Com fala sobre Coca-Cola, Trump tumultua mercado de açúcar
21-07-2025

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Anúncio do republicano de que a empresa trocaria o xarope de milho pelo açúcar de cana nos EUA ajudou o preço a subir na semana passada

Por Camila Souza Ramos e Raphael Salomão — São Paulo

Como se não bastassem as indefinições sobre a produção brasileira de açúcar nesta safra e o balanço global de oferta da commodity, o presidente dos EUA Donald Trump decidiu na última semana tumultuar ainda mais o cenário para as usinas do Brasil.

Depois de anunciar sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, colocando em xeque a importação de açúcar do país, e ameaçar investigar o Brasil pela tarifa sobre o etanol importado, Trump disse que a Coca-Cola, uma das maiores compradoras de açúcar do mundo, passaria a usar açúcar de cana no lugar de xarope de milho em seus refrigerantes nos Estados Unidos.

A mudança, se efetivada, criaria de imediato uma demanda adicional pelo açúcar de cana de 1,4 milhão de toneladas ao ano, de acordo com cálculos da empresa Reflexity, de inteligência artificial. A Coca-Cola não confirmou, mas indicou que poderia haver novidades. E poucos países poderiam suprir essa demanda rapidamente — sendo o Brasil o principal candidato.

A postagem de Trump sobre o assunto em uma rede social colaborou para que os preços internacionais do açúcar subissem na semana passada na bolsa de Nova York. Até a sexta-feira, os contratos do demerara com vencimento em outubro acumulavam alta de 7,13% desde o início do mês, a 16,82 centavos de dólar a libra-peso. Já os lotes de segunda posição de entrega (para março) subiam 5,76% no mês, a 17,43 centavos de dólar a libra-pes

A notícia sobre a Coca-Cola somou-se a outros indicadores que favoreceram uma recuperação em Nova York das cotações, que vinham em forte queda em junho, quando encostaram na mínima em quatro anos, por causa do cenário de maior oferta na Tailândia e Índia.

“Depois de o mercado testar preços abaixo de 16 [centavos de dólar a libra-peso], houve um retorno de demanda”, afirmou Marcelo Filho, analista da consultoria StoneX. Na segunda semana de julho, o mercado de açúcar começou a reagir após Paquistão e Filipinas anunciarem cotas de importação de açúcar, e acenderam um alerta sobre os estoques mundiais.

A China também divulgou que importou em junho 420 mil toneladas de açúcar, um volume alto para esse período do ano. Segundo Filho, as importações chinesas devem ser ainda maiores em julho e agosto. Em junho, o Brasil exportou 3,36 milhões de toneladas de açúcar, sendo que o principal destino foi a China, com 760,23 mil toneladas.

Nesse ambiente, a entrada dos EUA com uma demanda adicional daria mais um impulso ao mercado. O país já importa 3 milhões de toneladas de açúcar ao ano, sendo 750 mil toneladas com cota sem tarifa (antes da ameaça de tarifa), e o restante com uma taxa de 80%.

A perspectiva para o Brasil, porém, é uma incógnita, já que o tarifaço de Trump faria o país arcar com 50% para exportar açúcar aos EUA. A medida atinge as usinas do Norte e Nordeste, destacou a Datagro, em relatório recente.

A indústria da região usufrui de uma cota de 146,6 mil toneladas. A consultoria analisa que o volume é pequeno, diante dos 2,6 milhões de toneladas embarcados pela região na safra 2024/25. Mas a medida do governo americano impõe um custo adicional de US$ 27,9 milhões às usinas, levando em conta um valor de US$ 371 por tonelada.

Em outra frente, Trump ainda anunciou que investigará a taxa brasileira sobre as importações de etanol, o que atinge o biocombustível americano. Desde fevereiro de 2023, quando o Brasil restabeleceu a tarifa sobre o etanol importado, até junho de 2025, os americanos venderam ao Brasil 205,14 milhões de litros de etanol, com receita de US$ 97,82 milhões, de acordo com a Datagro.

Se o Brasil ceder e flexibilizar a tarifa do etanol, pode haver um desincentivo para o país produzir o biocombustível, aumentando a oferta de açúcar. Mas tudo ainda está no terreno das hipóteses.

Por ora, o mercado aguarda mais dados sobre a safra do Centro-Sul, que dá sinais de estar mais fraca que o esperado. No início da semana passada, a União das Indústrias de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) informou que a produção de açúcar da segunda quinzena de junho caíra 13%.

Apesar do mix mais açucareiro, a produção foi afetada por uma concentração de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) na cana 6,17% menor, o que não era esperado pelo mercado, segundo o analista da StoneX.

Fonte: Globo Rural