Embrapa afina modelo para prever produtividade agrícola com satélites
18-09-2025

Abordagem promete planejamento por talhão, logística e previsões públicas de safra

Um modelo preditivo em desenvolvimento pela Embrapa estimou, com alta assertividade, a produtividade de cana-de-açúcar a partir de imagens de satélite coletadas na fase de crescimento das lavouras. O desempenho decorre da integração de séries temporais com técnicas estatísticas e aprendizado de máquina, e a mesma metodologia foi aplicada à soja, servindo também para validar o bioestimulante Hydratus, recém-lançado.

A pesquisa utiliza imagens diárias da constelação PlanetScope, disponibilizadas pelo Programa Brasil Mais (MAIS), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A alta frequência permite identificar janelas fenológicas para extrair índices de vegetação e, em seguida, integrá-los a variáveis como cultivar, ciclo produtivo e precipitação acumulada no período de crescimento, compondo um modelo de previsão.

Cana: três anos de monitoramento e R² de 0,89

No caso da cana-de-açúcar, um projeto em parceria com a Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana), financiado pela Finep, monitorou duas safras ao longo de três anos e alcançou coeficiente de determinação (R²) de 0,89. Em termos práticos, 89% da variação observada em campo pelos métodos agronômicos tradicionais foi explicada pelas predições do modelo — patamar considerado elevado para previsões de produtividade.

Segundo Geraldo Magela Cançado, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital, o trabalho começou com um modelo mais simples e, à medida que avança, novas variáveis — temperatura, textura do solo e disponibilidade hídrica — serão incorporadas para elevar a eficiência da ferramenta.

A ambição é entregar um modelo operacional para produtores e indústria, com dados por talhão nas propriedades. O recurso suportaria planejamento estratégico, antecipação de negociações, programação logística e orientação de intervenções na lavoura. O poder público também poderia utilizá-lo em previsões de safra.

“Essa metodologia permite um levantamento de safra mais objetivo. Queremos reduzir a subjetividade e ampliar a abrangência. Dada a imensidão do país, só com satélites isso se torna viável”, afirma o pesquisador João Antunes.

Soja: validação do Hydratus e correlação de 71%

Depois da cana, a metodologia foi aplicada à soja em uma pesquisa de validação do Hydratus — bioestimulante que protege contra seca e estimula o crescimento. Financiado pela Finep, o trabalho envolveu a Embrapa Milho e Sorgo e a Bioma, com três áreas monitoradas: duas com imagens PlanetScope e uma com drone.

Para predição, a cana utilizou o GNDVI (índice de vegetação por diferença normalizada verde), baseado nas bandas NIR e verde, sensível ao teor de clorofila. Na soja, o índice foi o EVI2, que combina a banda vermelha e o NIR, mais sensível à estrutura do dossel e à biomassa. Os resultados detectaram diferenças de produtividade entre testemunha e doses do Hydratus e entregaram correlação de 71% entre o previsto e o observado — inferior à cana, mas alto para padrões da cultura.

“Cada cultura responde de forma distinta. Acima de 0,6 já é um nível aceitável. Na cana, há relação mais direta entre biomassa do dossel e produtividade de colmo; na soja, o produto é o grão, e a correlação não é tão direta”, explica Geraldo Cançado.

Os bons resultados animam o uso em pesquisas de campo, ao possibilitar monitoramento preciso e não destrutivo. “A avaliação dupla — métricas agronômicas e sensoriamento remoto — cria uma estratégia inovadora e econômica para avaliar o desempenho das culturas em tempo real”, reforça a equipe.

Estatística x machine learning: amostra ainda é gargalo

O projeto compara duas rotas: aprendizado de máquina e métodos estatísticos. Para Eduardo Speranza, analista da Embrapa, o baixo volume de amostras para treinar algoritmos ainda favorece os modelos estatísticos em precisão.

“Apesar de muitos experimentos, trabalhamos com 500–600 amostras em uma publicação — pouco para aprendizado de máquina. O potencial é maior no ML, mas exige milhares de amostras e validação in loco pelos métodos agronômicos”, observa.

O Programa Brasil MAIS (Meio Ambiente Integrado e Seguro) reúne imagens diárias de nanossatélites PlanetScope e emite alertas, compartilhando dados com mais de 600 instituições — forças de segurança, fiscalização em três níveis federativos, além de universidades e institutos de pesquisa. A Embrapa é usuária do acervo gerado por 130 satélites, com resolução de 3 m/pixel e 8 bandas espectrais.

“Embora o foco principal seja a fiscalização de ilícitos, o potencial para pesquisa agrícola é expressivo, sobretudo em áreas experimentais e talhões, onde o acompanhamento diário em alta resolução oferece insumos valiosos para manejo e inovação”, afirma Júlio Esquerdo, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agricultura Digital.

A frequência diária dos satélites é um ganho operacional frente a drones: embora estes entreguem resolução superior, a cadência depende de equipes e janelas de voo. Em 2024, a Rede MAIS premiou iniciativas na plataforma; o trabalho “Previsão da Produtividade em Cana-de-Açúcar Utilizando Análise Temporal de Imagens PlanetScope”, da Embrapa, ficou em 1º lugar na categoria instituições federais.

Redação com informações da Embrapa