Alta do endividamento acende alerta no crédito rural e pressiona sustentabilidade financeira do agro
10-10-2025

Especialistas reunidos na Fiesp apontam câmbio volátil, juros elevados e contratos de arrendamento como principais riscos para a próxima safra
O agronegócio brasileiro vive um momento de ajuste financeiro. Apesar da previsão de mais uma supersafra, o setor enfrenta uma conjuntura marcada por margens comprimidas, endividamento crescente e aumento do custo do crédito. Essa foi a tônica da reunião do Conselho Superior do Agronegócio (Cosag) da Fiesp, realizada na última segunda-feira (6), em São Paulo, que reuniu representantes de bancos, cooperativas de crédito e entidades do setor produtivo para discutir caminhos de financiamento em meio a um cenário de juros elevados e volatilidade cambial.
O diretor de Agronegócio do Itaú Unibanco, Pedro Barros Barreto Fernandes, classificou o momento atual como uma “tempestade perfeita”. Segundo ele, a combinação entre a queda do preço da soja em reais nos últimos três anos, o recuo da rentabilidade e a alta da Selic tem colocado pressão sobre o caixa do produtor. A valorização do real e a rigidez da Resolução 4.966/2021 do Conselho Monetário Nacional, que endureceu regras de alocação de capital e provisão bancária, completam o quadro de adversidades.
“Plantar com dólar a R$ 5,60 e colher abaixo de R$ 5 é um risco concreto. O setor precisa adotar ferramentas de proteção contra a volatilidade do câmbio e dos preços”, alertou. Mesmo assim, o Itaú prevê crescimento de 12% na carteira de crédito rural até 2026, impulsionado por novas linhas de gestão de risco e crédito estruturado.
Para Carlos Aguiar Neto, diretor de Agronegócios do Santander Brasil, o problema central está na alavancagem acumulada durante o período de preços altos e margens excepcionais. “Tivemos margens de 45% em grãos — algo insustentável. Hoje, voltamos à média histórica de 10%, enquanto a Selic saltou de 2% para 15%”, afirmou.
O executivo destacou que contratos de arrendamento firmados em momentos de rentabilidade elevada se tornaram um peso adicional sobre o caixa das fazendas. “Quem paga juros e arrendamento nas margens atuais perde capacidade de investir. É hora de rever custos e buscar eficiência”.
No mesmo sentido, Gilson Alceu Bittencourt, vice-presidente de Agronegócios e Agricultura Familiar do Banco do Brasil, reconheceu que o excesso de crédito concedido nos últimos anos ampliou a inadimplência, que já atinge 7,6%, o maior índice desde 2011. Segundo ele, os financiamentos vinculados a arrendamentos apresentam inadimplência duas vezes maior que a média do setor. “O proprietário da terra também precisa compartilhar o risco. O crédito não pode recair apenas sobre o produtor”, observou.
Para Vitor Hugo da Silva Dantas de Moraes, superintendente de Agronegócio do Sicredi, o cooperativismo deve crescer cerca de 10% até 2026, mas com uma postura mais prudente. “O produtor precisa incorporar o seguro rural à sua rotina como instrumento de gestão e não apenas de emergência”, afirmou. Ele lembrou que ainda persistem gargalos de documentação e burocracia, especialmente entre pequenos e médios produtores, o que limita o acesso ao crédito.
Papel dos bancos públicos e novos instrumentos de financiamento
O BNDES também apresentou medidas voltadas à liquidez das empresas rurais. O superintendente de Operações Digitais, Marcelo Porteiro, anunciou uma linha de R$ 12 bilhões para liquidação de dívidas e o programa Brasil Soberano, com R$ 30 bilhões para capital de giro de empresas afetadas pelas tarifas norte-americanas. Ele destacou o papel do banco como “instrumento de estabilidade em períodos de margens apertadas e incerteza macroeconômica”.
O diretor técnico da CNA, Bruno B. Lucchi, defendeu um equilíbrio maior entre responsabilidade do produtor e dos credores. “Houve produtores que se alavancaram demais, mas também crédito concedido sem critérios adequados. É hora de ajustar as bases e ampliar o uso de seguros e ferramentas de mitigação de risco”, afirmou.
Encerrando o encontro, Bruno Gomes, superintendente de Securitização e Agronegócio da CVM, apresentou proposta de modernização da Resolução CVM 88, que permitirá que pessoas físicas emitam títulos de dívida para securitização no mercado — iniciativa que pode ampliar o acesso a capital privado e diversificar as fontes de financiamento do agronegócio.
Em meio ao aperto financeiro, o consenso entre os participantes foi claro: o agronegócio precisa de mais eficiência na gestão, ampliação de instrumentos de proteção e maior coordenação entre setor público e privado para manter sua trajetória de crescimento sem comprometer a sustentabilidade financeira no campo.
Andréia Vital com informações da Fiesp