Brasil está pronto para liderar biocombustíveis em aviões e navios
23-10-2025

Foto: Adobe Stock
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Diversidade de matérias-primas como soja, milho, cana e trigo coloca o país em vantagem; só o mercado marítimo pode gerar US$ 250 bi até 2050

Por Sabrina Nascimento | São Paulo

O Brasil está pronto para avançar na produção de biocombustíveis para navios e aviões. Porém, decisão da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) de adiar por um ano a definição de metas globais obrigatórias de descarbonização do transporte marítimo trouxe frustração e cautela ao setor.

O adiamento do primeiro sistema global de precificação de carbono do transporte marítimo, previsto no quadro Net-Zero, é visto por especialistas como resultado de táticas de postergação. Sendo o primeiro do mundo, o mecanismo exigiria que os navios pagassem taxas pelo descumprimento de metas de intensidade de carbono gradualmente crescentes, o que, de acordo com estimativas, deve gerar até US$ 15 bilhões por ano em financiamento a partir de 2030. 

No entanto, Estados Unidos (EUA), Arábia Saudita, Rússia e outros países produtores de petróleo adotaram uma prática de atraso processual. A moção de adiamento foi apresentada, em reunião na última semana, por Singapura e submetida à votação pela Arábia Saudita. 

Alguns delegados acreditam que suspender as negociações dará aos países mais tempo para chegar a um consenso sobre esta importante lei climática. Outros temem que os Estados Unidos — que chegaram a ameaçar tarifas e sanções a países em desenvolvimento que apoiassem o acordo — ampliem a pressão para adiar sua adoção definitiva.

Papel do Brasil na transição energética global

Apesar do impasse internacional, o Brasil surge como um dos países mais bem posicionados para liderar a nova fronteira dos biocombustíveis sustentáveis. Segundo estudo da Boston Consulting Group (BCG), o país reúne uma combinação de vantagens naturais, industriais e tecnológicas para capturar uma fatia relevante do mercado global de energia limpa.

O Brasil é, atualmente, o segundo maior produtor mundial de biocombustíveis, referência em agricultura regenerativa e detentor de um dos menores custos de energia renovável do planeta — cerca de US$ 33 por megawatt-hora. Além disso, possui experiência em rastreabilidade, por meio do programa RenovaBio, e capacidade logística consolidada, o que, de acordo com a BCG, coloca o país em posição estratégica para atender à futura demanda de combustíveis sustentáveis para aviação (SAF) e navegação (BioBunk).

Conforme a BCG, o mercado global de combustíveis marítimos sustentáveis poderá movimentar entre US$ 180 bilhões e US$ 250 bilhões por ano até 2050. Desse volume, o Brasil poderia capturar entre 8% e 10%, o equivalente a até US$ 25 bilhões anuais em exportações de biocombustíveis. Há ainda o potencial de gerar entre 200 mil e 300 mil empregos diretos e indiretos.

Segundo Camilo Adas, diretor de Transição Energética da Be8, o Brasil já dispõe da infraestrutura necessária para aproveitar a oportunidade dessa demanda global, especialmente no curto prazo. “O Brasil tem um potencial enorme em biocombustíveis, com uma longa tradição e estrutura consolidada desde 2005. Hoje, já é possível abastecer com biodiesel praticamente em qualquer porto do país, o que nos coloca em vantagem para atender ao transporte marítimo sustentável”, destaca. 

Na avaliação de Adas, o país pode contribuir para as metas de redução de emissões por meio do uso de biodiesel, diesel renovável (HVO) e etanol, cada um com diferentes aplicações e prazos de adoção. O biodiesel, por exemplo, pode ser utilizado sem alterações nos motores marítimos, enquanto o etanol exige adaptações, mas é considerado promissor pela ampla oferta interna e histórico de uso desde o proálcool.

Combustível sustentável para aviação

Além das discussões para uso de biocombustíveis para navegação, está em andamento a transição dos combustíveis da aviação. Há cerca de três anos, a Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) iniciou a implementação de mandatos de uso gradual de combustíveis sustentáveis, o chamado SAF (Sustainable Aviation Fuel). 

Esse combustível pode ser produzido por diferentes rotas tecnológicas, como:

  • HEFA: hidrotratamento de óleos vegetais
  • Álcool-to-jet: fabricado a partir do etanol de segunda geração, que utiliza bagaço de cana e resíduos agrícolas.

Essas rotas devem ampliar a demanda por biocombustíveis no Brasil à medida que as metas internacionais de mistura forem crescendo. Além disso, há também a demanda interna.  A legislação brasileira para o combustível do futuro já prevê uma introdução gradativa do SAF, com percentuais de mistura crescentes, o que tende a impulsionar novos investimentos na cadeia produtiva. “O Brasil tem as rotas mais favoráveis para SAF. Se não der certo aqui, dificilmente vai dar em outro lugar porque a gente produz três safras ao ano, enquanto outros países produzem uma e com neve”, afirmou Tarcísio Soares, gerente de estratégia e negócios da Airbus, durante a 25ª Conferência Internacional Datagro sobre açúcar e etanol. 

Agro como base da transição energética

O potencial da produção de biocombustíveis no Brasil está diretamente ligado à força do agronegócio. A diversidade de matérias-primas agrícolas — como soja, milho, cana e trigo — reforça essa vantagem competitiva. “O Brasil tem um agro pujante, com alta tecnologia e capacidade de múltiplas safras. Conseguimos produzir intensamente, preservando nossas florestas e recuperando terras degradadas”, observa o diretor da Be8.

Segundo ele, nesse cenário, o etanol de milho vem ganhando força. Além disso, pesquisas com cereais de inverno, como o triticale, apontam novas possibilidades sem competição direta com a produção de alimentos.

Fonte: Estadão