Acordo reduz multas por queima de cana
06-05-2021

Ilustração
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Em março, 32 usinas e produtores de cana de São Paulo aderiram a um acordo extrajudicial com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e diminuíram em R$ 4,8 milhões o valor que deviam em multas ambientais por queima de cana sem autorização - que, de acordo com dados levantados pelo Valor com a estatal paulista de licenciamento e fiscalização ambiental, chegava a quase R$ 6,5 milhões.

Pelo acordo, usinas e produtores que respondiam a autos de infração por queima de cana não autorizada aplicados até 31 de dezembro de 2019, e que buscavam anular as multas na Justiça, poderiam aderir a uma redução dos valores devidos e extinguir os processos judiciais. Os descontos poderiam ser de 75%, caso o autuado se comprometesse a fazer o pagamento à vista, ou de 50%, caso o pagamento fosse em 18 meses.

Esse acordo foi firmado pela Cetesb e por organizações que representam o setor produtivo do Estado em abril de 2020, mas só entrou em vigor após a homologação pela 2ª Câmara Reservada Ao Meio Ambiente Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em fevereiro deste ano. O prazo para adesão individual dos produtores era o fim de março.

Com o desconto, os 32 produtores que aderiram ao acordo comprometeram-se com o pagamento de apenas R$ 1,6 milhão. Porém, mais produtores poderiam ter aderido ao acordo. Segundo a Cetesb, havia no total 111 autos de infração, que somavam R$ 21,5 milhões em multas, expedidos até o fim de 2019 e que poderiam ter sido negociados.

A decisão de buscar um acordo com o setor privado se justifica pelos revezes que a estatal vinha enfrentando na Justiça, afirma a presidente da Cetesb, Patrícia Iglecias. Em decisões dos últimos anos, o TJ-SP já vinha decidindo a favor das usinas que recorriam das multas, acatando o argumento de que os autos não especificavam o causador do incidente. Para reforçar essa via, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou em 2020 o entendimento de que a responsabilidade administrativa é subjetiva - ou seja, é preciso provar o nexo de causalidade da infração ambiental.

"Se fôssemos ficar litigando, geraria um custo para a Cetesb, e as empresas tinham que provisionar [as multas em seus balanços] e continuar pagando os honorários", diz. Para a advogada ambiental Natascha Trennepohl, do escritório Trennepohl Advogados, o acordo traz "segurança jurídica e economia processual", e não elimina as obrigações de restauração ambiental das empresas. "Se o auto de infração diz que há exigências a serem cumpridas, elas continuam vigentes", ressalta Iglecias, da Cetesb.

Apesar de o acordo ser comemorado tanto pela estatal como pelo setor produtivo, a adesão foi baixa, avalia o advogado Vamilson Costa, do Costa Tavares Paes Advogados. Para ele, muitas usinas que ainda têm dificuldades financeiras decorrentes da crise da década passada não têm capacidade de acertar pagamentos imediatos, ainda que com desconto. O acordo não incluiu multas que já transitaram em julgado e foram inscritas na dívida ativa do Estado, que somam R$ 1,1 bilhão.

A Cetesb não possui dados sobre a extensão da queima de cana não autorizada atualmente em São Paulo. Dados mais genéricos de incêndios no Estado indicam um aumento recente das ocorrências na área rural. Em 2020, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou o dobro de focos de fogo no Estado em relação à média dos cinco anos anteriores, com mais de 6 mil focos, a maior quantidade em uma década. Já o número de multas aplicadas pela Cetesb vem diminuindo: foram aplicadas 11 multas em 2020, contra 24 em 2019 e 43 em 2018. Neste ano, não houve penalidades até abril.

A mudança recente no entendimento jurídico fez com que a estatal exigisse maior rigor na aplicação de autos de infração. Em março de 2020, a diretoria da Cetesb decidiu que os autos deveriam especificar o nexo causal entre a ação ou omissão do produtor e a ocorrência de fogo em canaviais. A multa por omissão também pode ser aplicada caso o agente não tome certas medidas preventivas, como manutenção de aceiro e monitoramento das áreas.

Mas a própria presidente da estatal afirma que o problema hoje, no caso dos incêndios em canaviais, deve-se mais a causas externas, como bitucas de cigarro jogadas nas estradas. "O grande percentual [das ocorrências] está associado à beira de rodovia", diz.

A área autorizada para queima de cana como manejo é atualmente de 8 mil hectares, de acordo com permissões concedidas pela Cetesb para a safra passada (2020/21). Esse número caiu drasticamente nos últimos dez anos - em 2010, as permissões abrangiam 1,5 milhão de hectares. Em 2002, uma lei estadual estabeleceu o fim do emprego da queima da cana de forma gradual até 2021 nas áreas mecanizáveis e até 2031 nas áreas não-mecanizáveis. A técnica, porém, já é praticamente residual, após o setor firmar um protocolo em 2007 em que se comprometeu a antecipar os prazos por meio de investimentos em mecanização.

Com o aumento do uso de máquinas, o fogo passou inclusive a ser muito mais um sinônimo de perdas do que de ganhos para o setor - a palhada ajuda a preservar o solo, enquanto o fogo prejudica a rebrota da cana e até destrói o pé. Foi o que levou as usinas paulistas a investirem cerca de R$ 400 milhões por ano para monitorar e combater fogo em canaviais, de acordo com levantamento do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico
Texto extraído do boletim SCA