Descoberta de nova espécie de praga da cana-de-açúcar pode reduzir prejuízos
29-10-2025

Acima, exemplares da nova espécie de cigarrinha-da-cana; abaixo, de M. fimbriolata: sem a genética, diferenciação só é possível analisando a genitália do macho (foto: Andressa Paladini/UFPR)
Acima, exemplares da nova espécie de cigarrinha-da-cana; abaixo, de M. fimbriolata: sem a genética, diferenciação só é possível analisando a genitália do macho (foto: Andressa Paladini/UFPR)

Análises mostram que uma cigarrinha-da-cana, encontrada desde a década de 1960 no Sudeste e Sul do Brasil, era confundida com outras espécies similares a olho nu

Por André Julião

Em 2015, o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Gervásio Silva Carvalho recebeu vários exemplares de cigarrinha-da-cana (Mahanarva sp.) para serem identificados.

Os insetos vinham de diferentes áreas de plantio de cana-de-açúcar do Sul e Sudeste do Brasil, onde foi aplicado um inseticida muito usado para o controle da praga, mas que não estava trazendo o resultado esperado.

A ideia era que a expertise em taxonomia de insetos do pesquisador pudesse indicar, pelas características do corpo do animal (morfologia), se aquelas cigarrinhas-da-cana eram diferentes das espécies mais conhecidas por atacar os canaviais.

Sem saber disso, pouco tempo depois, no interior de São Paulo, o professor  Diogo Cavalcanti Cabral-de-Mello,  do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, também recebeu, da mesma pessoa, vários exemplares do inseto. Alguns, inclusive, que Carvalho havia analisado.

Especialista em citogenética e genômica, campos que estudam os cromossomos e a informação genética dos organismos, Cabral-de-Mello notou algumas diferenças que talvez indicassem uma nova espécie. No entanto, sem saber das análises feitas pelo grupo de Carvalho, que trariam as evidências morfológicas, não podia fazer a afirmação de forma categórica.

Quando finalmente souberam um do trabalho do outro, os pesquisadores se uniram para ampliar o número de exemplares analisados, agora de grande parte do Brasil, e puderam descrever a nova espécie, Mahanarva diakantha, em um estudo apoiado pela FAPESP e  publicado  no Bulletin of Entomological Research.

A descrição abre caminho para uma série de estudos, uma vez que até então a Mahanarva diakantha era tratada como uma de suas parentes próximas, como a Mahanarva fimbriolata e a Mahanarva spectabilis. Entre as diferenças possíveis, ela pode ter um ciclo de vida diferente, outras interações com o ambiente e os hospedeiros e mesmo uma maior resistência aos inseticidas mais usados, o que pode ter repercussão no seu controle e na produtividade da cana-de-açúcar.

“Esse gênero de cigarrinha-da-cana tem espécies muito parecidas entre si, que chamamos de crípticas. Naquela ocasião, após dissecar os insetos, vimos que alguns tinham a genitália do macho diferente, o que podia indicar uma nova espécie. Então, num evento científico, conhecemos outras pessoas trabalhando com esse organismo e levamos em frente a ideia de descrevê-la”, conta Andressa Paladini, primeira autora do estudo e atualmente professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que na ocasião realizava pós-doutorado sob supervisão de Carvalho na PUC-RS.

“Isolamos uma sequência específica do DNA mitocondrial, conhecida pela sigla COI [de citocromo C oxidase], que varia entre as espécies e por isso é muito usada para diferenciar uma da outra. No entanto, a diferença era tão pequena que não poderíamos tê-la descrito como uma nova espécie sem a evidência da morfologia”, explica Cabral-de-Mello.

O estudo teve apoio da FAPESP por meio de dois projetos coordenados pelo pesquisador,  “Investigando a evolução de DNAs satélites em cromossomos holocêntricos de insetos-praga” e “Estrutura e evolução de DNAs repetitivos em espécies de Lepidoptera e sua relação com diversificação cariotípica e dos cromossomos sexuais”.

Mapa de distribuição das três espécies e área de intersecção entre elas

(figura: Andressa Paladini/UFPR)

Diversidade críptica

A olho nu, a nova espécie é impossível de ser diferenciada das duas mais próximas, Mahanarva fimbriolata e Mahanarva spectabilis. Para complicar, as três possuem uma área comum de ocorrência no Sul e Sudeste do Brasil.

Sem o sequenciamento do gene COI, a única forma de diferenciá-las é dissecando os machos. Neles, a extremidade de uma parte da genitália da nova espécie se diferencia por ser bifurcada, o que deu origem ao seu nome científico, M. diakantha, “dois espinhos” em grego.

Para não deixar dúvidas, os pesquisadores aplicaram ainda um terceiro método de diferenciação de espécies, a morfometria geométrica, muito usada nos últimos anos no estudo de insetos. Nela, foi feita uma comparação da forma da asa posterior das três espécies de cigarrinhas-da-cana. Os resultados das comparações também mostraram diferenças estatísticas significativas entre elas.

“Não sabemos exatamente há quanto tempo, mas tudo indica que as espécies se diferenciaram recentemente. Isso fica bem evidente nas análises genéticas e morfológicas”, diz Cabral-de-Mello.

Com a descrição da nova espécie, torna-se necessário reavaliar inclusive os resultados de estudos anteriores com espécies similares. Ao examinarem exemplares de cigarrinha-da-cana em coleções biológicas, os pesquisadores encontraram indivíduos da nova espécie coletados há décadas, mas identificados como sendo outras, um deles datado de 1961 e identificado como M. fimbriolata. Alguns trabalhos não detalham como foi feita a identificação das espécies analisadas, o que dá margem para acreditar que diferentes espécies tenham sido tratadas como uma única.

Um dos próximos passos vislumbrados pelos pesquisadores é aumentar a amostragem, a fim de verificar com mais acurácia a distribuição da nova espécie no país e seu impacto nas lavouras. Outra perspectiva é compreender melhor a diversidade genética da espécie, conhecimento fundamental para o desenvolvimento de estratégias de manejo.

“Agora que está descrita como uma nova espécie, abre-se uma gama de novas possibilidades”, encerra Paladini.

O artigo Shades of red: several lines of evidence reveal a pest of sugarcane as new species of Mahanarva (Hemiptera: Auchenorrhyncha: Cercopidae) pode ser lido em:  doi.org/10.1017/S0007485325100503.

Fonte: Agência FAPESP