniciativa comentada acima - se for bem coordenada – pode melhorar o suporte de preços.
Para trazer mais nuvens pesadas sobre o mercado, a Índia informou que vai usar apenas 3.7 milhões de toneladas de açúcar para a fabricação de etanol. O mercado sonhava com 4.5 milhões de toneladas, portanto, é maior a chance daquele país exportar açúcar a partir de março do ano que vem. Que fase!
Para não dizer que não falei de flores: o Luiz Carlos Carvalho (nosso admirado Caio) disse em evento da Canaplan na semana passada em Ribeirão Preto, que “o canavial veio muito danificado em 2024, não dando tempo para recuperar em 2025 e persistem os problemas que diminuem as chances de ganho de produtividade”. Para finalizar, ele estima a safra 2026/2027 em 590 milhões de toneladas de cana e produção abaixo de 40 milhões de toneladas de açúcar.
Nosso colaborador Marcelo Moreira destaca: o vencimento março-26 encerrou nas mínimas dos últimos 3 anos a 15,50 centavos de dólar por libra-peso. O março-26 encerrou novamente abaixo piso da Banda de Bollinger dos 50 dias (15.56 centavos de dólar por libra-peso). No curto prazo o março-26 continua em tendência de baixa podendo romper os 15,00 centavos de dólar por libra-peso. No novo (e provável) movimento de alta o mercado encontrará resistências a 15.56/15.97 / 16.15/16.56/16.84 e finalmente nos 17.56 centavos de dólar por libra-peso. Qual será o gatilho para os fundos e especuladores inverterem a posição de “vendidos para comprados”?
Para aqueles que estão vindo para São Paulo participar do Sugar Dinner, tenham todos uma boa viagem. Estarei em alguns dos eventos e podemos trocar uma palavrinha sobre o mercado ao vivo.
Boa semana e bons negócios
Fonte: Archer Consulting