A próxima safra de cana-de-açúcar do Centro-Sul do Brasil se recuperará da seca?
14-11-2024

A produtividade da cana caiu na safra atual. Agora, o mercado está avaliando o que o próximo ciclo pode trazer, focando na produtividade e no clima

À medida que a colheita de cana-de-açúcar de 2024/2025 na região Centro-Sul do Brasil se aproxima da conclusão, analistas de mercado e produtores estão mudando o foco para as perspectivas para o próximo ciclo de 2025/2026. Secas severas e incêndios afetaram a produtividade nesta temporada, reduzindo os rendimentos para 83 toneladas/ha em setembro — uma queda de 10% em relação ao mesmo período do ano passado, conforme relatado pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC).

As principais preocupações agora se concentram no potencial de recuperação de campos danificados, incluindo quais áreas podem exigir replantio e como esses fatores podem influenciar os rendimentos e os níveis de ATR no próximo ano. Para obter insights sobre essas questões, conversamos com Maximiliano Salles Scarpari, especialista em cana-de-açúcar e pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que compartilhou suas perspectivas sobre o caminho à frente.

Se as chuvas normais não voltarem até março do ano que vem, a produtividade da cana-de-açúcar pode melhorar? E o que se espera para os campos onde a brotação ainda não ocorreu?

A cana pode ficar dormente, esperando a primeira oportunidade de brotar. Mas, com as secas e queimadas, isso acabou não acontecendo como esperado neste ano. De qualquer forma, alguns canaviais brotarão e serão colhidos em abril. Em outros casos, será necessário replantar.

Qualquer canavial que brotou terá menor rendimento agrícola. Áreas que não brotaram podem ser replantadas, o que será um desafio para a colheita de 2025. Precisamos entender quantas áreas brotarão, quais estarão prontas para a colheita e quais serão replantadas. Esta é a chave para entender o quão bem-sucedida será a colheita deste ano.

Se chover normalmente, é possível recuperar, com moagem acima de 600 milhões de toneladas?

Não esperamos que a temporada 2025/2026 se assemelhe à safra atual. Este ano foi um dos piores em termos de seca. O resultado na safra 2025/2026 deve ser um pouco melhor, mas ainda é difícil prever um número.

A menor qualidade da cana-de-açúcar colhida nesta temporada é reflexo da seca?

Exatamente. A cana-de-açúcar não atingiu a maturidade total, e algumas usinas até receberam cana-de-açúcar morta. A cana-de-açúcar sofreu muito, apesar do preço do ATR não ter mudado tanto. A cana-de-açúcar morta também carrega muitas bactérias e fungos, o que pode afetar a produção de açúcar. As usinas de açúcar então começaram a produzir mais álcool.

Em média, quando há cerca de 150 milímetros de déficit hídrico, a planta pode amadurecer completamente. A 200 milímetros, a irrigação é recomendada. Nesta safra, chegamos a um déficit hídrico de 600 milímetros em algumas áreas de São Paulo. Isso significa que havia cana morta, que não consegue cristalizar. O déficit hídrico afetou a qualidade da cana.

Como a idade dos campos afeta esse fenômeno?

Talhões com raízes mais profundas captam água em maior profundidade. Quando a planta tem raiz mais superficial, o déficit hídrico afeta mais a produtividade. Portanto, canaviais mais velhos conseguem se recuperar melhor. Acredito que as usinas de açúcar têm tido dificuldade para plantar devido ao déficit hídrico, mas, em 2025, os canaviais devem estar mais velhos em média.

A cana-de-açúcar de doze meses é problemática, pois rende menos. As usinas de energia geralmente se saem bem com isso, pois os agricultores tendem a plantar de fevereiro até meados do ano. A cana-de-açúcar de doze meses é equivalente à cana-de-açúcar de colheita tardia, com um período de crescimento muito curto. Se houver um problema climático entre dezembro e fevereiro, essa variedade de cana-de-açúcar é a que mais sofre.

A seca tem impacto no cultivo da cana-de-açúcar?

A maior preocupação é em relação aos herbicidas. Pode ser necessário reaplicar o produto em áreas afetadas por incêndios. Outro ponto diz respeito à aplicação de bioinsumos. Em uma seca moderada, a atuação dos produtos biológicos funciona de uma forma e em uma seca extrema funciona de outra. Há dúvidas sobre o comportamento dos microrganismos presentes nos bioinsumos, que têm sido cada vez mais utilizados na agricultura brasileira, em uma situação de seca extrema.

Quais são as variáveis que devemos prestar atenção em relação à próxima colheita?

Monitorar a forma como ocorre a brotação é essencial, considerando que a chuva deve retornar. Também é preciso ficar atento às chuvas, principalmente nos meses de janeiro e fevereiro. Se houver chuva em excesso, por exemplo, isso pode ser prejudicial.

Nos últimos 10 anos, o déficit hídrico vem crescendo. Também notamos um leve aumento na temperatura. Melhoramentos genéticos devem desenvolver variedades de cana mais resistentes a esse novo cenário. Outras culturas, como laranja e café, tendem a sofrer mais porque têm um período de floração, que pode ser abortado quando as temperaturas sobem. A cana é mais resiliente porque não tem essas particularidades.

Ana Zancaner é analista da Czarnikow, empresa britânica do ramo de açúcar e etanol