Encontro técnico do GIFC reúne mais de 340 participantes e destaca avanços e desafios da irrigação em cana-de-açúcar
17-10-2025

Variedades responsivas e colheitabilidade foram os temas centrais do evento
Com casa cheia e discussões de alto nível, o Encontro Técnico promovido pelo Grupo de Irrigação e Fertirrigação de Cana-de-açúcar (GIFC) no último dia 25 de setembro, em São José do Rio Preto/SP, consolidou-se como um marco no calendário do setor bioenergético nacional.
Intitulado "Irrigação em cana-de-açúcar e seus desafios: variedades responsivas, produtividade e colheitabilidade", o evento reuniu mais de 340 participantes, entre pesquisadores, consultores e representantes de cerca de 72 usinas e agrícolas brasileiras.
Durante a abertura, o presidente do GIFC, René Sordi, ressaltou que o objetivo do evento havia sido cumprido com êxito. "Conseguimos reunir especialistas de alto nível e cases práticos para mostrar o potencial transformador da irrigação. Este evento deve ser visto como um momento de aprendizado coletivo e construção de soluções reais para a sustentabilidade da produção", afirmou.
A abertura do evento contou ainda com a presença da Secretária de Agricultura de São José do Rio Preto e produtora rural, Carina Ayres, que destacou a importância da irrigação para a sustentabilidade da produção agrícola, especialmente em um cenário de instabilidade climática. Carina compartilhou experiências pessoais e ressaltou os investimentos feitos em sua propriedade com o apoio de instituições como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
O primeiro bloco do encontro debateu as variedades mais responsivas à irrigação, um assunto bastante complexo e com poucos dados disponíveis. O painel contou com a presença de pesquisadores dos principais institutos de melhoramento genético do país, bem como de representantes de usinas que trouxeram dados inéditos e experiências de campo.
Durante as apresentações, os pesquisadores apontaram para a necessidade de intensificar a avaliação dos clones em cada etapa de desenvolvimento, especialmente nas mais avançadas, a fim de garantir que apenas as variedades com maior produtividade e adaptabilidade ao modelo atual de produção do segmento, como a irrigação e a mecanização da colheita, sejam lançadas comercialmente.
Eles também ressaltaram a importância do intercâmbio de variedades entre as regiões Centro-Sul e Norte-Nordeste como estratégia para ampliar o leque genético e reduzir riscos associados. A experimentação local, conduzida por cada usina em suas condições específicas de solo e clima, também foi apontada como um passo fundamental para a escolha assertiva dos materiais, contribuindo para a sustentabilidade e eficiência da produção canavieira no país.
Já o segundo bloco teve como foco a apresentação de estratégias para uma colheita de alta produtividade. Ocorre que a irrigação com déficit controlado (por aspersão, pivô ou gotejamento) eleva consideravelmente a produtividade dos canaviais, especialmente nos primeiros cortes, podendo ultrapassar 200 toneladas por hectare.
Essa alta produtividade, porém, gera desafios na colheita, como aumento de perdas, impactos na qualidade da matéria-prima e maior pisoteio. Para debater esse "problema bom", foram convidados representantes das principais montadoras e de usinas que já enfrentam essa situação.
Primeiro bloco: variedades responsivas à irrigação – o elo entre genética e manejo
Abrindo os trabalhos, a especialista em irrigação do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Davilla Alves, alertou os presentes sobre os efeitos das mudanças climáticas na região Centro-Sul, principal polo de cana-de-açúcar do Brasil. Segundo ela, sem investimentos em irrigação, para enfrentar os novos padrões climáticos, a produtividade agrícola da cultura poderá cair de 5% a 20% nos próximos dez anos. "A irrigação de salvamento atende, mas precisamos pensar também em lâminas complementares para estabilizar a produção", afirmou.
Em seguida, o diretor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Marcos Landell, reforçou a necessidade de superar as limitações impostas pelo clima com estratégias combinadas de irrigação e manejo agronômico. O pesquisador destacou o uso do terceiro eixo, sistema que consiste em colher os canaviais seguindo uma lógica de idade, iniciando a safra com as canas mais novas e finalizando com as mais antigas. "Cuidar da irrigação é importante, mas o sucesso vem da integração entre genética, ambiente e manejo de colheita", afirmou.
Complementando as abordagens científicas, o professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Iêdo Teodoro, apresentou dados que mostraram a importância de se avaliar o consumo relativo de água. "Precisamos entender que só aumentar a lâmina não é garantia de sucesso. É necessário considerar outros fatores de produção, como a disponibilidade de fósforo e ferro. Caso contrário, a eficiência tende a ser limitada por esses nutrientes, mesmo com maior oferta de água."
Após os representantes da academia, foi a vez dos profissionais das unidades bioenergéticas subirem ao palco. Patrick Francino Campos, gestor agrícola da Jalles, mostrou aos presentes detalhes da evolução da irrigação na empresa, desde os primeiros sistemas implantados na década de 1990 até as atuais tecnologias de controle remoto.
Ele relatou que a Jalles iniciou o uso da irrigação com o objetivo de controlar a lagarta-elasmo, praga que afetava a brotação da cana-de-açúcar. Na época, os equipamentos disponíveis eram simples e exigiam intensa mão de obra. A experiência revelou a necessidade de investir em estruturas de armazenamento de água, especialmente em áreas com escassez hídrica. Nos anos 2000, a estratégia passou a incluir a construção de barragens e reservatórios, mas a burocracia para obtenção de licenças ambientais dificultou a execução dos projetos.
Com o passar dos anos, a irrigação ganhou papel mais estratégico, contribuindo para o aumento da produtividade e permitindo práticas como a colheita antecipada em áreas irrigadas. Um marco importante ocorreu em 2017, com a implantação de um sistema de bombeamento e a criação de uma central de operações, que evoluiu para uma torre de controle com monitoramento remoto de equipamentos, reservatórios e até drones.
Fechando o primeiro bloco, Sandro Rogério de Souza, gerente agrícola da Usina Santa Adélia, compartilhou o plano ambicioso da empresa de irrigar 60% de sua área produtiva até 2031, totalizando mais de 25 mil hectares irrigados, sendo 15 mil hectares de irrigação de salvamento e 10500 hectares, de deficitária. Para alcançar esse objetivo, o primeiro passo será dado já neste ano, com a formação de novas áreas irrigadas e a busca por materiais genéticos mais responsivos.
Segundo bloco: colheitabilidade em áreas de alta produtividade – um "problema bom"
O segundo bloco teve início com os representantes da indústria de máquinas agrícolas. O primeiro a subir ao palco foi o gerente de marketing da Case IH, João Testa. Segundo ele, as colhedoras estão preparadas para operar em canaviais altamente produtivos, mas destacou que o processo de alimentação das máquinas, especialmente em áreas com cana tombada, é um gargalo importante. "O ponto-chave é garantir um fluxo constante. Quando a alimentação não é regular, o sistema começa a embuchar, gerando sobrecarga de pressão e queda no rendimento", alertou.
Felipe Dias, gerente global de cana-de-açúcar da John Deere, reforçou que a colheitabilidade vai além do desempenho das máquinas. "Manutenção, paralelismo e controle de tráfego precisam estar alinhados para garantir um bom desempenho operacional", afirmou.
Após essas apresentações, foi a vez das usinas mostrarem seus casos de sucesso. Engenheiro agrônomo formado pela Esalq/USP e atual assessor de tecnologia agronômica das quatro unidades do Grupo São Martinho, Luís Renato de Paula Ferreira falou sobre a ampliação do sistema irrigado, iniciativa que faz parte dos investimentos contínuos da companhia visando melhoria e expansão de sua produção agrícola. Durante sua fala, o profissional ressaltou a importância de controlar as perdas e preservar as soqueiras durante a colheita mecanizada das áreas irrigadas.
Júlio César Naves Batista da Silveira, gerente da Usina Alta Mogiana e vice-presidente do GIFC, relatou os desafios internos enfrentados na colheita das áreas irrigadas por gotejamento. Por conta das altas médias de produtividade agrícola alcançadas (180 ton/ha), tem sido comum tombamento da cana e embuchamento das máquinas. "Se estamos projetando um canavial para 12 ou 15 anos, precisamos pensar em estratégias que preservem a longevidade sem comprometer a colheita."
Graziela Cavalcante Nunes, coordenadora de irrigação da Usina Da Mata, apresentou os resultados de áreas irrigadas por gotejamento. O destaque ficou por conta das variedades RB92579 e CTC4. "Na média dos cinco primeiros cortes, e comparando com áreas de sequeiro com o mesmo material, a 579 vem entregando uma produtividade 50,3% maior. Já na variedade do CTC, a diferença é de 40,7%."
Encontro técnico do GIFC consolida importância da irrigação estratégica e do debate técnico qualificado
Ao final do evento, o presidente do GIFC, René Sordi, celebrou o sucesso do encontro e destacou o nível técnico das discussões, o engajamento dos participantes e a diversidade de origens dos representantes. "Conseguimos reunir mais de 340 profissionais do setor. Isso mostra o quanto o tema 'irrigação' tem despertado interesse e se tornado uma pauta estratégica para o setor", avaliou.
Segundo ele, o evento cumpriu sua missão de oferecer um fórum especializado, focado em conteúdos aprofundados e aplicáveis, e deve se repetir em outros formatos nos intervalos do IRRIGACANA. "Temos muito ainda a debater: outorgas, barramentos, adutoras e eficiência energética. Este foi apenas o começo de uma agenda contínua de fortalecimento da irrigação como instrumento de resiliência e competitividade", concluiu.
As apresentações das palestras estão disponíveis no site do GIFC: