Cana-energia para usinas: quebrando mitos
30-11-2023
O teor de fibra dos clones foi igual ou um pouco superior à média dos padrões e o ATR não foi comprometido: o teor de ATR variou de 122 a 140, quando a RB867515 apresentou 133
*Sizuo Matsuoka
Quando se menciona a cana-energia, a primeira característica que vem à mente de todos é que se trata de uma cana com alta fibra, acima de 20%, e baixo teor de sacarose, de 5 a 10%. Acabou se criando esse mito, por culpa mesmo nossa, dos melhoristas de cana-energia, pela ênfase que se deu ao Tipo II que é aquele tipo de cana direcionada para produção de fibra. Ocorre que existe uma grande variação nessa combinação fibra-sacarose, e o melhoramento pode direcionar para o Tipo I, uma combinação que possa satisfazer as indústrias sucroalcooleiras, ou seja, teor intermediário de fibra e ATR equiparável a algumas das canas convencionais. Isso, porém, sem perder as características agronômicas já conhecidas da cana-energia: alta produtividade, alta rusticidade (resiliência) e elevada longevidade de soqueira. Outros mitos que se criaram fora do diâmetro muito pequeno da cana-energia, alto florescimento e chochamento e consequente baixa densidade (cana leve).
A produtividade agrícola é o esteio que sustenta uma empresa sucroenergética. Sem dúvida, o seu aumento garante a boa lucratividade das empresas e, por isso, a meta de uma produtividade de três dígitos é sonho de todas elas; atingi-la, entretanto, é privilégio de apenas algumas poucas. Muitas ficam distante dessa meta e, o que é pior, têm baixa longevidade de soqueiras, esta constituindo-se em séria ameaça à sustentabilidade econômica da empresa. O que pode ser feito para mudar esse cenário e os mitos criados?
A adoção de cana-energia do Tipo I certamente é uma medida que pode contribuir para se atingir aquela meta de três dígitos. E o diâmetro deste tipo de cana-energia fica numa posição intermediária, ou seja, um diâmetro não comprometedor, apenas necessitando mudar o arraigado conceito de que a cana deva ter elevado diâmetro. O que importa é a cana ter uma boa densidade.
É possível obter cana-energia do Tipo I que não floresça, não choche e tenha uma boa densidade e, principalmente, bom teor de sacarose.
Enfatizando, quando se faz o melhoramento genético para obtenção da cana-energia, surgem variadas combinações entre fibra e sacarose, tanto tipos de baixa fibra (sim, baixa fibra) até aqueles de alto teor. A questão é selecionar aqueles de teor de fibra abaixo de 17-18%, pois então surgem clones com teor de sacarose comparável ao da cana convencional. Alguns exemplos dessa variabilidade serão mostrados na Tabela 1, chamando a atenção que se referem a dados de 4º corte.
Tabela 1. Dados paramétricos em 4º corte de alguns clones de cana-energia em comparação a padrões de cana convencional*.
|
CLONE |
TCH |
Fibra |
AR |
ATR |
Pz |
TATRH |
Nº cana/m |
|
CE 0219 |
137 |
15 |
0,45 |
127 |
90 |
17,42 |
17 |
|
CE 0280 |
118 |
17 |
0,64 |
140 |
83 |
16,52 |
21 |
|
CE 7074 |
108 |
18 |
0,63 |
129 |
82 |
13,90 |
25 |
|
CE 7182 |
101 |
17 |
0,57 |
122 |
81 |
12,32 |
23 |
|
CE 0071 |
95 |
16 |
0,61 |
127 |
84 |
12,10 |
21 |
|
CE 7069 |
90 |
16 |
0,37 |
140 |
92 |
12,57 |
25 |
|
CTC 4 |
60 |
14 |
0,54 |
151 |
87 |
9,06 |
17 |
|
RB867515 |
58 |
16 |
0,55 |
133 |
86 |
7,71 |
12 |
* ambiente D, colheita de set./23, Usina Cocal.
O teor de fibra dos clones foi igual ou um pouco superior à média dos padrões e o ATR não foi comprometido: o teor de ATR variou de 122 a 140, quando a RB867515 apresentou 133. O teor de açúcares redutores se equiparou ao dos padrões, com alguns ligeiramente superiores, mas outros até inferiores. Quanto à pureza do caldo, a tendência foi de valor inferior aos padrões, porém dois deles foram ligeiramente superior. No resultado final, em produtividade de ATR, os dois melhores clones foram 107 e 97% superiores à média dos padrões e, na média dos seis clones, a superioridade foi de 68%. Quanto ao número de canas por metro linear na colheita, exceto um que se igualou ao padrão CTC 4, os demais foram superiores, com valores superiores a 20.
Vejamos uma análise particular de alguns clones. O primeiro clone da teve produtividade agrícola 128% superior aos padrões, com teor de fibra igual ao deles, com AR menor, ATR aceitável, alta pureza e produtividade de ATR 94 e 126% superior ao da CTC 4 e da RB897515, respectivamente (Fig. 1 e Fig. 2). Esse mesmo clone, num experimento em Ipeúna, também ambiente D, sem fósforo no plantio e sem N-P-K no 3º corte, apresentou produtividade agrícola 102% acima da RB867515, assim demonstrando sua rusticidade (resiliência). Esse e outros clones estão apresentados na Fig. 3. A superioridade da cana-energia é bastante evidente numa condição extrema de ausência de adubação.
Ainda na Tabela 1, o segundo clone (CE 0280) teve o dobro da produtividade média dos padrões, com fibra e AR ligeiramente superiores, mas ATR superior ao da RB897515 e, no final, sua produtividade de ATR foi 97% superior à média dos padrões. Seguem alguns gráficos para visualização desses resultados (Fig. 1 e 2). Verifica-se por esses dados que enquanto os padrões teriam que ser reformados após o quarto corte, a soqueira da maioria dos clones de cana-energia poderá prosseguir por vários cortes adiante.
Outros clones estão preliminarmente apresentando produtividade superior aos aqui apresentados, porém carecendo ainda de mais dados, especialmente de análises tecnológicas, e por isso não são comentados por ora. Cumpre ainda registrar que muitos bons clones foram descartados por suscetibilidade a doenças, de forma que esses apresentados são os que se mostraram resistentes até o momento.
Desses dados tão vantajosos da cana-energia, a conclusão que se tira é que urge os produtores introduzirem a cana-energia Tipo I no rol dos materiais a serem avaliados nas condições ambientais de cada um. Certamente que se surpreenderão com o desempenho deles, mormente nas socas avançadas. Importante é que façam rápida multiplicação deles para tê-los nos canaviais comerciais em pouco tempo, e assim, perseguir a meta da produtividade de três dígitos com mais assertividade. Este ano muitas empresas conseguirão atingir tal meta, por conta da abundância de chuvas e, principalmente, sua boa distribuição, mas não é de se esperar isso como uma normalidade. Isto não é mau augúrio, muito pelo contrário, seria muito bom que se repetisse muitos anos. E, então, a cana-energia também seria beneficiada.
Especialista nas áreas de fitopatologia, melhoramento genético e agricultura da cana
Fig. 1. Produtividade de cana em 4º corte em ambiente D de alguns clones de cana-energia, com ATR respectivos. Observe-se valores de ATR acima de 20%, e 5 deles com valores equivalentes ao do padrão RB867515.

Fig. 2. Produtividade de ATR em 4º corte em ambiente D de alguns clones de cana-energia, com seus respectivos teor de fibra. Observem-se valores de fibra equivalentes ou inferiores ao do padrão RB867515, ou apenas ligeiramente superiores. (Obs.: análise feita sem limpeza da cana).

Fig. 3. Produtividade (TCH) de clones de cana-energia em argissolo, álico, Ipeúna-SP, em 3º corte, sem fósforo no plantio e sem NPK no 3º corte, em comparação ao padrão RB867515 (segundo dados publicados em STAB, vol. 40, nº 2, 21-26).
*Sizuo Matsuoka Especialista nas áreas de fitopatologia, melhoramento genético e agricultura da cana

